«Joguei no genial Brasil-82, mas no FC Porto só brilhei nas reservas»

30 mai 2019, 00:30
Edevaldo (Destinos)

DESTINO: 80s. Edevaldo 'Cavalo' foi um dos laterais da maravilhosa seleção de Telê Santana. Largou Zico e Sócrates, veio para Portugal e... o que aconteceu? O atual adjunto do Fluminense conta tudo.

DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

EDEVALDO ‘CAVALO’: FC Porto (1985/1986)

No Brasil diz-se que o maior erro de Nelson Rodrigues foi não ter vivido tempo suficiente para escrever sobre o futebol-arte da seleção de 1982. Faz sentido.

As palavras do saudoso escritor/jornalista/dramaturgo tornariam mais suportável a saudade dessa versão revista e melhorada da ‘canarinha’. Não foi campeã do mundo, não senhor, mas viveu uma história de amor como nenhuma outra com o flamejante povo da bola.

Zico e o doutor Sócrates, Falcão e o bombardeiro Éder, Luisinho e o eterno Júnior, tudo obra e graça do maestro Telê Santana, o homem que detestava ver a bola a andar pelo ar.

Na direita o titular era Leandro, um histórico do Flamengo, mas no banco estava uma alternativa de respeito: Edevaldo, o ‘Cavalo’. Não se lembra dele?

Pois bem, Edevaldo foi campeão nacional pelo FC Porto na época 1985/1986, fez 18 jogos pela seleção do Brasil e chegou a ser utilizado nesse icónico Mundial de 1982: fez 10 minutos no 3-1 aplicado à Argentina do menino Diego.

Edevaldo, agora aos 61 anos, é treinador-adjunto no seu Fluminense e um convidado de honra do DESTINOS. Surpreendido pelo telefonema, «até comovido», Edevaldo recorda o «prazer absoluto» de estar lado a lado com Zico e Sócrates, e fala sem filtros sobre a passagem discretíssima pelo FC Porto.

EDEVALDO NO CAMPEONATO NACIONAL:

. 1985/1986: FC Porto, 3 jogos/0 golos (15º lugar)

TROFÉUS: Campeão Nacional (1985/1986)

 

Edevaldo, Celso, Eduardo Luís, Inácio, Vermelhinho e Mly (em cima)
André, Gomes, Madjer, Quim e Futre (em baixo)

Maisfutebol – O Edevaldo teve lugar no maravilhoso Brasil de 1982 e não teve no FC Porto. Foi assim?
Edevaldo – Parece estranho, mas foi isso mesmo. Joguei no genial Brasil de 1982, mas no FC Porto acho que só brilhei nas reservas e naquele campo pelado que o clube tinha [Constituição]. Tenho pena de não ter ficado mais tempo no FC Porto, um clube grandioso e que no ano a seguir à minha saída acabou por ser campeão da Europa. É um nome de enorme peso internacional. Tive uma experiência forte, aprendi muita coisa e só posso agradecer ao presidente Pinto da Costa, que sempre me tratou bem. Ainda é ele o presidente, não é?

MF – Continua a ser ele o presidente do FC Porto, sim.
E –
Uma figura incrível, incrível.

MF – Voltemos então a 1986. O Edevaldo tinha um currículo importante no Brasil, jogava no Vasco da Gama, mas veio para o FC Porto e só fez três jogos na equipa principal.
E –
É verdade. Em janeiro de 1986 eu estava no Vasco, a recuperar de uma lesão complicada e não fiz a pré-temporada. Treinava à parte com o Roberto Dinamite, que também recuperava de problemas físicos. Até que, ali já perto do fim de janeiro/início de fevereiro, chegou até mim um convite para viajar de imediato para Portugal e reforçar o FC Porto.

MF – O Edevaldo aceitou, claro.
E –
Claro que sim, mas o empresário que tratou de tudo na altura – não me lembro do nome dele – acabou por me mentir em relação ao contrato. Fiquei muito triste com isso e posso dizer que nunce revelei esta história para ninguém.

MF – O que dizia o contrato, então?
E –
O tal empresário tinha-me dito que o FC Porto me oferecia um contrato de longa duração, mas ao chegar a Portugal vi que o que havia era um ‘contrato de risco’, como dizemos aqui no Brasil, de apenas quatro meses: fevereiro a junho de 1986. O lateral direito titular, o grande João Pinto, tinha sido operado a um pulmão e o FC Porto não sabia quando ele voltaria a jogar, por isso contratou-me de emergência no Brasil. Eles queriam um atleta experiente, de qualidade, que chegasse e entrasse de imediato na equipa. E eu tinha um currículo de respeito.

MF – Mas não foi isso que aconteceu.
E –
Não, infelizmente não. Cheguei à cidade do Porto, reuni com o meu empresário e com os diretores do FC Porto e eles disseram-me que o contrato não era de quatro anos, mas sim de quatro meses. No final da temporada seria renovado e tudo se resolveria, disseram-me eles. Nada disso me tinha sido dito quando eu estava no Brasil. Mas eu aceitei, claro. O problema é que, como disse, eu estava a sair de uma lesão, não tinha feito sequer uma pré-época e cheguei a Portugal sem qualquer condição física, numa altura em que o campeonato já estava muito adiantado.

MF – Ficou chateado com o FC Porto?
E –
Não, eu percebi que a mentira partiu do meu empresário. Ele não quis perder o negócio e não me disse aquilo que tinha combinado com o clube. Adorei esses quatro meses, apesar de só ter feito três partidas no Campeonato nacional, e gostava de ter continuado. O Duílio, não sei se vocês se lembram dele no Sporting, ainda me tentou levar para Lisboa, mas recusei. Era muito jovem, tive saudades do Rio e preferi voltar a casa. Enfim, tive a grande honra de jogar num FC Porto fortissimo e tenho aqui na sala uma fotografia dessa equipa. Ainda sei todos os nomes de cor e salteado.

MF – Aceitamos o desafio. Vamos recordar esses nomes, Edevaldo.
E –
Bem, na baliza estava o polaco… não consigo dizer o nome.

MF – Mlynarczyk.
E –
O Mly, grandão, enorme. Depois estava eu, o Celso, o [Lima] Pereira e o Inácio na defesa. Os dois ‘volantes’ eram ótimos: o bigodinho [Frasco] e o mais forte, que jogava muito! André, isso. E depois estavam as feras todas.

MF – Quem eram essas feras?
E –
Minha nossa, anote bem: Madjer, o nosso Gomes ‘Bota de Ouro’, o [Jaime] Magalhães na direita e o melhor jogador desses tempos, o meu enorme amigo Paulinho Futre. Um amigo maravilhoso, levou-me a casa dele várias vezes. E no banco havia o Elói, Juary, Paulo Ricardo, Ralph, todos brasileiros de enorme qualidade. Essa equipa estava condenada a ser campeã da Europa. Fui campeão em 85/86 e só posso lembrar isso com amor e saudade.

VÍDEO: Edevaldo salva duas vezes o FC Porto contra o Belenenses (3m00s)

MF – O Edevaldo foi treinado pelo Artur Jorge. Que memórias tem dele?
E –
Antes de mais, tenho de elogiar a estrutura. Para a época a organização era moderníssima. O Artur era sensacional, tranquilo, sabia escolher o momento certo para agarrar o jogador e dizer o que pretendia dele. Assim que eu fiquei fisicamente apto, o Artur apostou em mim e fiz alguns jogos, mas como estava atrasado na preparação surgiram-me problemas musculares. Não tenho nada a apontar ao Artur Jorge.

MF – Que tipo de lateral era o Edevaldo?
E –
Sempre me cuidei bastante, raramente saía à noite. Treinava muito, insistia muito no passe e cruzamentos, repetia esses movimentos desde a formação do Fluminense. Subia e descia sem problemas, porque fisicamente também era fortíssimo. Daí a alcunha de ‘Cavalo’. Infelizmente, a malta do FC Porto nunca viu a minha melhor versão.

MF – Lembra-se da estreia contra o Belenenses?
E –
Claro, demos uma goleada [5-0]. Fiz um jogo interessante, mas acusei o esforço e tive de para umas semanas até voltar. Acho que cumpri sempre com tudo, mas digo sempre ao pessoal de Portugal que as minhas melhores atuações foram no pelado, a jogar nas reservas, ah ah ah ah.

MF – O Edevaldo saiu e o FC Porto foi campeão da Europa.
E –
Eu nem gosto de me lembrar disso. Não me sai da cabeça. No ano seguinte estava em casa e vi o Madjer e o Futre a partirem tudo. Podia ter feito parte dessa equipa, mas a tal situação do contrato deixou-me triste. Fui enganado por um empresário que só pensou no dinheiro dele.

 

Valdir Peres, Edevaldo, Luisinho, Oscar, Cerezo e Junior (em cima)
Paulo Isidoro, Sócrates, Reinaldo, Zico e Éder (em baixo)
 

MF – Chegou a privar com o João Pinto, que era o titular da sua posição?
E –
Claro. Ele teve uma operação delicada a um pulmão, mas quando voltou às Antas fez questão de vir ter comigo e explicar o que era o FC Porto. Era um tipo muito divertido.

MF – E os seus melhores amigos no Porto, quem eram?
E –
O Celso levava-me para todo o lado. Eu vivia num hotel, sozinho, e o Celsinho ia lá buscar-me todos os dias. Criei uma grande amizade com ele. Fora do futebol… o meu melhor amigo era o senhor do banco, ah ah ah ah. Era ele que trocava o dinheiro português por dólares para mim.

MF – E como foi a celebração desse título de 1986?
E –
Assisti ao jogo decisivo na Arquibancada, com os outros companheiros que não foram convocados. Lembro-me que era uma equipa que equipava de verde e branco [Sp. Covilhã] e que o jogo foi difícil. As Antas completamente cheias, muitos nervos, mas o título lá chegou. Tenho aqui em casa muitas fotos da festa no balneário. Posso dizer que sou campeão português e fui colega de dois dos melhores jogadores que vi na vida. E olha que eu joguei com o Zico, ah ah ah ah.

MF – Refere-se ao Madjer e ao Futre?
E –
Claro. O Madjer jogava bem os dois pés, era habilidoso, tinha um drible suave e malandro. O Futre, meu deus. Nunca vi um extremo como ele. Rápido, agressivo, ia para cima sem medo. Extraordinário. Espero que ele esteja bem, gostava muito do Paulinho.

VÍDEO: Edevaldo com o «2» nas costas a jogar nas Antas (1m45s)

MF – Vamos ao Mundial de 1982. 37 anos depois, consegue perceber como não foi campeão do mundo?
E –
A pergunta que se faz aqui no Brasil é precisamente essa: como é que essa seleção não foi campeão mundial? Era uma seleção absurda. Eu fiquei no banco em todos os jogos, entrei uma vez, mas tinha um prazer enorme ao assistir àquele futebol ao vivo. Aquilo era música clássica, era samba, era arte sagrada. Não sei como não fomos campeões, sinceramente.

MF – Foi colega de Zico, Sócrates, desses craques míticos. Foi um deles.
E –
Pfffffff, estar no relvado ao lado desses génios… olhava para a frente e via o Zico, para o lado e via o Falcão, para trás e via o Toninho Cerezo, lá na frente o Sócrates. Não sei se sabem, mas o meu querido Telê Santana proibia-nos de dar mais de dois toques na bola. Um, dois, receção, passe. Ele detestava quando alguém exagerava, ficava maluco. Eram 22 atletas de qualidade maravilhosa.

MF – Quem era o líder do balneário desse Brasil-82?
E –
Todos são meus irmãos para a vida, mas o líder… o Zico. Carinhoso, inteligente, um homem fantástico até hoje. Dava tranquilidade aos meus jovens, era amado por todos.

MF – O Edevaldo dava-se muito bem contra a Argentina. É contra a Argentina que marca o seu único golo pelo Brasil e é contra a Argentina que joga no Mundial.
E –
Ah ah ah ah, uma coincidência boa. Fiz um golaço à Argentina no Mundialito. O Maradona fez o 1-0 e no início da segunda parte aqui o velho Edevaldo empatou. Meti um canudo na gaveta do Fillol. Foi o melhor golo da minha vida. Depois, no Mundial de 1982, entrei no Sarriá e ganhámos 3-1.

MF – O Maradona foi expulso nesse jogo.
E –
Estava louco, louco! Primeiro teve uma entrada violenta sobre o Zico e depois sobre o Batista. Já sabíamos que ele ia fazer isso, era muito emotivo. Eu acho que ele não gostava do meu amigo Batista. Jogar contra o Maradona, o Breitner, o Rummenigge, enfim, foi uma experiência maravilhosa. Para o nosso Brasil a bola é que corria, não podia parar. Acho que foi isso que criou o mito do Brasil-82.

VÍDEO: Edevaldo no Brasil-Argentina de 82 (2m30s)

MF – E em cima de tudo estava o Telê Santana. Como era o Telê como treinador?
E –
O senhor Telê marcou a minha vida. Ele e o senhor Pinheiro, meu treinador na formação do Fluminense, foram os homens que mais me marcaram. O Telê era muito rigoroso, exigia bastante todos os dias, tinha um conhecimento fora do normal do jogo e a estratégia dele era simples: a parte técnica sempre à frente da parte física. Os nossos treinos eram essencialmente de receção, toque e remate, trabalhávamos isso de forma muito natural. Agora sou assistente do Fernando Diniz no Flu e deixo esse aviso: vai ser um treinador sensacional e é um dos grandes treinadores brasileiros.

MF – Que histórias nos pode contar do balneário desse Brasil de 1982?
E –
A melhor história é esta: tínhamos um grupo de pagode. Eu, Júnior, Serginho Chulapa, Leandro e Paulo Isidoro. Só rapaziada forte, ah ah ah ah. Nos hotéis e nos autocarros juntávamo-nos os cinco e dávamos música ao resto do pessoal. Tenho muita saudade desses momentos.

MF – O Edevaldo jogou no FC Porto e é treinador de um jogador que foi herói aqui no FC Porto.
E –
Sério? Quem é?

MF – O Kelvin.
E –
Não sabia! Rapaz sensacional e muito bom jogador, atenção. Desconhecia que ele tinha estado no Porto. Amanhã no treino vou falar com ele sobre isso. Que maravilha, rapaz!

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