«Não podia sair do Benfica para o Porto», diz Nuno Gomes

16 nov 2000, 01:30

Em entrevista ao Maisfutebol, o goleador confirma ter rejeitado convite das Antas A proposta chegava em boa altura. As «luvas», em atraso desde a transferência do Bessa, franqueavam-lhe a porta de saída da Luz. Mas questões de ordem ética impediram-no de considerar seriamente o convite portista. Não podia agarrar-se ao incumprimento do Benfica para tomar a direcção das Antas. Por isso esperou. Ignorando sucessivos convites do Leeds, voltando as costas ao assédio do Corunha, fazendo orelhas moucas a insistências turcas e rendendo-se à aproximação da Fiorentina. Mas ainda hoje conjuga os verbos na primeira pessoa do plural ao referir-se ao Benfica, que julga estar ainda a tempo do título, desde que consiga a paz.

Chiara pulava de excitação. De frio, também. Escondia as mãos nas mangas do blusão, queixava-se da máquina fotográfica, que deixara de funcionar justamente ali, à porta do Artemio Franchi, e espreitava ao portão entreaberto. Toldo já havia saído, Mijatovic passara por ali sem dizer nada, Di Livio não fazia exactamente o seu tipo. Esperava, frenética e religiosamente, por «ele», mas já ao ponto de desesperar. 

Esgueirava-se entre curiosos e jornalistas, espreitando novamente, conferindo mais uma vez. Procurando-o, esperando ver-lhe um fiozinho de cabelo, no mínimo. Mas a porta fechava-se diante da pequena argola que lhe furava a narina direita. Desmancha-prazeres, o porteiro garantia-lhe que não chegaria nem perto do alvo da sua curiosidade, apontando na direcção da garagem. Saíria à velocidade que o Porsche cinza, aparcado trinta metros mais abaixo, lhe permitisse. 

Não podia ser, agitava a cabeça, com os olhos subitamente tomados por lágrimas, que mantinha reféns nas órbitas, num olhar estratégico aos céus. Não tinha vindo de Veneza, aproveitando a boleia do pai, dirigente da Federação Italiana de Ciclismo em reunião nos arredores de Florença, simplesmente para o ver passar. Tinha que lhe tocar, já havia decidido. Nem que fosse preciso lançar-se na frente do carro. «É um jogador bravíssimo». Voltava a pular, a sorrir nervosamente, só de o imaginar em perseguição da bola. «Belíssimo, também». Confessava e ruborizava. Tinha que lhe chegar. Mas como? 

Não estava tudo perdido. Nuno tinha entrevista marcada com o português, que, como ela, perdia a paciência e aquecia os pés num estranho sapateado que ela própria contagiara. Com um pouco de sorte e destreza, confundiria o porteiro. Mais do que tocar em Nuno, deu-lhe dois beijos e recebeu outros tantos em troca, mais um autógrafo com dedicatória. As amigas não iam acreditar. Estava dispensada, podia ir. Bloqueara, contudo, estacara a um passo do ídolo, corada pela emoção, para despertar dois segundos depois na reclamação do funcionário, sempre o mesmo, que a queria na companhia dos outros adeptos, do lado de fora do portão. 

Primeiro, o Leeds 

Na sala que precede o acesso aos balneários, Nuno Gomes falava já de «uma adaptação rápida», de como tudo era mais fácil com Rui Costa por perto. Depois de dois meses de «estágio num hotel», podia, finalmente, deleitar-se com a privacidade, com o rebobinar de um filme que se precipitara, irreversivelmente, na direcção da fama. «Quando jogava a bola nas ruas de Amarante, nunca pensei no que poderia acontecer, naquilo em que me iria tornar». Admitia-o, sem preconceito e com um sorriso. Ali sentado, sensivelmente a meio da película, continuava a querer chegar «o mais alto possível», meta que um dia pensou coincidir com a transferência para o Benfica. 

Nuno estava condenado a fazer as malas. A revolvê-las e a fazê-las outra vez. Jogava ainda no Boavista e o Leeds não o largava. Não passava uma época sem que uma nova proposta do clube inglês chegasse ao Bessa. Nuno mordia-se e resistia. «Queria afirmar-me primeiro no futebol português», explica. A Luz alumiava-lhe o caminho, mas, ao segundo ano de Benfica, tinha ainda aquilo a que hoje chama «uma espécie de luvas» da transferência para receber. 

Descontente, admitiu sair. Justamente quando um telefonema lhe proporcionava a possibilidade de trocar a Luz pelas Antas. «É verdade», confirma, «tive essa oportunidade». Mas garante nunca a ter considerado seriamente: «Não podia transferir-me do Benfica para o Porto. Não seria eticamente correcto, mesmo quando o Benfica não estava a cumprir comigo». Deixou-se ficar. 

Finalmente, a Fiorentina 

Teria notícias do Desportivo da Corunha durante a última época na Luz. Voltou a recusar. «Sentia-me bem no Benfica», insiste. «Queria vencer, ajudar o meu clube a atingir novos momentos de glória». Nuno chegou-lhes ou, pelo menos, andou lá por perto. Mas a camisola era já da Selecção. A Luz não podia segurá-lo por muito mais tempo. Já haviam chegado propostas da Turquia quando a Fiorentina entrou em jogo. «Não dava mais para hesitar». Percebeu que estava chegado o momento. 

Custou-lhe deixar Lisboa, mas não lhe custa dizer que «o campeonato italiano é muito superior ao nosso, é um dos melhores do Mundo». Não se arrepende da troca, mesmo quando se demora demasiado na consulta da classificação, à procura da Fiorentina. «Não estou desiludido», jura. «Sabe-se que há equipas mais fortes do que a nossa, candidatos assumidos ao título. Nós ainda vamos melhorar». O palpite é extensível ao Benfica, mantendo, por vezes, a conjugação na primeira pessoa do plural. «Estamos mal», reconhece sem alternativa. «Foi um mau início de época». 

O título volta a passar longe da Luz e Nuno Gomes detecta os motivos à distância, logo à primeira abordagem: «Para se ser campeão, é preciso ganhar fora». Nem quer pensar se faz falta, se o Benfica suspira por uns pontapés certeiros, mas admite o desconforto que é assistir sem poder correr e marcar. «A Madeira? Nem me falem da Madeira! O que eu sofri nesse jogo!». Crê, ainda assim, que ainda não está tudo perdido: «Só falta um pouco de estabilidade, porque o Mourinho pode fazer um bom trabalho. Basta que dêem um pouco de paz aos jogadores. Se a conseguirem rapidamente, o Benfica ainda vai a tempo». 

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