opinião

Para que servem as próximas eleições?

2 jan, 21:17

Há uma outra pergunta que se repete, por estes dias, à medida que as eleições legislativas se aproximam: “Em quem é que vou votar?” Mas mais importante do que a resposta — que só os partidos políticos podem dar — é a pergunta que revela bem a dificuldade que muitos eleitores encontram na decisão que têm de tomar no próximo dia 10 de março.

Marcelo Rebelo de Sousa atirou para os eleitores a batata quente de uma crise política que eles não pediram, mas que resulta de quatro fatores: uma investigação do Ministério Público — até agora pífia — que atingiu o coração do Governo, a decisão de António Costa em pedir a demissão, seguida de uma outra decisão do Presidente da República de convocar eleições e que não pode ser desligada de quase dois anos de uma maioria absoluta desbaratada pelo Partido Socialista. Cada ator político escolherá a narrativa que mais lhe convier para a campanha que se aproxima, mas a verdade é que todos estes factos estão ligados entre si e foram eles que nos trouxeram até aqui.

O aqui e o agora são uma nebulosa. Duas guerras que se arrastam, uma Europa em contração económica e a incerteza sobre as eleições nos Estados Unidos são tudo ameaças externas que só agravam ainda mais as internas: meio ano em campanha eleitoral, um PRR longe da execução que devia ter, uma economia portuguesa que ameaça voltar a arrastar os pés, o fantasma da instabilidade política e um Presidente da República diminuído politicamente. Percebe-se bem, por isso, a pergunta: “Em quem é que eu vou votar?”

Este é, por isso, o tempo dos partidos políticos. Antes de dar a voz aos eleitores, cabe aos candidatos às próximas eleições apresentarem ao país um projeto político capaz de responder aos desafios que enfrentamos — e são muitos —, mas que encerre também uma visão da sociedade e da economia, que permita a cada português votar de forma informada. Cabe aos líderes desses partidos terem a capacidade de mobilizar o eleitorado, convencê-lo de que em democracia há sempre alternativa e há sempre caminho.

Lamentavelmente, o que se viu até agora não foi isso. Bem sei que o PS ainda tem um congresso pela frente, que os programas eleitorais ainda não foram apresentados, mas o nível de discussão pré-eleitoral tem sido manifestamente fraco. Entre discussões estéreis sobre o passado, repetindo velhas narrativas de fantasmas que em nada acrescentam ao debate e que procuram apenas influenciar o eleitorado através da estratégia do medo — próprias de quem não tem nada de substancial para dizer — e o eterno debate sobre quem se coliga com quem, como se a política fosse um jogo de xadrez onde a aritmética parlamentar e os jogos de poder se sobrepõem às ideias e aos projetos, é, neste momento, manifestamente impossível alguém — que não vote com o cartão de militante na mão — tomar uma decisão informada sobre o sentido de voto.

Receio que a estratégia, sobretudo dos dois principais partidos, seja exatamente essa: tentar fazer uma campanha superficial, com umas ideias vagas para o país, sem se comprometerem em demasia para não serem alvo dos ataques dos adversários, deixando ao eleitorado apenas uma percepção sobre qual dos candidatos tem mais perfil para ser primeiro-ministro ou, pior ainda, acreditar que a alternância é uma obrigação moral em democracia que os eleitores têm de respeitar com obediência cega. Uma espécie de concurso de miss mundo, onde o mais importante - além da beleza - é não cometer erros.

Receio que este debate eleitoral se torne uma espécie de leilão de promessas, entre quem baixa mais os impostos e quem sobe mais as pensões, quem devolve mais anos de carreira aos professores e quem gosta mais dos funcionários públicos.

Tenho fundados receios de que PS e PSD não queiram — ou não saibam, o que é pior ainda — explicar como pretendem tirar o país da da pobreza, evitar a emigração dos mais jovens, restaurar a confiança dos portugueses na saúde e na escola pública, criar condições dignas de habitação, reformar a justiça ou salvar a Segurança Social.

Se os meus receios se confirmarem — e espero que não —, as próximas eleições podem vir a ser decididas pela negativa. Mais do que votar em projetos e em pessoas que os eleitores considerem capazes de os executarem, o fator de decisão será o da exclusão de partes — “voto neste porque não quero aquele”— ou o protesto, colocando a cruz no partido que se alimenta e agiganta com a fragilidade política do sistema político.

Se assim for, estas eleições serão mais uma oportunidade perdida. E, lembrando as palavras do Presidente da República no discurso de Ano Novo, os próximos 50 anos serão aquilo que fizermos deles a partir de agora.

Colunistas

Mais Colunistas

Patrocinados