Ignição foi reproduzida com êxito pelo menos três vezes este ano
Cientistas da Califórnia a disparar cerca de 200 lasers contra um cilindro que contém uma cápsula de combustível do tamanho de um grão de pimenta deram mais um passo na busca da energia de fusão que, se for dominada, poderá fornecer ao mundo uma fonte quase ilimitada de energia limpa.
Em 2022, numa manhã de dezembro, os cientistas da Instalação Nacional de Ignição do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia (LLNL), conseguiram, pela primeira vez no mundo, produzir uma reação de fusão nuclear que libertou mais energia do que a que utilizou, num processo chamado "ignição".
Agora, segundo um relatório de dezembro do LLNL, dizem ter conseguido reproduzir com êxito a ignição pelo menos três vezes este ano. Este é mais um passo significativo naquilo que um dia poderá ser uma solução importante para a crise climática global, causada principalmente pela queima de combustíveis fósseis.
Durante décadas, os cientistas tentaram aproveitar a energia de fusão, essencialmente recriando o poder do sol na Terra.
Depois de terem conseguido um ganho histórico de energia líquida no ano passado, o passo seguinte era provar que o processo podia ser reproduzido.
Brian Appelbe, investigador do Centro de Estudos de Fusão Inercial do Imperial College de Londres, afirmou que a capacidade de replicação demonstra a "robustez" do processo, mostrando que este pode ser alcançado mesmo quando as condições, como o laser ou a pastilha de combustível, variam.
Cada experiência também oferece uma oportunidade para estudar a física da ignição em pormenor, explica Appelbe à CNN. "Isso fornece informações valiosas aos cientistas para enfrentar o próximo desafio a ser superado: como maximizar a energia que pode ser obtida".
Ao contrário da fissão nuclear - o processo utilizado atualmente nas centrais nucleares de todo o mundo, que é gerado pela divisão de átomos - a fusão nuclear não deixa qualquer legado de resíduos radioativos de longa duração. À medida que a crise climática se acelera e a urgência de abandonar os combustíveis fósseis que aquecem o planeta aumenta, a perspetiva de uma fonte abundante de energia segura e limpa é tentadora.
A fusão nuclear, a reação que alimenta o Sol e outras estrelas, consiste em esmagar dois ou mais átomos para formar um mais denso, num processo que liberta enormes quantidades de energia.
Existem diferentes formas de criar energia a partir da fusão, mas na NIF os cientistas disparam um conjunto de cerca de 200 lasers sobre uma pastilha de combustível de hidrogénio dentro de uma cápsula de diamante do tamanho de um grão de pimenta, ela própria dentro de um cilindro de ouro. Os lasers aquecem o exterior do cilindro, criando uma série de explosões muito rápidas, que geram grandes quantidades de energia recolhida sob a forma de calor.
A energia produzida em dezembro de 2022 foi pequena - foram necessários cerca de dois megajoules para alimentar a reação, que libertou um total de 3,15 megajoules, o suficiente para ferver cerca de 10 chaleiras de água. Mas foi o suficiente para fazer uma ignição bem sucedida e provar que a fusão a laser podia criar energia.
Desde então, os cientistas fizeram-no várias vezes. No dia 30 de julho, o laser do NIF disparou um pouco mais de dois megajoules sobre o alvo, o que resultou em 3,88 megajoules de energia - o rendimento mais elevado conseguido até à data, de acordo com o relatório. Duas experiências subsequentes em outubro também produziram ganhos líquidos.
"Estes resultados demonstraram a capacidade do NIF para produzir consistentemente energia de fusão a níveis multimegajoule", refere o relatório.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer até que a fusão nuclear atinja a escala necessária para alimentar as redes eléctricas e os sistemas de aquecimento. O objetivo agora é aproveitar os progressos alcançados e descobrir como aumentar drasticamente a escala dos projetos de fusão e reduzir significativamente os custos.
Na cimeira do clima COP28 no Dubai, o enviado dos EUA para o clima, John Kerry, lançou um plano de envolvimento internacional que envolve mais de 30 países com o objetivo de impulsionar a fusão nuclear para ajudar a enfrentar a crise climática.
"A fusão tem potencial para revolucionar o nosso mundo e mudar todas as opções que temos à nossa frente, fornecendo ao mundo energia abundante e limpa sem as emissões nocivas das fontes de energia tradicionais", afirmou Kerry na reunião sobre o clima.
Em dezembro, o Departamento de Energia dos EUA anunciou um investimento de 42 milhões de dólares (cerca de 40 milhões de euros) num programa que reúne várias instituições, incluindo o LLNL, para estabelecer "centros" focados no avanço da fusão.
"O aproveitamento da energia de fusão é um dos maiores desafios científicos e tecnológicos do século XXI", afirmou a secretária da Energia dos EUA, Jennifer Granholm, numa declaração. "Temos agora a confiança de que não só é possível, como provável, que a energia de fusão possa ser uma realidade."