«Saí do Estrela porque não me identificava com as políticas do clube»

18 dez 2021, 12:18
Vítor São Bento

Entrevista a Vítor São Bento, guarda-redes de 29 anos que rescindiu com o clube da Reboleira em setembro. Em Lisboa partilhou vários momentos com o amigo Paulinho, que conhece desde os seis anos e que no Sporting, diz, tem de dar «o corpo às balas».

Regressou a Portugal depois de uma aventura no estrangeiro marcada pela burocracia fora das quatro linhas. Os problemas para lá do foro desportivo, de facto, têm sido uma constante e a barreira a um percurso com mais minutos à frente das redes das balizas.

Após três meses na Amadora, onde procurava recuperar o estatuto que outrora teve na II Liga, Vítor São Bento rescindiu por não concordar com a direção. Mas de Lisboa não traz apenas más recordações. Reencontrou-se com o amigo de infância Paulinho, avançado do Sporting com quem jogou no Santa Maria, um clube que, nas últimas semanas, o tem ajudado a manter a forma.

Com passagens por Farense, Sp. Covilhã e Nacional, o guardião de 29 anos espreita uma colocação no mercado. E o dia 1 de janeiro está já ao virar da esquina.

Qual é a sua rotina neste momento?

Tento assimilar uma rotina de treino. Acordo de manhã, por volta das 8h00, tomo o pequeno almoço e depois ou treino de manhã – trabalho de ginásio ou campo -, ou faço um pequeno trabalho de flexibilidade de manhã e à tarde treino. Faço isto todos os dias.

E é o Vítor quem planeia toda essa rotina?

Tenho uma pessoa que me acompanha, um ‘personal trainer’ a longa distância. Tenho um plano com ele, falamos todos os dias e treino, pelo menos, uma hora e meia diariamente.

Como é que surgiu a possibilidade de treinar no Santa Maria?

O presidente é cinco estrelas e quando soube que fiquei sem clube disse-me logo que tinha o campo disponível para treinar quando quisesse. Também tenho uns conhecidos em Galegos [de Santa Maria] e até treinei com o Hugo Vieira e o Fábio Pimenta, durante uns dias, há umas semanas. O Hugo veio da Roménia, por causa da paragem do campeonato para as seleções, e treinámos juntos.

Como fazem os treinos? Juntam-se com o plantel?

Não. Fazemos de manhã, o campo está livre. Temos um ‘personal trainer’, um treinador de guarda-redes, tudo gente amiga e assim não perdemos o contacto com a bola, com a relva e com a baliza.

Já o tinha feito antes, por exemplo, nas pré-épocas para ganhar ritmo, ou esta foi a primeira vez?

No Santa Maria foi a primeira vez. Na pré-época preparo-me sempre, mais ao nível do ginásio.

Qual a ligação que ainda mantém com o clube?

A ligação é forte, quase umbilical.

Falava do Hugo Vieira, agora também está a aparecer o Paulinho e, consequentemente, fala-se muito do Santa Maria. O que é que o clube tem de diferente?

Acho que é um clube de tradição em Barcelos. É um clube que gosta de ganhar e de formar. «Formar para vencer» é o lema. Ainda no domingo fui ver o Santa Maria com o meu pai. Podia estar em casa a ver um jogo de Premier League, mas preferi ir ver esse jogo, pelo ambiente.

Mas como é que um clube pequeno consegue formar estes jogadores?

Não é fruto do acaso. Foi um clube que nos deu tudo. Estive lá até aos 16 anos, deram-me liberdade para praticar bom futebol, para aprender, claro, e depois na hora certa deixou-nos voar.

Ainda coincidiu com o Paulinho.

Coincidi com ele. Desde os 6 anos até aos 16.

Mas ele não jogava a avançado.

Não, o Paulinho jogava a médio, médio ofensivo. Quando era júnior, ele já jogava pelos seniores a extremo. No Trofense também, e depois o Nandinho [treinador do Gil Vicente em 2015/16] começou a colocá-lo a ponta de lança.

Daí não ser um jogador de forte relação com o golo e mais de construção?

Sim, ele é um jogador de equipa. No Sp. Braga destacava-se mais ofensivamente porque jogavam dois na frente e ele assim não precisava de segurar a bola, fazer tabelas, aparecer em certos espaços. Agora, no Sporting, não se destaca tanto porque tem de ‘dar o corpo às balas’, ou seja, segurar o jogo para depois os extremos ou alas aparecerem nas costas.

Como é que ele tem lidado com as críticas?

Acho que ele tem uma capacidade mental muito forte e está a provar isso. Aguentou muito e agora já está a explodir.

Estiveram juntos nestes três meses que o Vítor passou em Lisboa?

Sim, sim. Deixámos de jogar juntos aos 16, depois andei aí por fora e nunca mais tivemos aquele contacto diário. Em Lisboa, aproveitámos para reviver os velhos tempos, tivemos muito contacto.

O que é que correu mal para, ao fim de cinco jogos, vir embora do Estrela da Amadora?

Fui para lá com uma certa expetativa, porque passei dois anos fora e é sempre complicado estar fora do país. Olhei para o clube com expetativas de jogar, fazer uma época inteira na II Liga. Começou logo a correr mal. Parti duas costelas na pré-época, o que também me desmotivou, perdi um mês de pré-época, na qual me queria preparar fisicamente para o que aí vinha. Depois, comecei a recuperar e a jogar, as coisas estavam a correr bem. No primeiro jogo fui o melhor em campo, no segundo também fiz um bom jogo e ganhámos. A partir daí tivemos covid-19 na equipa e ficámos 15 dias parados, as coisas descarrilaram. Também não me estava a identificar com certas políticas do clube e, ao fim de mais três jogos, decidi rescindir o meu contrato.

Foi uma situação parecida com os outros três atletas (Mamadu Candé, Gonçalo Maria e Horácio Jau)?

São políticas do clube, cada um tem as suas atitudes. Eu respondo por mim, para não estar a denegrir a minha imagem e afetar a minha carreira decidi vir-me embora.

O líder da SAD, André Geraldes, teve alguma influência nessa decisão?

Eu saí por minha decisão, ele tem as suas atitudes, a sua imagem. Há coisas com as quais me identifico no futebol, mas outras não. Para não criar conflitos, vim embora, estou tranquilo em casa e agora vou preparar-me para o próximo desafio da melhor maneira.

Esteve dois anos fora, voltou para se estabelecer no seu país e, no espaço de três meses, voltou a perder estabilidade. Como lidou com isto emocionalmente?

É muito complicado, a vida de um jogador é sempre em constante mudança. Para nos adaptarmos a uma cidade demorámos sempre algum tempo, alguns mais rápido do que outros, mas vir para Barcelos ajudou-me, ficar estes meses perto da minha família, com quem já não estava há muito tempo e assentar as ideias. Mas, claro, foi uma fase complicada.

Teve muita regularidade no Farense e Sp. Covilhã. Foram as melhores fases na carreira?

Sim, sem dúvida. Foram as fases mais felizes. Quando jogas sempre e as coisas correm bem... São dois momentos distintos. No Farense, foi a minha aparição no futebol profissional, era jovem, estava com ‘ganas’ de ir por aí fora e foi lá que descobri que podia chegar mais longe. As coisas correram bem, não desportivamente porque no último ano descemos de divisão, mas por motivos extra futebol. Mas o Farense foi o meu primeiro amor no futebol profissional. O Sp. Covilhã é um clube muito acolhedor. Antes, ainda estive no Nacional um ano, as coisas não correram bem.

Não era fácil jogar com aquela concorrência na baliza?

Não, o Rui Silva é o que todos sabemos, internacional, estava no clube desde os juniores, tinha uma carreira contínua lá. Eu fui para o Nacional para, quando ele saísse, tentar fazer o mesmo percurso. Mas quando as coisas correm mal desportivamente, os presidentes querem mudar e eu tinha um contrato de quatro anos e rescindi. Depois fui para a Covilhã e senti-me muito acolhido. Gosto muito da cidade, ajudou-me a ganhar ânimo e a jogar continuamente.

Depois foi para a Grécia. Porque é que decidiu aventurar-se no estrangeiro?

Primeiro, porque gosto de desafios. Depois, tinha aquele ‘bichinho’ de jogar fora de Portugal. Surgiu a oportunidade de jogar na I Liga da Grécia e disse: «Porque não?».

Mas descem na segunda época.

Sim, também por problemas extra futebol. Perdemos 12 pontos na Liga devido a associações do clube ao PAOK e acabámos por descer.

Por que é que os jogadores portugueses procuram tanto o mercado grego?

Financeiramente é como aqui, um jogador estrangeiro ganha mais. É um futebol atrativo, com boas equipas, um espetáculo com muitos adeptos nas bancadas, vivem aquilo muito intensamente. O Fernando Santos deixou lá uma boa imagem, estruturou muito o futebol da seleção grega e abriu portas. Nós, portugueses, lá somos jogadores fiáveis.

Como é que compara o campeonato grego ao português?

Tens cinco equipas grandes. O Olympiakos, PAOK, Panathinaikos, Aris e AEK. A única diferença é o desnível entre os grandes e os outros. Aqui, em Portugal, o Tondela vai ao Dragão e até pode tentar jogar para ganhar. Na Grécia ainda existe a ideia de jogar para não perder. Os treinadores gregos também não estão muito desenvolvidos, não há uma escola de novos treinadores, são mais à moda antiga.

Teve muitas dificuldades na adaptação?

Foi fácil, o treinador era espanhol e o adjunto português. Tinha um núcleo com espanhóis, uruguaios, brasileiros. Joguei com o Barrientos, que esteve no V. Guimarães, o Fábio Sturgeon também foi para lá e criámos uma grande amizade.

Fez 18 jogos nas duas épocas na Grécia. Também não conseguiu agarrar a baliza?

Na primeira época, já sabia mais ao menos que seria suplente. O treinador era espanhol, tal como o guarda-redes. Na segunda época, foi mau no início. O clube mudou de dono e só dois jogadores ficaram de uma temporada para a outra. A organização do campeonato é um pouco complicada. Devido à pandemia, as regras mudaram, ou seja, normalmente o último classificado desce diretamente e o penúltimo joga play-off. Mas como a II Liga não retomou, decidiram que só descia o último e o penúltimo continuava na I Liga. E nós ficámos em penúltimo, festejámos a manutenção, fizemos as contas todas e viemos embora. Estava em Portugal há uns dias e liga-me o diretor desportivo a dizer-me que ia haver play-off, mudaram tudo à última hora. Como o dono [do clube] tinha mudado, quase todos os jogadores tinham rescindido e eu cheguei lá e estava apenas com os sub-19 para ir a play-off. Jogámos dois jogos contra uma equipa de II Liga, com jogadores mais experientes. No primeiro jogo, perdemos em casa com um golo de penálti, depois perdemos 3-1 fora e descemos. Entretanto, já era quase setembro, não ia conseguir arranjar clube e decidi ficar. O diretor desportivo avisou-me que, como era jogador da anterior direção, se calhar não ia fazer nenhum jogo. Ainda acabei por fazer alguns.

Daqui a uns dias pode assinar por qualquer clube. Como está a situação?

Tento manter-me tranquilo e não pensar muito nisso. O meu empresário está a trabalhar.

Mas quer encontrar clube já em janeiro?

O ideal era em janeiro, porque ficar muito tempo parado não é benéfico.

Já houve alguma abordagem?

Abordagens reais, não. Algumas aproximações, mas nada de concreto.

O que procura neste momento? Outra experiência no estrangeiro, II Liga?

Preciso de um clube que me dê jogos e confiança para tentar mostrar o meu valor outra vez.

Tem 29 anos, para guarda-redes ainda é novo. O que falta fazer?

Tinha o sonho de jogar na I Liga e no estrangeiro e já consegui. Mas tenho uma grande tristeza em não ter tido mais jogos. Sonhando alto, jogar uma competição europeia, até fora do país, é um sonho por realizar. Como já joguei fora, sinto-me preparado. Estive dois anos na Grécia e não tenho medo de nada. A bola é redonda, é ela que fala.

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