Mundial 2002: Alemanha-Brasil, 0-2 (crónica)

30 jun 2002, 17:54

Um final sublime para um campeonato medíocre A vitória do Brasil sobre a Alemanha (2-0) encerra da melhor forma um Campeonato do Mundo decepcionante.

O Brasil sucede à França e Ronaldo sucede a Zidane. Estão designados os novos mestres supremos do planeta futebol. A vitória do escrete sobre a Alemanha (2-0), num estádio de Yokohama engolido por uma onda verde-amarela, encerra da melhor maneira possível um Campeonato do Mundo decepcionante. E a confirmação do regresso do fenómeno, herói do jogo e melhor marcador da prova, com oito golos, é a notícia mais agradável de uma competição que esteve, até ao dia decisivo, a implorar por uma figura que a dominasse e lhe desse o tom.

Fintando os prognósticos mais pessimistas, a final foi boa. Muito boa, mesmo, a melhor dos últimos largos anos. E, surpresa das surpresas, o mérito inicial para o bom espectáculo vai em grande parte para os alemães, que beneficiaram da colocação de Schneider no lugar habitualmente ocupado pelo castigado Ballack para surgirem com uma agilidade de movimentos nunca vista neste Campeonato.

Os primeiros minutos deram o tom para um jogo equilibrado, com as duas equipas a aceitarem o repto e a assumirem a iniciativa alternadamente. Mas a Alemanha, de volta ao esquema com três centrais, parecia mais equilibrada, anulando por completo as movimentações de Ronaldo e Rivaldo. O regressado Ronaldinho Gaúcho - fantástico jogador! - e o desinibido Kléberson, que beneficiava da passividade do seu opositor directo, Jeremies, para se libertar no apoio ao ataque eram, então, os únicos alimentadores do ataque canarinho.

Com Pierluigi Collina a definir cedo as regras do jogo - providenciais os cartões amarelos mostrados a Roque Júnior e Klose nos primeiros minutos - o espectáculo ganhou embalagem, com poucas faltas e muito tempo de jogo útil. Contra as expectativas, Edmilson e Lúcio eram então sujeitos a horas extraordinárias para evitar que os cruzamentos de Schneider, Bode e Frings chegassem à área.

Ronaldo perde o primeiro «round»

Aos 18 minutos, a primeira ocasião flagrante do jogo marcou a entrada em cena de Ronaldo: discreto até aí, o número 9 do Brasil descobriu-se na cara de Oliver Kahn, após um passe luminoso de Ronaldinho Gaúcho. Nervoso, o fenómeno precipitou-se na finalização, fazendo a bola sair a metro e meio do poste. Três minutos depois, voltou a decepcionar, cortando pela raiz uma empolgante cavalgada de Lúcio, que saiu do seu meio-campo com a bola dominada, passou por todos os que tinha à frente e esperou em vão que o avançado devolvesse a tabelinha.

Aos 29 minutos, finalmente, o público de Yokohama, maioritariamente afecto à causa do escrete, começou a desesperar: Ronaldo sugeria estar a caminho de repetir a maldição em finais, falhando pela terceira vez, ao demorar uma eternidade para dominar mais uma pedra preciosa de Ronaldinho Gaúcho. O remate, de raspão, acabou por morrer na ponta da luva de Kahn, que nessa altura parecia mais indestrutível do que nunca.

Apesar da angústia sobre novo bloqueio do fenómeno, esses lances mudaram o tom ao jogo e permitiram ao Brasil reassumir o controlo das operações, ganhando ascendente psicológico. Nos últimos minutos antes do intervalo, a Alemanha procurou recuperar o controlo e quebrar o ritmo ao jogo, com sucessivos atrasos de bola a Kahn. Mas não evitou que Kléberson (fabuloso remate à trave, aos 44 m) e outra vez Ronaldo (tiro à meia-volta contra as pernas de Kahn) estivessem outra vez muito perto da glória. Quando Collina apitou para o intervalo, o estádio irrompeu em aplausos. Pelo bom espectáculo, e pela sensação de que o Brasil estava perto da glória.

A Alemanha, tão perto do golo

Se há coisa que a História do futebol ensina, é que os alemães não se conformam facilmente. O regresso das cabinas da equipa de Völler foi imperial. Schneider voltava a fazer maravilhas na construção, Neuville, hiperactivo, jogava por dois, compensando o já habitual apagamento do limitado Klose, e o Brasil voltou a tremer.

Mais uma vez, Edmilson e Lúcio tiveram de fazer proezas. E agora, tinham um aliado de peso na figura do guarda-redes Marcos, de uma segurança nunca vista pelos lados da selecção brasileira. Aos 49 minutos, equilibravam-se as contas no saldo de remates à trave - mas foi a fantástica estirada de Marcos a evitar que o potente livre de Neuville, a trinta metros da baliza, fosse direito ao golo.

O erro mais caro da vida de Kahn

Tal como no início, a Alemanha jogava bem e encurralava o Brasil. Por pouco tempo: aos 52 minutos, um cruzamento de Roberto Carlos encontrou a cabeça de Gilberto Silva, Kahn defendeu à queima-roupa, para a frente, e quando evitava a recarga foi pontapeado pelo brasileiro, de forma involuntária, lesionando-se na mão.

Ninguém sabe até que ponto esse lance poderá ter influenciado o que veio a seguir. Após 15 minutos de muito equilíbrio e várias meias-oportunidades, Ronaldo recuperou uma bola a Hamann e tocou para o discretíssimo Rivaldo. O remate do número 10 foi forte, mas não especialmente colocado. E Kahn, o magnífico, cometeu o seu único erro neste Mundial, largando a bola para a frente. Rápido como um comboio-bala japonês, Ronaldo embalou para a recarga, e lançou o jogo para um ponto de onde já não havia retorno. O dique tinha rompido por onde ninguém podia esperar: o melhor guarda-redes do Mundo cometera o erro mais caro da sua vida.

Völler, muito activo no banco, bem animou os seus jogadores para uma carga final. Mas uma coisa é equilibrar o jogo tentando espreitar uma oportunidade, outra, que os alemães nunca tinham enfrentado neste Mundial, ter de recuperar um resultado negativo. A diferença de talentos falou mais alto: o esforço alemão não chegou a desunir a motivada organização brasileira e, com o aumento de espaços no meio-campo defensivo, a mannschaft colocou-se à mercê do golpe da misericórdia.

A sentença chegou com arte

Que chegou a 12 minutos do fim, quando o magnífico Kléberson teve mais uma iniciativa na direita e fez um passe a rasgar a área. A simulação de Rivaldo foi maravilhosa, a conclusão de Ronaldo magistral. A final estava decidida, num golo todo ele feito de técnica, manha e alegria. Tudo o que faltou na maior parte do tempo a este Mundial, mas que a vitória do escrete para a maior audiência planetária de que há memória, veio resgatar a tempo.

Os últimos minutos viram Marcos negar o golo a Bierhoff com uma grande defesa, e permitiram as substituições apoteóticas de Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo. O Brasil, terminando em ritmo de samba, desperdiçava a oportunidade de chegar à goleada - o que seria uma injustiça atendendo ao excelente jogo da Alemanha. Quando Collina, grande árbitro de um grande jogo, oficializou o quinto título mundial dos brasileiros, o estádio de Yokohama explodiu na previsível e merecida festa verde e amarela. Se há filmes bons atraiçoados por um mau final, também há filmes medíocres com final sublime. Este Mundial foi um desses.

Mais Lidas

Patrocinados