opinião
Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança

Corrida contra o tempo?

24 jun 2023, 13:00

O papel de Portugal no âmbito da interdição ou não de tecnologias chinesas consideradas suspeitas por parte dos Estados Unidos é, de facto, irrelevante. Como país que tem os mais variados pactos assinados com múltiplas nações, entre elas a China, a nossa opinião pouco importa quando num dos lados da balança está o país que nos garante parte da segurança militar. Não podemos ser ingénuos neste raciocínio; os Estados Unidos são de facto o nosso principal parceiro militar e detentor da maior parte das patentes de tecnologia de ponta a nível mundial e deles dependemos para muita coisa. Na nossa relação cabe também muita coisa, entre informação secreta até ao apoio direto às suas operações militares e comerciais. Por muito que se queira esconder, se de facto aparecerem sanções sérias aos serviços e soluções dos seus rivais, pouco poderá Portugal fazer sem perder efetivamente imenso, correndo o risco de se tornar uma ilha isolada na Europa. 

Recentemente numa visita que fiz à CNN, Pedro Bello Moraes fez uma observação a um meu comentário sobre a Huawei e o seu 5G. “Uma boa parte das decisões tomadas são efetivamente geopolíticas” - e está coberto de razão. Não há efetivamente nada que possamos fazer logicamente para não acatar a decisão norte-americana, a perda a montante seria onerosa para Portugal pois, como disse antes, muito depende da relação que os Estados Unidos têm connosco e que nos permitem coisas maravilhosas, como por exemplo eu estar a usar este PC para escrever. A China rapidamente respondeu com pressões e propostas judiciais e, na verdade, o ocidente anda a uma voz e nós a duas, a China também não fez muita pressão na decisão pois sabe que em cima da mesa está muito mais que o 5G, e é aqui que eu queria chegar.

A par das sucessivas decisões de condicionar a tecnologia chinesa, há uma que corre de facto um risco iminente, o TikTok, que vive neste momento uma corrida contra o tempo para se estabelecer na Europa como uma rede social cumpridora, no sentido de combater a ideia que está a passar informação para as autoridades chinesas. Se isto de passar informação é verdade ou não, não o sei dizer e creio que também ninguém o poderá fazer, mas é um facto que as autoridades norte-americanas assim o afirmam e que iniciaram um cerco em larga escala. Olhando para o futuro desta rede social, não estou 100% seguro do seu futuro europeu e se o houver será porque muitos astros se alinharam e nesse campo há já movimentações.

Recentemente fui contactado pela Llorente y Cuenca que me convidou para uma reunião com a responsável para a Península Ibérica do TikTok, reunião que aceitei, para me apresentarem as medidas de segurança informática e de proteção de dados e pessoas da rede social. Nessa reunião fiquei a conhecer como se preocupa o TikTok com a segurança e com a proteção de dados e ainda mais, as medidas que estão em curso para que haja uma centralização mais sólida dos dados dos cidadão e residentes europeus. Ao dia de hoje, esta rede social informa que não partilha dados para fora da Europa, isto é, trabalham-nos aqui para seu benefício. Não sejamos ingénuos, esta rede social não difere nos seus objetivos das demais, o principal foco é económico e para garantir que assim continuarão a fazer na Europa, deram passos significativos. 

A começar, e já no seguimento do que fazem nos Estados Unidos, há políticas efetivas para garantir segurança informática end2end (ponto a ponto) em toda a sua estrutura digital, seja ela física ou virtual. Calma, não é porque investem e porque neste momento não há problemas, que podemos nós e certamente eles dizer que são 100% seguros. Caldos e cautelas tomam-nos quem os quer. Eu, neste ponto, sou imensamente cauteloso e pelo que me parece também esta rede; andam diariamente numa senda intensa à procura de vulnerabilidades novas dentro do seu ecossistema. Ainda assim, a procura por conformidade europeia não está certamente terminada para o TikTok pois está a investir imenso na criação de mais dois Datacenters na Europa, mais concretamente na Irlanda e na Noruega. Aqui atirei uma provocação pequena, mas que faz um sentido colossal: porque não em Sines? Já que estão a criar novos porque não um em Portugal onde a mão de obra qualificada é, na minha opinião, melhor que a irlandesa, aliás, à quantidade de alunos meus que emigraram para lá e outros tantos de tantos países que lá trabalham não posso estar mais certo! No caso do Datacenter da Noruega, não questiono por razões ecológicas e de temperatura climática que ajuda na refrigeração, logo na pegada ecológica, mas na Irlanda? Claro que a resposta é um sorriso cordial e uma constatação que somos de facto uma super incubadora de engenheiros, mas não passamos disso no mundo dos negócios. Reparem que acima escrevi que o objetivo é “negócio” e apesar dos apesares, de a mão de obra ser mais cara lá que cá, ter negócios na Irlanda é muito mais vantajoso que os ter em Portugal. Aqui o caro leitor sabe certamente melhor que eu que o que move qualquer rede social é o valor económico que gera e não outro qualquer valor moral. Para o TikTok, apesar dos valores morais exististes, na minha opinião, e para qualquer outra rede social, ir para a Irlanda não se prende com facto de estarem lá outros colossos da tecnologia ou porque são mais avançados. Não o são e dizer o contrário é demagogia. Posto este meu desabafo lusitano, perguntei porque é tão rápido o TikTok a bloquear uma música com direitos de autor, literalmente minutos, e para detetar nudez ou conteúdo menos próprio demora muito mais? A razão prende-se, na minha opinião, com o custo e o medo do impacto financeiro dos direitos de autor que são primários a tudo. Aqui eles investem imenso e possuem algoritmos de inteligência artificial que são exímios no que fazem e estão também a desenvolver melhorias para as situações que referi acima, nomeadamente o conteúdo para adulto disfarçado de publicações ingénuas, do conteúdo de ódio que possa aparecer, entre outros pontos desagradáveis. Estou certo de que em breve as fragilidades do TikTok no que concerne aos pontos menos positivos vão melhorar; quanto mais não seja se a alguma autoridade europeia os coimar de uma forma igual ou pior a uma violação séria de direitos de autor. Numa outra preocupação da comunidade geral que usa o TikTok haverá novidades em breve. Estou a falar do sistema que controla o acesso de menores à rede para abertura de conta e que necessita de robustez. Este vosso humilde colunista fez uma sugestão; controlar o processo de abertura de conta de forma similar ao Tinder que possui um mecanismo e algoritmo de verificação da cara via fotografia e na dúvida, é enviado o processo para um moderador humano.

Entre os vários pontos abordados, destaco alguns importantes como estarem disponíveis para uma auditoria de segurança por parte dos decisores europeus, e.g., pela mão da Enisa; uma equipa externa que garantirá o compliance com o RGPD; mensagens pessoais encriptadas, estreita ligação com as autoridades de justiça; reforço dos moderadores humanos que policiam ativamente a rede; medidas de alerta para situações emergentes e que possam atentar aos direitos e liberdades individuais; respeito escrupuloso pela leis locais e europeias no que respeita à segurança informática e proteção de dados; uma equipa dedicada, motivada e totalmente europeia; e a notória missão de terem uma filosofia regional, isto é, na Europa o TikTok é europeu e nas outras regiões é igualmente dessas regiões. Esta filosofia cria uma ligação maior entre os povos e as culturas e é disso que vive o TikTok, das pessoas e das gentes locais.

Por mais agradável que tenha sido esta conversa, a realidade é que o TikTok está numa corrida contra o tempo e numa missão muito importante: manter portas abertas na Europa. 

Com a pressão que se vive dos parceiros ocidentais referente à tecnologia chinesa que alegadamente acede ao que não deve, nem o facto de alegarem que a empresa não está sob o domínio do Estado, mas sim na mão de um cidadão chinês que está fora do país e até tem a sede na Ásia, mas fora da China, lhes dá uma carta branca para circular sem risco. Para os países ocidentais que estão alinhados com os Estados Unidos, um banimento de qualquer solução ou serviço será certamente acatado pois como disse há pouco, no outro prato da balança está algo mais pesado e importante para as nações envolvidas. Ao TikTok restará fazer o seu trabalho de casa e continuar a criar raízes locais pois essas, se forem necessárias arrancar, criarão ruído que nenhum político quer, em especial em vésperas de eleições europeias.

Aqui chegados, de facto questões geopolíticas decidem o futuro de muita coisa e esperemos que não seja o caso desta rede social, exceto se provas cabais e não indiciárias aparecerem relativamente às suspeitas existentes sobre a partilha de informação. As pessoas dos 8 aos 80 gostam da forma como o TikTok funciona e gostam certamente dos momentos que lá partilham – esperemos que o futuro deste ecossistema se foque também de forma igualitária no interesse em fazer negócio relativamente à nossa segurança quando por lá andamos.

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