Mais de metade das empresas vai aumentar viagens de negócios. Mas com maior atenção aos custos

ECO - Parceiro CNN Portugal , Joana Nabais Ferreira
16 ago 2023, 09:39
Pilotos

O controlo de custos é uma das preocupações dos gestores. Entre os viajantes corporativos millennials e do setor tech assiste-se a um novo conceito de viagem: o 'blesiure'

Apesar das reuniões Zoom terem entrado no dia a dia das empresas, as viagens de negócios parecem estar a regressar. Mais de metade dos líderes empresariais (57%) antecipa um aumento no orçamento destinado às viagens em 2024, face aos gastos de 2023. Um investimento no contacto pessoal que pode trazer um aumento de 25% na receita, revela o recente relatório “Business of Travel 2023”, realizado pela Accor. O foco para muitas empresas está no controlo de custos, mas assiste-se, sobretudo entre os viajantes de negócios millennial e os profissionais do setor tech, a um novo conceito: o “blesiure“, um misto de viagem em trabalho e lazer.

“Em termos financeiros, os profissionais de negócios estimam um aumento de 25% na receita quando se encontram pessoalmente, em vez de virtualmente. E o resultado final não é a única equação, pois os trabalhadores precisam de interagir com colegas para a sua saúde mental e satisfação no trabalho”, pode ler-se no estudo do grupo hoteleiro.

“Com as empresas a tentar encontrar um equilíbrio entre produtividade e propósito, é um momento de grande mudança e reavaliação”, comenta Saskia Gentil, SVP Vendas, Europa & Norte de África da Accor. As organizações estão agora mais “conscientes do valor, da sustentabilidade e de um equilíbrio entre trabalho e lazer que garanta o bem-estar dos colaboradores”, aponta ainda a responsável.

Até ao final do ano, as viagens de negócios deverão estar 24% abaixo dos números pré-pandemia, mas 57% dos inquiridos pela Accor — num inquérito junto a cerca de 300 organizações a nível mundial — espera um aumento do orçamento para viagens no próximo ano em relação a 2023.

Questionados sobre as perspetivas de viagens em trabalho até ao final do ano, 46% afirma que, provavelmente, não vai impor limites, embora 14% admita ter implementado um plano de limitação de viagens em trabalho.

Os dados reforçam os sinais apontados no início do ano por um estudo da Deloitte. O mesmo estimava que os gastos com viagens corporativas na Europa e nos Estados Unidos da América ultrapassassem a metade dos níveis de 2019 (57%) no primeiro semestre do ano, chegando a dois terços (71%) no final do ano. Eventos presenciais e viagens internacionais justificavam grande parte do crescimento esperado em 2023.

Contudo, enquanto nos EUA a principal motivação para realizar viagens internacionais seria conectar-se com clientes e possíveis clientes, na Europa, os principais motivos para viajar para fora do continente são os trabalhos em projetos de clientes, seguidos de reuniões de vendas.

Antecipando a tendência do próximo ano, sete em cada dez empresas inquiridas pela Deloitte na Europa e nos Estados Unidos (68% e 71%, respetivamente) esperam uma recuperação total dos gastos até o final de 2024, ou apenas no início de 2025. Todavia, o mercado de viagens corporativas permaneceria cerca de 10% a 20% abaixo dos níveis pré-pandémicos, tendo em conta a inflação.

Controlar custos

Apesar dos estudos anteciparem que as empresas estão a caminhar para um regresso às viagens em trabalho, apontam também para novas prioridades. A primeira a ter em consideração, pela ordem de importância estabelecida pelos inquiridos pela Accor, é a contenção dos custos.

“Cada viagem é cuidadosamente avaliada em termos de ROI e ROE – retorno do investimento e, cada vez mais, retorno da expectativa – sem retorno, não há voo”, afirma o grupo hoteleiro dono de marcas como o Ibis, Novotel, Mama Shelter ou Joe & Joe. Também a Deloitte, no seu estudo, indicava que 45% das empresas ainda limitava a frequência de viagens para controlar os custos. Alojamentos mais baratos (59%) e voos de baixo custo (56%) são as opções mais recorrentes.

“As empresas estão a cortar os custos ao baixar um nível da avaliação do seu hotel — uma tendência que os economistas registaram durante tempos económicos mais difíceis: 31% dos inquiridos de um estudo da Morgan Stanley afirmaram que tencionam usar o Airbnb ou outros serviços de arrendamento de curta duração similares no próximo ano”, pode ler-se no estudo da Accor.

“Hoje, a questão do ROI anda de mãos dadas com a solicitação de viagens. É mesmo preciso estar lá? A pandemia acelerou a adoção da flexibilidade do trabalho remoto e mudou como e quando os consumidores planeiam as suas viagens. (…) O custo de uma reunião em tempo real será submetido a cálculos cada vez mais rigorosos para avaliar os seus benefícios”, aponta ainda o estudo da rede hoteleira.

Também a escassez de mão de obra e os problemas logísticos estão a tornar as viagens menos confortáveis ​​do que no passado, alerta a Accor. Os cancelamentos de voos caíram em comparação com 2022, mas os atrasos aumentaram: 30.000 voos por dia não descolam no horário previsto. “É stressante para qualquer pessoa que esteja a voar para comparecer numa determinada reunião, à qual poderá não chegar a tempo por esse atraso.”

‘Blesiure travel’ é a tendência que cresce

A “experiência do viajante” será a segunda consideração mais importante em 2024, prevê a Accor. E, neste ponto, o bem-estar dos viajantes de negócios é de extrema importância.

“O equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional é cada vez mais importante para os funcionários, e o bem-estar deve ser valorizado por qualquer empregador que entenda a importância da retenção de talentos e a satisfação no trabalho”, considera a Accor.

Na prática, a combinação de reuniões com tempo de lazer significa que “os viajantes têm estadias mais longas, fazem mais coisas e diminuem a velocidade para tirar o máximo partido da sua emissão de carbono”, explica a Accor. Além disso, valorizam as experiências durante a viagem, como espetáculos, bebidas e até aluguer de bicicletas.

Falamos, no fundo, de ‘blesiure travel’, termo usado para descrever viagens que combinam compromissos profissionais com momentos e atividades não profissionais e da esfera pessoal.

Um inquérito realizado pelo booking.com conclui que cerca de 60% dos profissionais consideram que viajar e explorar novos lugares os incentiva a serem mais produtivos no trabalho. A geração dos millennials é a mais propensa a fazer este tipo de viagens, com 38% dos entrevistados a quererem estender a sua viagem de negócios, de forma a adicionar-lhe um tempo de lazer. Em termos de setor de atividade, são os profissionais que trabalham na área da tecnologia que mais se inclinam para fazer uma viagem ‘blesiure‘.

Ainda que a tendência seja mais visível entre os colaboradores mais jovens, é cada vez mais prevalente nos restantes escalões demográficos. De forma geral, 67% dos inquiridos pela Accor prolongaram as suas viagens de negócios em 2022. A maioria acredita que, embora o mercado de viagens combinadas seja ainda pequeno, “o prazer é uma nova e crescente tendência de viagens de negócios”.

Preocupações ambientais em mente

Por último — mas não menos importante — as preocupações ambientais também estão na mente de muitas empresas na hora de levantar voo ou pôr o motor a trabalhar. Cerca de metade (54%) dos clientes corporate da Accor colocam as emissões de carbono como a sua prioridade número um de Corporate Social Responsibility (CSR).

“Os ativistas calculam que 85% das empresas globais não encontraram uma maneira de reduzir efetivamente as emissões de carbono. (…) Os inquiridos concordam que viajantes e anfitriões devem trabalhar juntos para criar um futuro sustentável”, pode ler-se.

O estudo da Deloitte aponta no mesmo sentido, com as empresas a indicar a intenção de reduzir as viagens em trabalho a longo prazo: cerca de um terço dos responsáveis de viagens dos EUA e 40% dos responsáveis de viagens europeus referem que as deslocações por funcionário terão de diminuir em, pelo menos, 20% até 2030, para cumprirem os seus objetivos de sustentabilidade.

Em Portugal, este é um tema que também tem preocupado os gestores das empresas. Empenhadas em adotar comportamentos mais sustentáveis, em particular no que toca às deslocações, as organizações nacionais são unânimes na regra a implementar: se não é estritamente necessária, não se realiza deslocação física e transporta-se a reunião ou o compromisso em causa para o ecrã.

Quando a deslocação é indispensável, o comboio surge como alternativa, por ser menos poluente – ainda que seja uma alternativa que não é utilizada como seria desejável. Os gestores lamentam que a rede de comboios em Portugal seja tão limitada, ao contrário da rede de Espanha, por exemplo.

“Acreditamos muito no poder do contacto in person, mas também percebemos que muitas das viagens poderiam ser reduzidas no sentido de otimizar custos, aumentar eficiência e, já agora, reduzir a pegada de carbono”, admite Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Mercer e da Marsh Portugal, em declarações em fevereiro ao Trabalho by ECO.

No caso desta multinacional, e embora as viagens relacionadas com clientes não tenham sido afetadas (salvo por indicação do mesmo), as viagens internas foram reduzidas. “Definimos critérios de relevância”, explica. Se, depois de avaliada a relevância da deslocação, é concluída como necessária, o automóvel e o comboio são os meios de transportes escolhidos pela Mercer, sempre que a deslocação é nacional, e o avião para viagens internacionais.

A título de exemplo, num dos trajetos mais frequentados por motivos profissionais, Lisboa – Porto, um avião emite 102,1 quilos de CO2, enquanto o comboio apenas 9,1 quilos de CO2. O automóvel, por sua vez, emite 37,6 quilos de CO2, segundo o comparador Eco Passenger.

No país vizinho, onde o CEO da consultora trabalhou durante quase dez anos, o gestor recorda uma realidade muito distinta: “Lá, efetivamente eu utilizava o comboio para quase todas as deslocações internas. Em Portugal, infelizmente isso ainda não é possível. Esperemos que o plano de desenvolvimento ferroviário nacional permita às empresas utilizar esse meio de transporte mais assiduamente no futuro.”

Na véspera da entrada para a União Europeia, em 1985, havia 196 quilómetros de autoestradas e a rede ferroviária contava com 3.607 quilómetros. Em 2021, havia 3.065 quilómetros para o alcatrão e 2.527 quilómetros para os carris. A opção penalizou passageiros, empresas e está a contribuir para um território pouco sustentável. O Plano Ferroviário Nacional pretende reverter a situação até 2050, ao voltar a colocar o comboio nos distritos onde ele não passa, criar uma verdadeira rede ferroviária e ainda fazer com que a alta velocidade chegue às dez maiores cidades nacionais.

Para ler o relatório “Business of Travel 2023”, da Accor, clique aqui. O estudo tem por base um inquérito global a cerca de 300 empresas de todo o mundo.

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