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A lição do TC ao centrão ‒ e as dúvidas que ficam

15 fev 2022, 21:14

O Tribunal Constitucional decidiu ‒ e muito bem ‒ repetir a votação do círculo da Europa para a eleição dos deputados à Assembleia da República. Ficaremos, pelo menos, mais um mês sem parlamento, sem governo e com o Estado em duodécimos, o que não mudará extraordinariamente o dia-a-dia dos portugueses. O que mudaria, de facto, a vida da nossa cidadania seria o TC furtar-se a cumprir o seu dever: defender a Constituição. Para isso, contamos já com os nossos partidos políticos, que alegremente acordaram ignorar a lei que obriga o voto por correspondência a estar acompanhado por uma cópia da identificação do eleitor.

Quem ganha, então, com a decisão do Palácio Ratton? Numa palavra: a democracia. Ganha a democracia. Ganha a democracia porque 80% dos votos de um círculo eleitoral não podem ir para o lixo por arranjinhos partidários e incompetências administrativas. Ganha a democracia porque o primado da lei foi preservado. E ganha a democracia porque 157 mil emigrantes portugueses, a quem o país deve respeito, não receberam um encolher de ombros perante um autêntico atentado ao seu direito de voto.

E quem perde? Perde, infelizmente, demasiada gente. Perde o regime, com 48 anos de existência democrática, por se prestar a estas indignidades e autofagias. Perde o governo, que conhecia desde 2019 os problemas que o voto das comunidades enfrentava devido a uma lei eleitoral desatualizada. Perdem as lideranças partidárias, publicamente desafiadas há mais de um ano pelo Presidente da República a reformar essa lei. E perde Rui Rio, demissionário de funções mas não de trapalhadas, que teve o partido por si liderado no tal arranjinho e que lá tentou passar a responsabilidade para as mesas que contaram os votos fazendo uso do seu amor-ódio mais frequente ‒ o Ministério Público ‒, apresentando-lhe uma queixa mas, estranhamente, não se associando ao recurso de vários partidos junto do TC para que a eleição se repetisse.

As 151 mesas que depositaram votos não acompanhados pela identificação obrigatória não o fizeram por insanidade coletiva ou conspiração conjunta para sabotar a eleição. Cada mesa foi escrutinada por cidadãos indicados pelos vários partidos e acompanhada por membros da CNE e agentes do Ministério da Administração Interna. Fizeram-no porque lhes disseram que era assim que deveriam fazer. E no dia 18 de janeiro, na secretaria-geral do MAI, os vários partidos concordaram com isso mesmo:  ignorar a lei que o Tribunal Constitucional veio agora fazer valer.

Sobram dúvidas? Sobram. Também demasiadas. A primeira, mais óbvia e igualmente mais misteriosa, é o que diabo tinham os partidos na cabeça. A segunda, menos difícil de adivinhar, é o que fez o PSD mudar de posição entre a reunião no MAI e a contagem dos votos. A terceira, ainda por esclarecer, é o que levou as 151 mesas a ignorar unanimemente os protestos do PSD e não separar os votos contestados durante a contagem para posterior deliberação, como é previsto, misturando-os com os que cumpriam a lei e assim invalidando todos. A quarta, verdadeiramente aterradora, é como é que não se vai repetir a votação do círculo fora da Europa, quando dificilmente a mesma confusão não sucedeu no seu apuramento.

E a quinta, para concluir em retórica:

Ninguém pede desculpa?

 

 

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