Os dias estão escuros e curtos e sinto-me deprimido. Depressão sazonal não é um mito (saiba como combatê-la)

CNN Portugal , FMC
29 out 2022, 12:00
Tristeza pode ser sinal de alerta

A falta de luz solar pode afetar profundamente o humor e estado de espírito e, com a chegada do outono e do inverno, pode desencadear uma depressão

O tempo de outono chegou. Os dias longos, quentes e soalheiros do verão dão agora lugar a dias curtos, frios e escuros. Como um reflexo do estado do tempo, há quem padeça, nesta altura, de um sentimento generalizado de tristeza. Para quem o sinta por mais do que uns dias, pode sofrer de depressão sazonal.   

Em explicações à CNN Portugal, as psicólogas clínicas Débora Bento Correia e Filipa Jardim da Silva afirmam que o também denominado “transtorno afetivo sazonal”, como o nome indica, “é um tipo de depressão que está intimamente relacionada com a mudança de estação”.   

Nos meses de outono e inverno, a menor exposição solar pode desencadear este fenómeno, “ainda que a origem não seja totalmente clara”, como destaca Filipa Jardim da Silva. Quando a rotina diária começa a ser marcada por acordar quando ainda é noite e sair do trabalho com cenário igual, sendo "reféns" da luz artificial, a probabilidade de se sentir mais deprimido é maior.  

Recorde-se que, na madrugada deste sábado para domingo, a hora muda em Portugal.

“A luz influencia o relógio biológico, o ciclo circadiano (ritmo do nosso corpo)”, começa por explicar Débora Bento Correia. Além disso, acrescenta Filipa Jardim da Silva, a luz afeta diretamente “a produção de serotonina e melatonina no cérebro, dois importantes neurotransmissores”.  

“À medida que a luz natural diminui, o organismo aumenta a produção da hormona de melatonina – hormona responsável pela indução do sono”, explica Débora Bento Correia, o que leva a que nestes meses, com noites mais longas e dias mais curtos, os níveis da melatonina aumentem, o que se traduz “numa sensação de cansaço e falta de energia” ao longo do dia.   

Por outro lado, a falta de luminosidade afeta a produção de serotonina, “o neurotransmissor que impacta diretamente no humor”, clarifica a especialista. Com a redução deste neurotransmissor, “aumenta a probabilidade de as pessoas se sentirem tristes e deprimidas ou até irritadas”, esclarecem.  

A falta de luz solar afeta ainda a produção de vitamina D, que, por sua vez, “impacta a produção de serotonina” e, consequentemente a regulação do humor, nota Débora Bento Correia.  

A mudança nos tempos de luz pode também afetar a “adaptação do corpo a uma determinada rotina do dia e horas de sono”, o que desequilibra o relógio biológico, afirma a psicóloga Filipa Jardim da Silva. 

Além disso, as condições meteorológicas típicas destes meses conduzem habitualmente a alterações de comportamento, como um maior isolamento, menor tempo de exposição ao ar livre, menor número de atividades físicas e sociais, fomentando este tipo de depressões.  

Quais os sintomas? 

Mais do que uma sensação de maior cansaço e tristeza nos meses mais frios do ano, existem outros sinais que apontam que se pode estar perante um quadro clínico depressivo. As psicólogas sublinham que os sintomas são partilhados com os da depressão. Porém, neste caso, “estão mais limitados no tempo” e podem ser experienciados “com menor intensidade”.   

Essencialmente, a depressão sazonal caracteriza-se por “alterações no sono e apetite, fadiga constante, irritabilidade, oscilações de humor, dificuldade de concentração, sensação de vazio e falta de valor, ansiedade e perda de interesse em atividades que anteriormente eram prazerosas”, elencam.  

Todos os minutos do sol devem ser aproveitados 

Esta perturbação é mais comum para pessoas que vivam em países do hemisfério norte, sendo que quanto mais a norte, maior é o risco de sofrer com as alterações das estações, visto que o tempo de luz diária é mais residual, como assinala o Instituto Nacional de Saúde Mental norte-americano.   

Portugal, localizado acima da linha do Equador, engloba-se neste grupo. Contudo, pelo facto de ser “bastante soalheiro, este tipo de depressão não atinge valores preocupantes”, sublinha Débora Bento Correia. Ainda assim, Filipa Jardim da Silva alerta que Portugal “é um dos países que está entre os europeus com maior prevalência para a depressão, pelo que poderá constituir um fator de vulnerabilidade o agravamento de sintomas nesta época do ano. Fragilidades pré-existentes podem agravar-se".  

Como tal, para quem sinta que pode sofrer desta patologia ou sinta que os sintomas já existentes se tornam mais intensos por causa das alterações meteorológicas, importa adquirir estratégias de gestão e combate, assim como hábitos de prevenção, atentam as psicólogas.  

Acima de tudo, é fundamental desfrutar ao máximo do sol que o nosso país oferece. “Garantir alguma exposição solar diariamente, seja diretamente com uma breve caminhada ao ar livre, seja indiretamente, com abertura das janelas de casa e do local de trabalho, para que entre o máximo de luz natural”, é crucial, notam as especialistas.  

Além disso, importa adotar “uma rotina de sono e de refeições definida, fazer exercício físico, garantir que se tem uma alimentação equilibrada, privilegiando alimentos ricos em vitaminas e minerais e não tão saturados em gordura ou açúcar, manter uma vida social ajustada sem isolamentos e contrariando a vontade de estar fechado em casa”, aconselham as médicas.

Filipa Jardim da Silva recomenda ainda que sejam “asseguradas práticas de higiene psicológica, com momentos de auto-observação ao longo do dia em que as pessoas se permitam a nomear e explorar pensamentos, emoções e sensações físicas presentes, exercícios que fomentem a atenção plena e ativação dos sentidos”.  

Psicoterapia pode ser crucial  

Se tal não for suficiente e os sintomas forem demasiado avassaladores e se perpetuem durante muito tempo, “a psicoterapia e, em alguns casos, a medicação, podem ser fundamentais para ultrapassar este quadro”, rematam.   

“A psicoterapia é de resto uma boa prática não só para gerir mal-estar, mas também para promover recursos potenciadores de bem-estar e assim prevenir reincidências. É neste espaço que com frequência se ganha perspetiva sobre os fatores de manutenção deste tipo de perturbações e se conquistam estratégias que permitem uma melhor gestão de stress”, evidencia Filipa Jardim da Silva. 

Apesar de ser uma depressão que se cinge, normalmente, a um determinado período de tempo e que pode ser atenuada ou desaparecer com a mudança de estação, “é fundamental que se trate de forma adequada para que não evolua para um quadro pior”, alerta Débora Bento Correia.

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