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O problema é que já ninguém acredita, sr. ministro

30 dez 2022, 08:45
António Costa e Fernando Medina (Lusa/Tiago Petinga)

É muito difícil ‒ mesmo muito difícil ‒ acreditar que Fernando Medina não sabia de nada sobre os valores da saída de Alexandra Reis

Como dono de um botão que liga e desliga a consciência nacional, o Partido Socialista proclamou que o caso da indemnização de meio milhão de euros a uma secretária de Estado terminou com a demissão da própria e de Pedro Nuno Santos. O sr. Presidente da República rumou ao Brasil e o sr. primeiro-ministro a convites para uma ‒ mais uma ‒ remodelação.

Ora, não é assim. Não pode ser assim.

Na espera pelo relatório da Inspeção-Geral das Finanças e pela resposta da CMVM às contradições da administração da TAP, há factos que se tornaram impossíveis de ignorar. A favor ou contra moções de censura, demissões ou dissoluções, há mentiras cuja perna curta já tropeçou, caiu e partiu. O governo, mais do que coxo, arrasta-se ao fim de nove meses.

Mesmo que a indemnização não viole a lei, o seu pagamento também não se encontra consagrado na lei, isto é, mesmo que os 500 mil euros que Alexandra Reis recebeu para sair da TAP não sejam ilegais, não havia nenhuma obrigação legal da empresa em pagar-lhos. Na ausência de uma “demissão”, e nenhuma das partes alguma vez o clamou, a dita “indemnização” é mais prémio do que qualquer outra coisa. Prémios não derivam de normas laborais, mas de conselhos de administração. E no da TAP manda o governo.

A saída de Pedro Nuno, um dos ministros com a tutela da companhia aérea, não aliviou a pressão sobre o governo; concentrou-a no outro governante responsável e há razões para isso.

É muito difícil ‒ mesmo muito difícil ‒ acreditar que Fernando Medina não sabia de nada sobre os valores da saída de Alexandra Reis. Pela sua ligação familiar ao gabinete jurídico da TAP, pelo seu secretário de Estado das Finanças ser exatamente o mesmo que o do seu antecessor, pela resposta de “fonte oficial” do governo a uma notícia sobre a “indemnização milionária” em maio deste ano, pelo seu convite à ex-administradora da TAP para a sua equipa nas Finanças, tudo leva a crer que o ministro não está a ser verdadeiro quando diz essas duas comprometedoras palavrinhas: “Não sabia”.

Vamos ser sérios. Segundo a página do governo na Internet, que é pública, João Nuno Mendes é o secretário de Estado que “desde maio de 2020, liderou as negociações de ajuda do Estado ao grupo TAP”. Esteve nas Finanças com João Leão e manteve-se com Medina desde a sua entrada no governo, este ano. Está, por exemplo, na fotografia em que Marcelo Rebelo de Sousa deu posse a Alexandra Reis, há um mês, sorrindo e apertando mãos.

Querem mesmo ‒ mesmo ‒ dizer-me que o senhor não sabia de nada e tão-pouco se lembrou de o dizer ao seu ministro? Que meio milhão de euros passou diante dos guardiões do erário público sem que dessem por isso? A sério? Querem mesmo ‒ mesmo ‒ dizer-me que quando João Leão nega que ele e Miguel Cruz soubessem da indemnização, não está a deixar um dos seus secretários de Estado, por acaso ainda em funções, de fora dos “surpreendidos”? Querem mesmo ‒ mesmo ‒ dizer-me que o governo respondeu oficialmente a um jornal sobre a indemnização milionária da TAP e que nenhum destes senhores leu o clipping sobre uma empresa que tutelam? Não há assessores, WhatsApp ou, eventualmente, noção? Querem mesmo ‒ mesmo ‒ tentar passar o país por parvo, à conta de interregnos eleitorais, licenças de maternidade e afins, como se fossemos todos estúpidos?

E o sr. Presidente da República quer mesmo ‒ mesmo ‒ secundar isto? Emprestar a sua autoridade a uma mentira tão descarada? Palavra?

Muito bem.

O problema é que já ninguém acredita.

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