De 1986 a 1988, o avançado zairense destroçou defesas e desfez guarda-redes. Até os melhores. Nome mítico em Guimarães, recorda uma campanha heroica na UEFA e a final da Taça contra o FC Porto
DESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.N´KAMA:
V. Guimarães, 1986 a 1988; E. Amadora, 1988/89; Sp. Covilhã, 1989/90; Olivais e Moscavide, 1990/91; Alferrarede de Abrantes, 1991/92; Santa Maria de Barcelos, 1992/93
Era uma estátua de ébano. Músculos e fibra em 184 centímetros de força bruta. Locomotiva imparável, um colosso no ataque do melhor Vitória Guimarães da história: eis Monduone N´Kama.
Esse Vitória, de 1986/87, acaba o campeonato nacional na terceira posição – atrás de Benfica e FC Porto – e atinge os quartos-de-final da Taça UEFA. Mais do que isso, luta pelo título ombro a ombro com dragões e águias.
O papel de génio é para Ademir Alcântara. O de matador para Paulinho Cascavel. O cérebro é N´Dinga. O bombista dá pelo nome de N´Kama.
N´KAMA: «Fui para o Benfica e acabei no Vitória»
Qualquer bola parada depois da linha de meio-campo equivale a um sinal de perigo para as balizas contrárias. N’Kama enche o corpulento torso de ar, sprinta para a bola como se fosse Bem Johnson e, sempre com a parte exterior do pé, lança torpedos, mísseis, bombas.
O Maisfutebol
«Até o grande Vitor Damas apanhei»
«Esse foi para aí a 50 metros, em Guimarães. Ganhámos 3-1 [a 28/12/1986]. O Damas voou, voou, mas ninguém segurava as minhas bombas»
As imagens batem certo com as palavras do potente N’Kama:
N´Kama recebe a taça relativa ao melhor golo da temporada, o Troféu Viva o Golo, das mãos de Eusébio.
«Já no Zaire [atual Rep. Dem. Congo] era igual. Nasci com as pernas grossas e muita força. Joguei no Vita Club, o maior clube do meu país, e nos treinos as pessoas até fugiam quando eu rematava»
Esse golo ao Sporting é o mais famoso de N´Kama, mas está longe de ser exemplar único.
«Marquei dez golos na primeira época em Portugal. Foram quase todos de livre. As minhas bombas só não acertavam no castelo»
No blog
Flashback (86/87) 2-1 ao Rio Ave
N’Kama faz 35 jogos no ano dourado do Vitória, mas só 13 na condição de titular. «Eu era a arma secreta do Marinho Peres», reage o antigo avançado.
«Adorava a camisola 16 e adorava entrar e resolver os jogos»
Há outros dois jogos que N´Kama faz questão de recordar. Um contra o Fafe, para a Taça de Portugal - «marquei três golos e ganhámos 3-0»
«Entrei e marquei o segundo golo. Que bomba! Ganhámos 0-2. Tornei-me também famoso a fazer lançamentos laterais: aquilo eram verdadeiros cruzamentos feitos com a mão»
Os números de N´Kama em Portugal:
. 1986/87: V. Guimarães, 35 jogos, 10 golos oficiais
. 1987/88: V. Guimarães, 25 jogos, 3 golos
. 1988/89: Est. Amadora, 2 jogos
. 1989/90: Sp. Covilhã, 23 jogos, 2 golos
. 1990/91: Olivais e Moscavide, 18 jogos, 4 golos
. 1991/92: Alferrarede
. 1992/93: Santa Maria
N´Kama nunca se torna titular indiscutível no Vitória Guimarães. É, no fundo, a réplica perfeita de Juary (FC Porto) no que diz respeito à gestão de tempo de jogo. Importante, sim, mas gerido minuciosamente.
«O Marinho adorava-me. Tratava-me por menino, falava comigo nos treinos, explicava-me as opções. Nunca fiquei chateado por não ser titular com ele»
Na excecional campanha europeia, o Vitória ultrapassa Sparta Praga, Atlético Madrid, Groningen e só cai aos pés do Borussia Monchengladbach. A eliminação ocorre já em março de 1987, na fase final da época.
Marinho Peres acaba por sair, chega António Oliveira e N´Kama começa a nova temporada a marcar e [raridade!] a jogar os 90 minutos. O ano corre mal ao clube, há mudança de treinador, o bombista zairense começa a deixar de marcar e em 1988 muda-se para o Estrela da Amadora.
Antes, porém, ainda disputa a final da Taça de Portugal contra o FC Porto. Mais 90 minutos de N’Kama e derrota por 1-0.
«Podia ter feito dois golos. Foi o meu último jogo pelo Vitória. Saí triste»
Na Reboleira, ninguém fica a conhecer o verdadeiro N´Kama. Faz só dois jogos como suplente utilizado. O Maisfutebol
«O treinador era o João Alves. Não batia bem comigo. Nos anos anteriores, estava ele no Boavista e depois no Leixões, pegávamo-nos sempre nos jogos. Pensei que isso estava resolvido, mas cheguei lá e vi que não. Nunca gostou de mim, era banco, banco, banco»
Daí em diante, a carreira é feita sempre em forma descendente. Sp. Covilhã (II Divisão), Olivais e Moscavide, Alferrarede (distritais de Santarém) e Santa Maria (distritais de Braga). O bombista passa a ser um pacifista nato, pouco disposto a sacrificar quem quer que seja.
«Perdi a vontade, o desejo. Acabei em 1993 de jogar e nunca mais voltei ao futebol. Passo os dias com a família que adoro e a falar com os amigos no café. Só aos domingos calço as sapatilhas e jogo à bola com colegas»
Em baixo: Adão, René, Kipulu, Ademir e Jesus