Adeptos catalães indignados com jogador A camisola de Figo continua em destaque na loja do Camp Nou, mas só os turistas alimentam o mito do português. As vendas estão a descer e a cotação de Figo no coração dos adeptos do Barcelona está pelas ruas da amargura.
«Figo vai-se arrepender.» A ameaça de Miguel, vendedor ambulante de artigos do Barcelona à porta do Camp Nou, sai em tom crispado. Não é só o adepto do Barça que fala, é também o comerciante, porque toda a confusão em torno da saída de Figo para o Real Madrid já teve um reflexo nítido nas vendas.
«Com o Europeu, as camisolas de Figo passaram a ser definitivamente as que mais se vendiam. Aqui na minha banca era uma média de 15, 20 por dia. Agora, são duas ou três», conta Miguel.
«Os adeptos do Barça estão muito 'cabreados'», continua. A expressão merece ir no castelhano original, porque resume bem o sentimento dos catalães sobre a «deserção» do jogador português.
Quanto à ameaça de Miguel, é baseada na história. «Todos os jogadores que sairam do Barcelona deram-se mal. O Maradona, o Ronaldo», enumera, misturando nas emoções histórias de desfecho bem diferente.
«Sentiremos muito a sua falta, tantos os comerciantes como os aficionados. Era um jogador muito querido, mas acho que se enganou», prossegue Miguel, que já imaginava para Figo um futuro completo na cidade que o adoptou: «Podia terminar a carreira aqui em Barcelona, tornar-se treinador e ficar aqui o resto da vida.»
Barcelona não perdoa a Figo por não ter esperado pelas eleições de amanhã para conversar então com o novo presidente do Barça sobre uma melhoria de ordenado. Ainda Miguel: «Foi má planificação do seu representante. As coisas podiam ser diferentes se tivesse esperado. Joan Gaspart vai ser eleito e negociaria com ele.»
O Real é que não
Figo era amado em Barcelona, na mesma medida em que passou a ser odiado, desde que os adeptos «culé» se convenceram de que vai mesmo embora. «É melhor não falar muito de Figo. É bom que ele não apareça por aqui», dispara Raúl, sócio do Barcelona.
O que os adeptos não perdoam, basicamente, é que Figo tenha assinado pelo grande rival de Madrid. «Se ele fosse para o Manchester, para a Lazio ou o Milan, para ganhar mais dinheiro, nós percebíamos. Agora o Real...», continua Raúl, num lamento.
Só havia uma hipótese de remissão. Era se Figo aparecesse na segunda-feira, na apresentação da equipa. «Se ficar, as pessoas reconciliam-se com ele», admite Miguel.
Camisola em destaque no Camp Nou
Mas no Barcelona já ninguém acredita nessa hipótese, ainda que, oficialmente, Figo continue a ser tratado como jogador do clube. Na loja do Camp Nou, a camisola com o número 7 de Figo continua em destaque, no balcão onde são gravados os nomes e os números, ao gosto de cada um.
Esta tarde, a loja estava cheia. Não houve treino dos jogadores do Barça que já se apresentaram, não se passava nada, mas havia dezenas de autocarros parados no exterior do estádio, longas filas para o museu e uma enorme confusão na loja. O Camp Nou faz parte do roteiro turístico de Barcelona e, ao fim-de-semana, parece sempre que é dia de jogo, mesmo em pleno defeso.
Além do museu e da loja, há um espaço com inúmeras actividades lúdicas, bares e várias mesas de matraquilhos, onde os bonecos equipados à Barcelona travam um confronto eterno com bonecos equipados de branco. Do Real Madrid.
Por estes dias, só os turistas alimentam o «merchandising» dos artigos de Figo. «Não há um catalão que compre uma camisola de Figo», garante Miguel. Alguns turistas continuam a equipar à Figo porque não sabem que o português se vai embora, outros porque não se importam.
David veio de Inglaterra e não hesitou, no balcão dos carimbos, em escolher o que queria gravar na sua camisola: o 7, com o nome de Figo. A mãe de David explica, enquanto o miúdo segura orgulhoso o saco com a camisola: «Soubemos agora que o Figo deve ir embora. Mas o David diz que ele é o melhor jogador, por isso quis levar na mesma a camisola dele.»
