Papa quer uma Igreja de um mundo “mais justo, acolhedor e fraterno”, onde se abrem as “janelas” de cada alma, se limpam as “lágrimas escondidas” e se preenche “a solidão com a sua proximidade”

4 ago 2023, 18:25
Papa Francisco antes de comparecer à Via-Sacra, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude - JMJ (LUSA)

No seu discurso desta sexta-feira na Via-Sacra com os jovens, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, o Papa Francisco volta a pedir uma Igreja mais inclusiva e tolerante

Jesus é «o caminho» (Jo 14, 6). Nos Evangelhos, a maior parte das vezes, encontramo-Lo na rua. Não pára, anda pelas praças, nas margens do lago, pelas montanhas, no templo... Não tem onde reclinar a cabeça (cf. Mt 8, 20). Não se deixa condicionar pelas expectativas das pessoas, não se deixa catalogar segundo uma função, nem prender em cerimónias e rituais distantes da realidade. Antes, passa, percorre os sulcos da vida quotidiana, fixa os olhos do rosto, dirige o olhar a quem sofre e anseia por esperança, sente compaixão por quem está cansado, estende a mão a quem está a sofrer. Pára diante da história de cada um e cuida de todos com ternura, para depois retomar o seu caminho.

A vida pública de Jesus é sempre em viagem; toda a sua vida é uma viagem. Crescido na escola de Maria, que «se levantou e foi apressadamente» (Lc 1, 39) ter com Isabel, Ele mostra-nos que Deus sai de Si mesmo para ir à procura do homem. Cristo é Aquele que Se fez como nós para vir ao nosso encontro, a ponto de Se abaixar aos nossos pés para os lavar, a ponto de receber as nossas chagas para as curar, a ponto de tocar o fundo da nossa humanidade: as solidões, os medos, os sofrimentos, a dor, o abandono, a morte. Até ao sepulcro. Sim, o Filho de Deus subiu ao Calvário para descer até ao profundo de nós mesmos. É que o caminho do amor é assim e «ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).

A cruz, que acompanha cada JMJ, é o ícone deste caminho. É o sinal sagrado do amor maior, o amor com que Cristo quer abraçar a nossa vida. Assim a cruz revela-nos a beleza do amor. Caro jovem, cara jovem, este é o paradoxo da nossa fé: a beleza do Crucificado. A beleza dum amor que se dá completamente a mim. A beleza dum amor que traz os sinais das minhas feridas. Dum amor sem medida, mas concreto, e por isso credível, que nos leva a dobrar os joelhos, a deixar que o coração se comova, que as lágrimas corram pelo rosto e que Lhe sussurre em oração: «Senhor, pela tua inefável agonia, posso acreditar no amor» (P. MAZZOLARI, Un volto da contemplare, Milão 2001, 86).

Irmãos e irmãs, também esta noite Jesus está em caminho connosco. Caminha ao nosso lado, sem parar, sem descansar, sem pensar minimamente que seja inútil, sem cessar de esperar por nós, sem cessar de nos amar. Eis a via-sacra: Ele «avança com a cabeça descoberta. A morte, o vento, o insulto: tudo Lhe cai em cima sem nunca abrandar o passo. Dir-se-ia que isto que O atormenta não é nada comparado com o que Ele espera» (C. BOBIN, L’uomo che cammina, Magnano 1998, 11).

E o que é que Jesus espera? Abrir as janelas da tua alma à plenitude da sua vida e do seu amor; limpar as tuas lágrimas escondidas, com a sua ternura; preencher a tua solidão com a sua proximidade, os teus medos com a sua consolação; aliviar-te dos pesos interiores que te oprimem; sarar as feridas dos teus pecados; fazer-te sair das paralisias da tristeza, da resignação, daquela acédia da alma que te apaga o entusiasmo; impelir-te a abraçar o risco do amor, para te tornares artesão da gratuidade, cheio de atenções pelos mais pobres, responsável quanto ao uso do teu tempo, da sociedade e da criação. Isto é o que Jesus espera: Ele, que «curou as tuas chagas naquela cruz onde por muito tempo suportou as suas»; Ele, que «te libertou da morte eterna naquela mesma cruz onde aceitou a morte temporal» (S. AGOSTINHO, In Ioan., III, 3); Ele luta sem se render para que a tua vida não seja engolida pela escuridão da morte. E, por cada «morte» que experimentas, Ele desce nos teus abismos e ergue-te para a vida, para a sua vida. E, no fim deste caminho, preparou para ti a sua própria meta, o Céu: Ele transformará a chegada da tua existência num novo início, numa ressurreição sem fim, numa vida de alegria e paz eternas, sem luto nem lágrimas, sem sofrimento nem lamentação.

Amigos, é isto que Jesus quer. E por isto Ele, que «é o segredo da história, (...) a chave do nosso destino» (S. PAULO VI, Homilia em Manila, 29/XI/1970), caminha até ao Gólgota e sobe à cruz por nós. Deseja reacender em nós a luz da beleza e tornar-nos sentinelas da esperança, capazes de ousar novos passos na escuridão da noite, de não nos amolgarmos no passado, de não nos deixarmos amedrontar pelo futuro. Por isso, mantenhamo-nos unidos a Cristo, caminhando atrás d’Ele, nosso Salvador. E, subindo com Ele ao Calvário, apresentemos-Lhe os sonhos, os desejos e as alegrias, juntamente com os sofrimentos, os medos, as situações em que desanimamos. Unamos ao seu abandono as nossas solidões mais amargas, unamos à rejeição que sofreu as injustiças que suportamos. Levemos-lhe as expetativas duma Igreja que seja cada vez mais d’Ele e dum mundo que seja mais justo, acolhedor e fraterno. Peçamos-Lhe que tome mais uma vez sobre Si as injustiças, as violências, as discriminações, os horrores da guerra e tudo o que fere os pobres e devasta a criação.

Irmão, irmã, as nossas feridas, a nossa fragilidade e as nossas culpas não são deixadas à sua sorte. Cremos que Jesus carregou sobre Si todo o mal e o sofrimento, para que o mal e o sofrimento já não fiquem sem sentido e sem uma via de saída. Assim, com Jesus cada um de nós pode testemunhar e dizer: «Creio n’Aquele que te procura, n’Aquele que sofre em mim, nas outras pessoas, em ti, por ti; creio n’Aquele que disse “quando for erguido da terra, atrairei todos a Mim”. Lá está Ele há vinte séculos, carne de opróbrios, carne de dores, carne de resgate e, quer queiras quer não o seu grito terrível “tenho sede” grita em ti. (...) E quando na tua grande pobreza disseres “Senhor, não tenho nada para te dar”, será Ele a dar-te a água viva» (M. DELBRÊL, Éblouie par Dieu. Correspondance, 1: 1910-1941, in Oeuvres complètes, Montrouge 2004, Tomo I, 132-133).

Levemos-Lhe os gritos desoladores da nossa humanidade sequiosa, sedenta de paz. Olhemos com confiança para Aquele que «é a nossa paz» (Ef 2, 14). A Ele, trespassado por nós, abramos o coração. N’Ele confiemos. O sangue e a água, que correm do seu lado, desçam sobre nós, nos purifiquem e transformem; tornem-nos profetas apaixonados do Evangelho, testemunhas ousadas de esperança.

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