Boavista-Dínamo Kiev, 3-1 (crónica)

19 set 2001, 22:41

E agora, Boavista? Liverpool não foi um acaso. Mais do que repetir a exibição que irritou Anfield Road, o Boavista melhorou-a, juntando-lhe os golos, e deu por si na frente do grupo.

Liverpool não foi um acaso. Na verdade, mais do que repetir a exibição que deixou Anfield Road entre a irritação e um oculto ataque de nervos, o Boavista melhorou-a, espremeu o melhor de um equipamento laranja e fez o Dínamo ajoelhar, antes de se dar ao luxo do relaxe e de se aperceber que a liderança do Grupo B lhe fora confiada por um empate em Dortmund. E agora? 

A dúvida nasceu em menos de cinco minutos de aflitiva correria, ainda os jornalistas se entreolhavam-se, incrédulos, na bancada, com a estranha interrogação a atrasar a concepção das primeiras ideias. Seria aquilo que viam, lá bem em baixo, um jogo de futebol? Parecia, de facto... As equipas, a bola, as balizas... estava tudo lá. Mas o que era feito de todos aqueles cuidados fastidiosos, do estudo entediante, em que os adversários procuram sempre encaixar-se, enquanto o observador boceja repetidamente? Era futebol, sim senhor, mas numa das suas versões mais agradáveis, livre de todos os pormenores supérfluos e dispensáveis. 

Não houve prelúdio, portanto. O jogo pulou directo para o primeiro acto, para a acção, que exigia o melhor dos intérpretes, parecendo favorecer ligeiramente o Boavista, mesmo porque fora Jaime Pacheco quem concebera o enredo, em que podiam distinguir-se apenas umas linhas rabiscadas pelo punho do inexpressivo Lobanovsky. Talvez o suficiente para lhe garantir um final feliz, pensou. Um punhado de contra-ataques, de genialidade ucraniana, poderiam bastar. 

Sob (o)pressão 

Mas a velocidade axadrezada, nos gestos subtis de Goulart, transmitia a sensação de produzir um efeito opressivo sobre o Dínamo, que, antes de perceber exactamente o que se passava em seu redor, desesperava com o excesso de confiança do guarda-redes russo a que dá abrigo. A certeza absoluta de Filimonov, que, com um gesto de total tranquilidade, dispensou parte da barreira, receosamente formada diante da ameaça do pé direito de Sanchez, foi a primeira razão da irritação ucraniana. 

Lobanovsky, sem proferir palavra ou revelar reacção, contra-argumentava com talento, com um jeito muito especial para encantar no recurso a uma simplicidade com tanto de espontâneo como de deliciante. O doce veneno da triangulação aproximaria o Dínamo do empate, confirmado num lapso de Ricardo, que mal se tinha recomposto de uma defesa do género «impossível», a mesma que produzira o canto na cara do adversário. 

Nada que abalasse seriamente o Boavista, igualmente fervilhante no ataque e, mais importante do que isso, substancialmente mais equilibrado na defesa. A vitória explica-se justamente aí, na soma de sectores, claramente favorável aos portugueses, que, ao seu modo, veloz, num estilo mais envolvente, recuperava o brilho num remate de Silva e, mais tarde, num cabeceamento de Duda, a que a defesa ucraniana se mostrou indiferente, enquanto Filimonov hesitava entre regressar à baliza e sair ao caminho do brasileiro, para se exasperar, depois, num voo impotente para travar a ténue, mas suficiente, curva que a bola desenhara. 

Nada como antes 

O jogo não voltaria a ser o mesmo. Porque o Dínamo jamais se conformaria e, em especial, porque Pacheco, percebendo o risco que corria, ao permitir a revolta absoluta dos ucranianos, recuperou parte dos cuidados de que prescindiu para compor a vantagem. Cernat e Melashchenko voltariam a fazer das suas, a deliciar, mas deixando sempre a obra inacabada. 

Na autorizada inversão de papéis, a sede portuguesa era já saciada à custa da elaboração de um contra-ataque efémero, da tentativa de ampliar a diferença entre o risco de a ver encurtada. Mas nenhum dos métodos funcionaria, por questões de eficácia, a que o Dínamo mais fica a dever. Ao Boavista, então menos exuberante, a vitória, justificada uma hora antes, assentava na perfeição. 

Alfredo Trentalange foi o árbitro. Só para que se saiba. Esteve impecável, sem lapso que se lhe aponte.

Patrocinados