DESTINOS: internacional croata vestiu as camisolas das águias e dos dragões; foi massacrado por uma praga de lesões e partiu de cabeça baixa. «Já nem conseguia olhar para as pessoas, sentia vergonha.»
DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias marcantes do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.
TOMO SOKOTA: Benfica (2001 a 2005); FC Porto (2005 a 2007)
Uma cirurgia ao tendão de Aquiles do pé direito; uma cirurgia ao tendão de Aquiles do pé esquerdo; duas cirurgias ao joelho direito. O calvário de Tomo Sokota em Portugal é arrepiante. Seis temporadas, quatro operações delicadíssimas, paragens prolongadas.
Um currículo impressionante, não? Então cá vai disto: juntem à papelada três campeonatos nacionais, duas Taças de Portugal, mais 28 golos pelo Benfica e nem um, unzinho, ao serviço do FC Porto.
Tomo Sokota, ponta-de-lança, internacional croata com presença no Euro2004 e tudo. Um dos mais azarados futebolistas a pisar a relva lusitana, mas sempre um gentleman. Mesmo depois de tanto infortúnio, de tantas anestesias e recuperações bíblicas, o bom do Tomo atende-nos num português exemplar e com uma educação aristocrática.
«A minha filha nasceu em Lisboa e o meu filho no Porto. Adoro Portugal e ainda aí vou muitas vezes. Vamos lá falar em português, mas se eu me enganar ajuda-me, ok?»
Assim se lança o clássico do próximo sábado no Dragão neste DESTINOS. A falar do Benfica e do FC Porto da primeira década do século XXI, com um avançado que foi desafortunado dos dois lados da barricada.
Sokota não merecia tamanha provação. «Eh pá, ainda hoje peço desculpa a todos. O Benfica e o FC Porto mereciam mais de mim.»
SOKOTA NO CAMPEONATO NACIONAL:
. Benfica
. 2001/2002: 7 jogos/2 golos (4º lugar)
. 2002/2003: 13 jogos/4 golos (2º lugar)
. 2003/2004: 29 jogos/11 golos (2º lugar)
. 2004/2005: 11 jogos/4 golos (Campeão)
. FC Porto
. 2005/2006: 2 jogos/sem golos (Campeão)
. 2006/2007: 1 jogo/sem golos (Campeão)
TOTAL: 63 jogos/21 golos
TROFÉUS: três Campeonatos Nacionais e duas Taças de Portugal
Maisfutebol – No sábado temos um FC Porto-Benfica. O Sokota teve o privilégio de vestir essas duas camisolas.
Tomo Sokota – Digo sempre que sou um caso raro. Consegui ser infeliz no Benfica e no FC Porto.
MF – Por culpa das lesões?
TS – Por culpa das malditas lesões. Tive muito azar. Até aos 24 anos nunca sofri nenhum problema físico. Em Portugal… foi muito mau. Tenho vontade de pedir desculpas aos adeptos e aos dirigentes do Benfica e do FC Porto. Nunca quis falar muito sobre isto, mas está na altura. Tenho de desabafar, de tirar isto de dentro de mim.
MF – Conseguiu perceber a origem de tantos problemas nos joelhos e nos tendões de Aquiles?
TS – Nunca. Aliás, depois de sair do futebol português não tive mais nenhuma lesão grave. No Benfica, principalmente no Benfica, treinava demasiado. Queria dar tudo todos os dias, não geria a minha condição física. É ótimo poder falar sobre isto, tantos anos depois. Um alívio. Eu sempre fui um lutador, um guerreiro, e sempre que voltava de uma lesão queria provar a todos que estava totalmente bem. E forçava. Forçava muito. No FC Porto, meu deus, que vergonha senti.
MF – Por não poder jogar?
TS – Eu já nem conseguia olhar para as pessoas. Colegas, treinadores, adeptos… o clube investiu muito em mim, ao ir buscar-me ao Benfica. Tinha um salário ótimo, recebia todos os meses e passava os dias de muletas. Não era fácil para mim. Não conseguia encarar ninguém, sentia verdadeira vergonha. Passei mais tempo em hospitais e em enfermarias do que a jogar futebol. Sabe quem é o meu melhor amigo português?
MF – Não. Algum colega do Benfica?
TS – Não, o fisioterapeuta António Gaspar. Tinha de ser, certo? (risos) É como um irmão para mim, vem quase todos os anos de férias à Croácia. Mas também era próximo do Simão Sabrosa, do Nuno Gomes, do Zahovic e do Drulovic.
MF – Jogou com todos eles na Luz. Quer isso dizer que no sábado vai torcer pelo Benfica?
TS – O meu coração é mais benfiquista do que portista (risos). Fui sempre muito bem tratado e recebido por todos no FC Porto, atenção, mas no Benfica estive quatro anos e consegui jogar mais vezes. Envolvi-me mais com a equipa e com o clube. São dois grandes clubes, enormes.
MF – Vamos então falar sobre isso. Que diferenças encontrou, em concreto, entre Benfica e FC Porto?
TS – No Benfica encontrei amor, emoção, uma grandeza incrível. Certa vez na Suíça fomos recebidos por cinco mil pessoas. Na pré-época. A ligação dos adeptos ao clube é quase militar, de obediência e fidelidade. O FC Porto era diferente em tudo, menos na grandeza. A dimensão é idêntica.
MF – Como era o FC Porto em 2005?
TS – O clube tinha sido campeão da Europa um ano antes. Isso diz quase tudo. Mais organizado, preenchido por gente mais dedicada ao trabalho, com uma disciplina exagerada. Principalmente na época do senhor Co Adriaanse. Dizem-me que o Benfica melhorou muito na organização, mas nessa altura tinha muito a aprender com o FC Porto.
MF – Falemos da sua mudança da Luz para o Dragão. Na altura a polémica foi grande. O que aconteceu, na verdade, para deixar o Benfica?
TS – Pffffffff, bem, nunca falei sobre isto publicamente. É a primeira vez que o farei. O meu contrato com o Benfica acabava em 2005. Tive várias reuniões com a direção, chegámos perto do acordo, mas quando pensei que tudo ia acabar bem… não houve acordo e mandaram-me para a equipa B. Senti que as pessoas do Benfica deixaram de acreditar em mim.
MF – É nessa altura que surge o FC Porto? Quando estava na equipa B do Benfica?
TS – Mais perto do fim da época. Gostei da abordagem, do convite, do desafio. E a diferença salarial era assinalável.
MF – Mas teve consciência de que a mudança seria quase um escândalo? É quase sempre assim quando há trocas do Benfica para o FC Porto, ou o contrário.
TS – Sabia que ia ser duro para mim. Sabia que as pessoas do Benfica, especialmente os adeptos, não iam perceber a minha opção. Nem a minha mulher percebeu (risos). Ainda hoje me massacra com isso, ela adorava a nossa vida em Lisboa. Se fazia tudo igual? É difícil responder. O FC Porto era o campeão da Europa, um clube enorme também. Acho que passados estes anos todos toda a gente me percebe. Nunca quis falar sobre isto publicamente, mas quero ser correto e honesto com todos. O Benfica quis-me menos do que o FC Porto.
MF – Como foi recebido no balneário do FC Porto? Vindo do Benfica teve mais dificuldades?
TS – Não, nada. Conheci verdadeiros cavalheiros. O Vítor Baía ajudou-me muito. O Quaresma e o Pepe também eram tipos fantásticos. O meu problema foram as lesões. Em dois anos fiz quatro jogos. Via aquela malta a treinar nos limites, todos os dias, e eu de fora… com muletas e cheio de dores. Pelo menos fui duas vezes campeão nacional no FC Porto.
MF – Vamos um pouco atrás. Chegou em 2001 ao Benfica. Foi indicado por quem?
TS – Pelo professor Jesualdo Ferreira. Ele viu-me a jogar pela seleção de Sub21 da Croácia e sugeriu a minha contratação. No primeiro dia entrei na Luz e conheci o Eusébio. Telefonei logo ao meu pai, que o adorava. Parecia tudo um sonho, tudo perfeito.
MF – Consegue escolher o melhor jogo e o melhor golo com camisola do Benfica?
TS – Sim, sem problemas. A melhor exibição que fiz foi contra o Boavista, num 3-2 na Luz [18 de janeiro de 2004]. E o meu melhor golo foi marcado também nesse jogo. Saiu-me tudo bem, acho que fiz um jogo espetacular. Já no ano anterior tinha marcado um bom golo ao Boavista.
VÍDEO: o golo de Sokota ao Boavista em 2003 (imagens Sport TV)
MF – No FC Porto só tem quatro jogos.
TS – Sim, lesionei-me gravemente logo no segundo jogo. Contra o Rangers, na Liga dos Campeões. Estava a fazer o segundo jogo seguido a titular, feliz…
MF – Jogou com avançados de grande qualidade em Portugal. Qual foi o melhor?
TS – O Simão Sabrosa. Era muito perigoso, rematava bem e percebia os meus movimentos. Também gostei de jogar com o Nuno Gomes.
MF – Falta falar dos seus treinadores. Destaca algum?
TS – O senhor Camacho, claramente. Acreditou em mim, ajudou-me e tinha uma ideia de jogo ofensiva, de pressão constante. Fiz uma boa época com ele no Benfica.
MF – No FC Porto reencontrou o Jesualdo Ferreira.
TS – Sim, mas antes ainda trabalhei com o treinador mais estranho da minha vida. O Co Adriaanse. Não percebíamos muitas vezes as ideias dele, mudava de opinião constantemente, não era fácil lidar com ele. Acho que toda a gente ficou aliviada quando ele foi demitido, no estágio de pré-época. Apesar disso, o FC Porto foi campeão com ele. Teve o seu mérito, claro.
MF – Vamos falar do presente. O que faz o Sokota? Está ligado ao futebol?
TS – A minha ocupação principal está no ramo imobiliário. Estou a explorar várias zonas na costa da Croácia, a investir em várias obras. Está a ser bom. Estou afastado do futebol, mas sou conselheiro e amigo de alguns jovens do meu Dínamo de Zagreb.
MF – O Dínamo que vai jogar contra o Benfica na Liga Europa.
TS – Pois, o meu coração vai balançar. Mas sou croata. Que ganhe o melhor. Vou ver os dois jogos ao vivo, em Zagreb e na Luz.
MF – O Dínamo tem alguma hipótese de seguir em frente?
TS – Este Dínamo está forte, muito melhor do que nos anos anteriores. Não vai ser fácil para o Benfica. São os dois clubes principais da minha vida, há lugar para eles no meu coração. E um bocadinho para o FC Porto também.
MF – Que jogadores destaca neste Dínamo?
TS – Gosto do Dani Olmo, um miúdo espanhol que jogou no Barcelona e que está há alguns anos em Zagreb. E gosto do Mislav Orsic, um avançado de grande qualidade e que marcou ao Viktoria Plzen ainda há poucas semanas. O Benfica tem de ter atenção também ao Izet Hajrovic, um bósnio cheio de energia. Tem feito bons golos. Está a ver? Já estou a ajudar o Benfica.
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