A covid-19 “ligeira” nem sempre é assim tão ligeira

CNN , Jen Christensen
16 jan 2022, 09:00
Teste covid-19. okrasiuk/Adobe Stock

Muitas pessoas ouvem os seus médicos dizerem que têm uma infeção “ligeira” por covid-19, em pleno surto da variante Ómicron, altamente contagiosa, mas a sua doença pode não ser tão ligeira como possa parecer.

Foi o caso de Michelle Cordes, uma dietista de um hospital da região de Chicago. Ela tomou a vacina e a dose de reforço e diz ter feito tudo o que podia para evitar apanhar o vírus, como usar máscara e evitar multidões. Por isso, quando não se sentiu muito bem, a 30 de dezembro, pensou que se tratava de uma constipação, ou talvez de uma alergia ao gato que a sua filha trouxe da faculdade para casa.

Por descargo de consciência, ela fez um autoteste e ficou surpreendida ao descobrir que estava positiva para a covid-19. O seu marido, filho e sogro também tiveram testes positivos.

"Todos tínhamos tosse e o nariz a pingar. Eu tinha comichão na garganta e tanto eu como o meu marido tivemos suores noturnos quatro noites seguidas", disse Cordes.

"Ligeira" é uma palavra que parece adequar-se aos sintomas de Cordes, em comparação com os que ela vê nos seus pacientes no hospital, disse ela. Mas a sua doença também não lhe pareceu uma constipação leve.

Os sintomas da covid-19 podem variar dramaticamente. Estudos demonstraram que a doença provocada pela variante Ómicron é geralmente mais ligeira do que a provocada pela variante Delta e que algumas pessoas não têm quaisquer sintomas ou andam apenas a fungar ligeiramente do nariz. Mas ainda assim, pode causar doença grave, especialmente entre os não vacinados. 

Mas mesmo a doença considerada "ligeira" pode ser desconfortável e prolongada.

O Instituto Nacional de Saúde definiu a covid-19 "ligeira" como provocando sintomas que as pessoas já conhecem muito bem nos dias de hoje, como febre, tosse, dor de garganta e fadiga. Mas, segundo a médica Shira Doron, estes sintomas não devem ser de todo desvalorizados.

O uso da palavra ‘ligeira’ "não tem por objetivo menosprezar a experiência do doente", disse Doron, epidemiologista hospitalar e especialista em doenças infeciosas no Tufts Medical Center, em Boston.

Mesmo as pessoas com doença ligeira podem desenvolver a chamada covid longa, com sintomas que se mantêm durante seis meses ou mais. Ela é da opinião que o termo "ligeira" que os especialistas tanto usam poderá ter de ser reformulado.

"Quando nós ou quando o CDC ou o INS dizemos 'ligeira', queremos dizer que não ficámos doentes a ponto de termos de ir para o hospital", disse Doron. "Mas quando apanhamos uma doença tipo gripe, que nos deixa de cama, isso não é nada ligeiro para nós".

Cordes acabou por ficar em casa, de pijama, durante três dias, algo que ela diz nunca lhe ter acontecido. Ela sente-se melhor esta semana e está pronta para aceitar um novo projeto, mas ainda não voltou ao trabalho.

Dave Juday também ficou chocado quando o seu teste rotineiro à covid-19 deu positivo a 8 de dezembro. O instrutor de rádio e áudio de uma escola secundária do Arizona testa-se semanalmente e tem o cuidado de usar máscara, porque não quer infetar a sua esposa, que tem lúpus. O diretor-adjunto da sua escola até lhe disse que o seu teste positivo assustara as pessoas.

"Disseram-me que, se eu consegui apanhar covid, então qualquer um pode apanhar covid, de tal forma eu sou cuidadoso", disse Juday.

As vacinas e o reforço funcionaram, disse ele. Ele nunca teve de ir ao hospital, mas uma ligeira dor de cabeça transformou-se no que parecia ser uma das piores crises de sinusite que já tinha tido.

"A minha cabeça parecia uma bola de bowling pesadíssima e eu senti o meu olfato e o meu paladar a desvanecerem-se", disse Juday.

Ele sentia-se suficientemente bem para dar aulas à distância. "Embora eu me assoasse umas 500 vezes, o que me fazia parecer o Rodolfo nas minhas aulas por Zoom", disse Juday. "Nem quero saber como teria sido se não tivesse sido vacinado".

Quando o corpo tem estes sintomas, está a fazer o que deveria, disse Doron: está a neutralizar o vírus.

"Isso é bom, mas não nos faz sentir bem", disse Doron. "Os sintomas em si mesmos não são perigosos e não temos de procurar cuidados médicos".

Com a covid ligeira, não há necessidade de ir às urgências, particularmente durante uma época em que os recursos de saúde são escassos.

Chamar-lhe doença "ligeira" poderá ter ainda outra desvantagem: poderá fazer com que algumas pessoas não levem a covid-19 suficientemente a sério.

"Há uma fadiga enorme em relação à covid e isso está associado a uma vontade de voltar ao normal, ou o mais próximo possível do normal, o que pode levar as pessoas a menosprezarem os seus sintomas e a optar por não fazerem o teste à covid ou à gripe", disse William Schaffner, professor de doenças infeciosas no Centro Médico da Universidade de Vanderbilt.

Mesmo com sintomas ligeiros, as pessoas devem ser testadas para a covid-19, disse ele, para que possam estar atentas ao agravamento dos sintomas que possam levar à necessidade de cuidados médicos. Um teste também lhes dirá se precisam de se isolar, de modo a não contagiarem os outros com o coronavírus.

"O seu caso pode ser ligeiro, mas pode contagiar a tia Susie, que tem diabetes, e ela pode ficar gravemente doente", disse Schaffner.

E embora a Ómicron esteja a causar mais casos de doença ligeira do que as variantes anteriores, as pessoas não devem usar isso como desculpa para rejeitar as vacinas ou a dose de reforço.

"As pessoas ainda são hospitalizadas com esta doença e a grande maioria dos internamentos é de pessoas não vacinadas", disse Schaffner. "Um hospital não é um hotel nem uma estância turística".

Claudia Hoyen, diretora do controlo de infeções pediátricas no Hospital Pediátrico UH de Cleveland, também tem encorajado todas as pessoas que conhece a serem vacinadas e a levarem a dose de reforço. Os hospitais conseguem ajudar as pessoas com covid-19, disse ela, mas os sintomas e complicações podem permanecer muito tempo após a alta hospitalar.

"Temos dados que mostram que, por vezes, cerca de 30% dos pacientes que acabam na UCI nunca recuperam a normalidade nas suas vidas", disse Hoyen. "Os não vacinados podem pensar que 'alguém os irá salvar e que vai correr tudo bem', mas nem todos voltam à sua linha basal e às suas vidas normais".

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