DESTINO: 90s. O único sueco moreno das águias aprendeu a fintar com Nuno Gomes e João Vieira Pinto e é treinador de futebol feminino na Suécia. «Faltaram-me golos e troféus em Portugal. O FC Porto era superior e a Luz destilava ódio contra eles.»
DESTINO: 90's é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.
MARTIN PRINGLE: Benfica (julho de 1996 a dezembro de 1998)
Desengonçado, mas honesto. Honesto e trabalhador. Alto, esguio e sueco. Louro e tosco? Nada disso. Moreno e… honesto. Falamos de Martin Pringle, sucessor de uma dinastia iniciada por Glenn Stromberg e Mats Magnussson nos anos 80 e continuada por Jonas Thern e Stefan Schwarz.
Todos jogadores da seleção sueca, todos de inegável qualidade. Martin Pringle chegou mais tarde no verão de 1996, num período em que o Benfica era um sistema autofágico, carregado de lutas intestinas e uma instabilidade raras vezes no clube.
Pringle durou duas épocas e meia, mas tornou-se uma espécie de avançado-símbolo dessa pobreza desportiva das águias. Um homem simpático, culto e divertido, extremamente batalhador, mas sempre com evidentes problemas a um estilo de futebol que não era o dele.
O Maisfutebol encontra o Martin Pringle de sempre, um homem aberto e capaz de se rir de si próprio. Aos 48 anos, Pringle tem uma carreira de treinador muito respeitável na Suécia e aguarda o próximo convite. Fala ao nosso jornal depois de mais uma corrida matinal, ainda e sempre alto e esguio.
«Tosco? Ah, ah, ah. Aprendi a fintar com o Nuno Gomes e o João Vieira Pinto, melhorei muito nos dois anos e meio em que joguei no Benfica. Acho que fui um bom avançado, muito forte fisicamente. Sabem porquê? Porque antes de ir para o Benfica fui Navy Seal no exército sueco. Faltaram-me mais golos e títulos na Luz. Acredito que, por isso, os adeptos não tenham boas recordações minhas.»
Martin Pringle, avançado do Benfica de 1996 a 1998, uma conversa carregada de orgulho e humildade, ou não tivesse sido ele um fuzileiro.
MARTIN PRINGLE NO CAMPEONATO:
. 1996/1997: 15 jogos/3 golos (3º lugar)
. 1997/1998: 14 jogos/2 golos (2º lugar)
. 1998/1999: 12 jogos/1 golo (3º lugar)
TOTAL: 41 jogos/6 golos
TROFÉUS: nada a assinalar
Maisfutebol – Martin, como vai a vida aí na Suécia?
Martin Pringle – Muito fria, nada a ver com o meu sol no Estoril (risos). Estou a acabar agora o meu jogging matinal, por isso não se surpreenda se eu estiver a arfar ainda um bocado.
MF – Está registado. Podemos começar pelo fim? Vimos que jogou agora em dezembro um torneio com antigos colegas do Benfica.
MP – A culpa é do Paulo Madeira, foi ele que me convidou. Mantenho uma grande amizade com ele. Estavam lá o Nuno Gomes, o Nuno Assis, o Ricardo Rocha, o Paulo… eh pá, foi emocionante voltar a vestir a camisola do Benfica, 20 anos depois. Saí em dezembro de 1998 para o Charlton e em dezembro de 2018, aqui estou eu.
VÍDEO: dois golos de Martin Pringle ao Leça
MF – Continua em boa forma?
MP – Nem por isso, já estive melhor. Nos últimos dois anos estive a treinar uma equipa de futebol feminino na Suécia, o Eskilsminne IF, com grande sucesso. Mas acabei por descurar um bocado o meu treino pessoal. Trabalho há 15 anos como treinador, já fui adjunto do FC Copenhaga e nos últimos tempos treinei mulheres.
MF – É muito diferente de trabalhar com uma equipa masculina?
MP – É só futebol, é parecido. A grande diferença tem a ver com a velocidade do jogo. Mas as minhas ideias são as mesmas de sempre. Gosto de equipas equilibradas, capazes de ter a bola, mas também que saiba baixar o bloco e ser compacta nos momentos certos. A minha equipa técnica fez um trabalho ótimo e é surpreendente não ter convites nesta altura. Já tirei a licença «Pro» da UEFA há dez anos.
MF – Diga-nos lá como foi voltar a estar no balneário com esses antigos jogadores do Benfica.
MP – Continuamos a atirar coisas uns aos outros. Fizemos as brincadeiras de sempre, as palhaçadas do costume. Agora somos mais velhos e tudo parece mais patético (risos). Continuo a seguir os resultados do Benfica, porque adorei jogar e viver em Portugal. Adorei estar com esta malta e recordar os anos 90.
MF – Falemos então sobre eles. Chegou ao Benfica em 1996. Foi uma escolha do treinador Paulo Autuori?
MP – Não sei quem me escolheu. Eu jogava no Helsingborgs e nessa pré-época jogámos contra o Benfica. Eu estava a jogar o melhor futebol da minha carreira e fiz dois golos. Sei que alguém do Benfica falou com o Mats Magnusson, antigo avançado do Benfica e adjunto do Helsingborgs nessa altura, e ele aprovou o meu nome. Nessa fase, ainda antes de assinar pelo Benfica, joguei duas vezes pela seleção da Suécia e marquei um golo. Estamos a falar da geração que esteve no Mundial de 1994 e conseguiu o terceiro lugar. Depois cheguei ao Benfica e nunca mais fui chamado.
MF – Confirma que no Helsingborgs era defesa central e que foi contratado por engano para ponta-de-lança?
MP – Mentira, mentira, mentira.
MF – Qual é a verdade?
MP – Comecei a jogar futebol aos sete anos, logo como avançado. Joguei sempre a ponta-de-lança até interromper a minha carreira. Estive um ano nos Navy Seals da Suécia, a cumprir serviço militar, entre os 18 e 19 anos. Quando voltei ao futebol fui para um clube pequeno [Stenungsunds IF] e aos 23 anos dei o salto para o Helsingborgs. Só nessa altura é que fui jogar na defesa. Por isso, antes de jogar no Benfica fui Navy Seal, defesa central e ponta-de-lança.
MF – Por opção do treinador?
MP – Sim, ele falou comigo e disse que precisava de velocidade e físico no centro da defesa. Fiz dois anos como central e fui sempre o segundo melhor marcador da equipa. No terceiro ano no Helsingborgs voltei ao meu lugar de ponta-de-lança. Lutámos pelo título, marquei 15 golos, cheguei à seleção e ao Benfica.
MF – Sentiu dificuldades na mudança da Suécia para Portugal?
MP- Socialmente… acho que não. Sempre fui um tipo fácil, relaxado, toda a gente se dava bem comigo. Mas tive problemas de adaptação ao estilo de futebol do Benfica. Cheguei e percebi o que era, de facto, um jogador de topo. Nos treinos era incrível ver a qualidade técnica dos meus colegas. O João Vieira Pinto, o Panduru, o Hugo Leal, o Valdo… a bola andava com uma velocidade impressionante, de pé para pé.
MF – Sentiu-se inferior a eles?
MP – Sim, tecnicamente sim, estava atrás de todos. Percebi que para jogar tinha de trabalhar no máximo e destacar-me pela parte física. Na Suécia o futebol era direto, bolas pelo ar, choque, e eu adorava jogar assim. De repente chego ao Benfica e o treinador Paulo Autuori pedia-me receções, toques de primeira, dribles… tentei compensar a falta de técnica com o meu físico. Mas melhorei muito nesses anos e aprendi a fintar com o Nuno Gomes e o João Pinto.
MF – Em dois anos e meio só marcou oito golos no Benfica. Para um avançado, o registo não é brilhante.
MP – Era quase impossível ser titular. Depois ainda vieram o Nuno Gomes, o Brian Deane, o Cadete, o Saunders… Fui jogando com alguma regularidade, o problema é que nesse período o Benfica estava atrás do FC Porto. Eles eram muito superiores e ninguém no Benfica aceitava isso. Quando os recebíamos na Luz, o ambiente era de verdadeiro ódio. Ainda bem que eu ainda não tinha chegado quando o Benfica perdeu 5-0 em casa na Supertaça.
MP – Falavam disso no balneário?
MP - Era humilhante. O maior clube português não ganhava nada. Tínhamos bons jogadores, mas o trono era do FC Porto. A pressão sobre nós era enorme, tínhamos a obrigação de ganhar e não conseguíamos. No balneário, principalmente os jogadores portugueses, falavam sempre dos nossos adeptos e do que eles sofriam ao ver tantas derrotas contra o FC Porto.
MF – Essa instabilidade desportiva fez com que trabalhasse com vários treinadores.
MP – O Paulo Autuori demitiu-se pouco tempo depois de eu chegar. Nessa altura eu ainda não falava português e não percebi bem o que se passou. Foi tudo rápido e surpreendente. Chamaram o Mário Wilson, o velho capitão. Um paizão, que grande homem! Ele fez com que eu me voltasse a divertir no futebol.
MF – E depois veio o Manuel José.
MP – Muito rígido, duro. Pensei que seria bom para o meu futebol e até joguei bastante com ele. Mas foi com o Mário Wilson, que voltou depois de o Manuel José sair, que tive a melhor fase no Benfica. Infelizmente o paizão Wilson ficava só de passagem. No final da época disseram-nos que o novo treinador seria o Graeme Souness.
MF – O Martin ficou seis meses com ele. Não correu bem?
MP – Ele trouxe muitos jogadores novos, mas comigo foi sempre honesto. Dizia-me aquilo que tinha de fazer, como devia treinar, o que pretendia de mim. O Sounesse fez um bom trabalho, na minha opinião.
MF – Mas a meio da época o Martin saiu para Inglaterra. Porquê?
MP – Porque não sou estúpido. Com o João Pinto, o Nuno Gomes, o Cadete e o Dean Saunders, eu passava a ser a quinta opção para o ataque. Falei com o Souness, pedi para ser emprestado e ele arranjou um contacto no Charlton. Foi o melhor para todos. Por um lado tive pena, porque andei dois anos a adaptar-me ao estilo português e de repente voltei ao mesmo. Jogar na segunda divisão de Inglaterra era o mesmo que jogar na Suécia: pancada e bolas pelo ar.
MF – Deixou bons amigos no balneário do Benfica?
MP – Sim, acho que sempre fui um tipo bem disposto. O Paulo Madeira e o Michel PreudHomme eram meus grandes amigos. Adorei viver em Lisboa e já voltei várias vezes de férias.
MF – No Benfica falavam-lhe muito dos outros suecos, anteriores a si?
MP – O senhor Shéu fez questão de me contar tudo sobre o Benfica quando cheguei. Thern, Schwarz, Stromberg, Magnusson… eu fui o primeiro sueco que não era louro (risos).
MF – Falta perguntar-lhe quem foi o melhor jogador que apanhou no Benfica.
MP – Ufa, difícil responder. O João [Pinto] e o Nuno [Gomes] ensinaram-me a fintar e a tratar bem a bola. Se calhar merecem o meu elogio, não [risos]?
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