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Comentadora CNN

O Zé Gotinha adiou a cimeira da extrema-direita em Portugal

4 mai 2023, 17:35

Não foi dessa vez que Lisboa será palco daqueles que insistem em atrasar os relógios da história em algumas décadas ou séculos com lemas fascistas, misoginia e leis anti-imigração

A política portuguesa é divertida e anda bem animada ultimamente, mas, me desculpem: a política brasileira ganha quanto o assunto é plot twist. Que Jair Bolsonaro teria problemas com a justiça e talvez não pudesse deixar o Brasil não era difícil de prever. O que eu não previa é que ele estaria com tanta moral entre os parceiros do Chega, que adiaram a “I Cimeira Mundial da Direita”, porque o amigo sul-americano está com complicações judiciais.

É um grande prejuízo para a imagem do partido, que estava empenhado tornar Lisboa “a capital mundial da direita” nos dias 13 e 14 de maio. Sem uma confirmação de Trump, Bolsonaro era a melhor aposta para atrair público e criar aqueles vídeos repletos de fake news que alimentam as teorias da conspiração.

Porém, não foi dessa vez que Lisboa será palco daqueles que insistem em atrasar os relógios da história em algumas décadas ou séculos com lemas fascistas, misoginia e leis anti-imigração. 

Mas não vamos nos enganar. O adiamento também é calculado. Basta ver a justificativa utilizada pelo líder do partido, André Ventura. No vídeo do anúncio, o deputado usa a palavra “perseguição”, algo que não é verdade. Bolsonaro não está sendo perseguido. O ex-presidente brasileiro é um cidadão investigado por uma série de crimes e não está acima da lei, ainda mais agora que foi derrotado nas urnas e não possui foro privilegiado.

Dizer que a investigação “revela o espírito de agressividade, condicionamento e ameaça que reina em alguns países” não condiz com a realidade do Brasil hoje. Fazia mais sentido antes de 31 de dezembro do ano passado, quando o país governado por Bolsonaro tinha aparelhamento das instituições estatais, recebimento de presentes milionários ilegais de ditadores, negacionismo, xingamentos e agressões contra jornalistas, espionagem de cidadãos e falta de civilidade na política, apenas para ser breve.

Ventura foi ainda mais longe, sugerindo que a operação teria sido calculada para evitar a participação no evento. Ora, a Justiça brasileira possui problemas bem mais graves do que calcular datas de investigação para evitar a participação em um evento que só tem importância para comunga com ideias retrógradas. Hoje mesmo a Polícia Federal cumpre apreensão de armas de pessoas que não cumprem requisitos para tê-las.

Portanto, o que ocorre no Brasil é o cumprimento da lei e o andamento de uma das muitas investigações em que Bolsonaro é a figura central. A das vacinas é apenas uma. Quem poderia imaginar que o Zé Gotinha, símbolo do nosso renomado programa de vacinação seria o pivô do desenrolar dessa história, que acaba com consequências do outro lado do oceano? 

Ao meu ver, o adiamento da cimeira é o de menos. Essa história, que ainda terá longos capítulos, deve servir para relembrar algo muito mais importante e que jamais deve ser esquecido: que o negacionismo levou à morte de tantos brasileiros e brasileiras. Que o negacionismo e incompetência deixaram pacientes morrer sem oxigênio nos hospitais.

Enquanto o cenário de horror acontecia e os cientistas corriam contra o tempo para criar uma vacina segura, o ex-presidente imitava pessoas sem ar ao vivo nas lives. Andava de moto sem capacete em aglomerações no meio da pandemia. Fazia propaganda de remédio (até mesmo para Emas) sem comprovação científica e dizia que a vacina transformava pessoas em jacaré. Também destilava a habitual homofobia em mentir que o imunizante causava AIDS. 

É essa a figura que o partido que tanto almeja governar Portugal queria trazer como grande celebridade? Bom, faz sentido, a julgar pelos anfitriões e seus “valores”. Mas, é melhor “já ir” procurando outra pessoa, porque esse Jair, que se julga Messias, deve ficar enroscado com a justiça por bastante tempo.

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

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