Este fotógrafo senta presidentes e manifestantes na mesma caixa de madeira. E fez um retrato que deixou Putin enfurecido

CNN , Caitlin Chatterton
10 jun, 12:00
Platon

Platon é conhecido pelos seus retratos de presidentes e estrelas de Hollywood, de dissidentes políticos, de sobreviventes de abusos e imigrantes

Vladimir Putin, Muammar Gaddafi, Mark Zuckerberg. Presidentes e estrelas de Hollywood, dissidentes políticos, sobreviventes de abusos e imigrantes. Há uma coisa em comum a todos: uma caixa branca de madeira, ligeiramente gasta.

“Houve mais líderes mundiais a sentar-se nesta caixa do que em qualquer outra cadeira da história”, conta o fotógrafo Platon, o dono dessa mesma caixa, numa entrevista com a CNN, feita através da plataforma Zoom. Para a maioria dos líderes mundiais, a simplicidade do cenário de Platon - ficando sentados na caixa, em frente a uma folha de papel de cor branca ou preta - pode ser intimidante, despindo-os da sua habitual grandiosidade. Para outros, pode ser libertador, permitindo que o seu lado humano brilhe através do olhar deste contador de histórias profissional. Para aqueles que foram retratados para o novo livro de Platon, “The Defenders” [Os Defensores, em tradução livre], essa caixa tornou-se uma oportunidade.

“Há uma frase que é muito utilizada entre os ativistas dos direitos humanos”, lembra Platon. “‘Dar voz àqueles que não a têm’. Tenho aprendido, através das minhas experiências, que não é algo correto de se dizer. Eles têm vozes belas, poderosas, fortes; o problema é que essas vozes têm sido ignoradas”. Através do seu trabalho, Platon explica que a sua missão é ajudar a amplificar as histórias das pessoas, sintonizando a sua humanidade como se fosse um “rádio antigo”.

Tirar a cadeira ao poder

Nascido na Grécia em 1968, Platon Antoniou mudou-se para o Reino Unido aos oito anos. Formou-se em fotografia no Royal College of Art, antes de abandonar Londres, em busca de uma carreira em Nova Iorque. Aí, trabalhou na revista George com John Kennedy Jr. e ainda como fotógrafo na revista New Yorker.

Barack Obama fotografado em 2006 antes de se candidatar à presidência dos EUA. Para alguns líderes mundiais, a simplicidade e o minimalismo do cenário de Platon podem ser libertadores (Platon)

“The Defenders” segue uma abordagem diferente face ao trabalho prévio de Platon. Enquanto jovem fotógrafo, confessou que ficou deslumbrado pelo mundo de político e de celebridades com que trabalhava, passeando-se pelos corredores do Kremlin ou de Downing Stress e “conversando sobre a vida” no jardim de George Clooney. Ao mudar a sua lente para os que não têm poder, acabou por mudar completamente as suas ideias sobre esse mesmo poder.

“Depois de ter fotografado todos esses líderes mundiais, apercebo-me muitas vezes que as pessoas que conheço nos movimentos de defesa dos direitos humanos são verdadeiros líderes”, diz. “Transformam as adversidades em compaixão. É algo que vejo muito raramente, a esse nível, na esfera política. Por isso é que os chamei - e ao livro - de “defensores”, porque é um título de super-herói. Estas pessoas comuns que conseguem fazer coisas extraordinárias. Penso nelas como super-heróis. Mudar a narrativa é algo muito importante para mim”.

Platon fotografou Esther Faraja com o filho Josue no Hospital Dr. Mukwege's Panzi no Congo (Platon)

Entre os “defensores” estão dissidentes da Birmânia e do Egito; as integrantes da banda punk russa Pussy Riot, que foram presas; e sobreviventes de violência sexual no Hospital Dr. Denis Mukwege’s Panzi no Congo. Uma das raparigas que Platon fotografou no último local foi Esther Faraja. A rapariga apareceu num episódio da série da Netflix “Abstract: The Art of Design” que procurava traçar o perfil de Platon. O fotógrafo diz que os contornos do trauma vivido por Esther Faraja eram “demasiado duros” para serem colocados no ecrã.

“Enquanto a fotografava, não chorava”, lembra. “Sou um homem branco, de meia idade, privilegiado. E consigo ser uma grande bagunça. Disse-lhe ‘porque é que estou a chorar e tu não, se foste tu quem sofreu?’. E ela respondeu: ‘não choro na tua fotografia porque não quero fazer com que te sintas triste. Não quero que ninguém se sinta triste ao olhar para o meu retrato. Os meus pais trouxeram-me a este mundo para eu trazer alegria ao mundo. E eu vou manter a minha promessa’”. Platon mostra-se tão impressionado agora como quando estava em frente à rapariga. “Isso é que é um líder”, diz. “Prometi-lhe que entregaria a sua mensagem de força e compaixão ao maior número de pessoas que conseguisse”.

Vladimir Putin terá, numa fase inicial, gostado do seu retrato feito por Platon. Contudo, o fotógrafo conta que a opinião do presidente russo sobre ele tem mudado ao longo dos anos (Platon)

“The Defenders” é uma tentativa para contar dezenas de histórias como a de Esther Faraja, todas capturadas num milésimo de segundo. “O conceito de tempo é muito interessante: ele nunca chega a existir”, reflete Platon. “Tenta-se congelar um momento que nos ajude a compreender o passado e que ainda seja relevante no futuro. Contudo, foi um momento no presente. E foi um fragmento tão mínimo do momento que, se tivesse piscado os olhos, nem o teria visto”.

Há dois gigantes políticos que servem como exemplo ideal para essa bizarra passagem do tempo. Vladimir Putin, fotografado por Platon como Pessoa do Ano da revista Time em 2007, começou por gostar da imagem que o fotógrafo produziu. Parece poderoso nela. Após a publicação, contudo, a mesma imagem tem sido apropriada, editada e posta em circulação por dissidentes políticos para gozar com Putin e menosprezar o seu poder.

“Ouvi que, nos últimos dois anos, quem fosse apanhado a divulgar a minha fotografia, associando-a a causas de defesa dos direitos humanos, ia para a cadeia”, conta Platon. “Mas é a mesma imagem. E Putin gosta dela”.

"Olhamos agora para a fotografia de Clinton com uma perspetiva diferente", diz Platon sobre a sua fotografia, tirada em 2000 (Platon)

A fotografia de Bill Clinton, cedida por Platon para a capa da revista Esquire de dezembro de 2000, também mudou com o avançar do tempo. “Na altura, a fotografia representava grandes doses de carisma”, recorda Platon. “Ele tinha imenso jeito para as pessoas. Todos diziam que não havia ninguém mais carismático do que Bill Clinton. Agora olharmos para a fotografia com uma perspetiva diferente, embora seja a mesma imagem. Quando acerto, a mesma imagem funciona para todos”.

Não funciona, contudo, para Hillary Clinton. “Recusa-se a posar para mim”, refere Platon. “Ela é um dos poucos políticos que disse que não. E é interessante. O ‘não’ agora é tão interessante como o ‘sim’”.

Platon fotografou a política birmanesa e ativista Aung San Suu Kyi em 2010, pouco depois de ter sido libertada de quase 15 anos de prisão domiciliária (Platon)

Grande responsabilidade

Captar histórias humanas complicadas e emotivas num momento fugaz é um desafio para toda a fotografia, incluindo a de líderes mundiais. Contudo, foi particularmente difícil quando se tratou dos temas sensíveis abordados no livro “The Defenders”. “Muitas das pessoas fotografadas arriscam a sua segurança e a sua vida ao contarem estas histórias, diz Platon. “Não posso ser imprudente. Não posso – nem devo – ser um caçador de emoções”.

Seguir todas as regras e lidar com assuntos delicados é algo que, admite Platão, é um luxo no que respeita ao tempo. É capaz de passar meses num projeto, produzindo as imagens mais ponderadas e provocantes que consegue. No entanto, e cada vez mais, as fotografias que inundam as redes sociais são tiradas á pressa, capturadas em telefones e partilhadas sem um minuto para respirar. Em “The Defenders”, Platon lembra a política birmanesa Aung San Suu Kyi, que ficou perplexa com o mar de “smartphones” apontados para si quando saiu da sua prisão domiciliária.

Anastasia Smirnova é porta-voz de organizações que documentam os abusos da Rússia contra a comunidade LGBTQIA+, defendendo uma vida digna para todas as orientações sexuais e géneros (Platon)

“Agora todos são fotógrafos, todos são cineastas”, observa Platon. “É fantástico, de muitas maneiras. As pessoas estão a exercer o poder de prestação de contas de uma nova forma. O perigo é que, havendo tanta informação, ficamos constantemente distraídos. É muito difícil conseguir aqueles momentos de pausa e reflexão, para vermos a situação de longe e pensarmos por nós mesmos. Enquanto o fazemos, o nosso telefone toca e apita. É um ruído constante”.

Ao recuar, Platon conseguiu unir os pontos entre os diferentes movimentos que documentava. O fotógrafo percebeu que não eram lutas isoladas, mas antes interligadas. “É óbvio que cada situação geopolítica é, por inerência, diferente, mas todas lutam por princípios humanos muito básicos”, explica. “Fotografei ativistas da comunidade LGBTQIA+ na Birmânia e na Rússia. São dois países muito, muito diferentes. Mas a causa é a mesma”.

Ao capturar e ao dar voz a estas histórias, Platon espera inspirar e contribuir para a formação de outras pessoas, tal como ele foi inspirado e aprendeu com elas.

Platon fotografou membros da comunidade LGBTQIA+ da Birmânia, território também conhecido como Myanmar, que vivem exilados. Mantém a sua luta contra a legislação que criminaliza a homossexualidade. O líder deste movimento é Aung Myo Min, à direita na fotografia (Platon)

“É mesmo um livro para fazer a nova geração dizer: é tempo de levantarmos as mangas e envolvermo-nos. A sociedade precisa de uma nova geração de ativistas, com formas diferentes de pensar. Terão de percorrer um caminho diferente. Contudo, os princípios pelos quais vão lutar são os mesmos e intemporais. São os princípios que nos unem a todos. A forma como lutamos, as ferramentas que usamos, as estratégias precisam de ser mudadas, porque os tempos também mudaram. Mas os princípios são os mesmos”.

“The Defenders” foi publicado pela MW Editions.

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