opinião
Correspondente nos Estados Unidos da América

As Olimpíadas da vergonha

9 fev 2022, 09:22

A China mostra o seu pior nas Olimpíadas de Inverno: continuada opressão de todas as liberdades, que Pequim tenta esconder atrás de uma mensagem “fofinha” de harmonia mundial. O Comité Olímpico Internacional é cúmplice. Donald Trump bate palmas.

Em Dezembro do ano passado, a administração do presidente Joe Biden anunciou que os EUA não enviariam representantes de alto nível à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim.

Foi uma das formas de protesto escolhidas por Biden contra o tratamento selvagem da  escravizada minoria muçulmana Uigure, o esmagamento de todos os sinais de democracia e liberdade de expressão e imprensa em Hong Kong, as ameaças militares a Taiwan e o tratamento intimidatório e vexatório da estrela chinesa de ténis Peng Shuai quando denunciou ter sido violada sexualmente por Zhang Gaoli, alto funcionário comunista e ex-dirigente olímpico. Tudo isto acontece à sombra da reafirmação da China como estado todo poderoso e ainda mas autoritário, sob a presidência de Xi Jinping.

A isto respondeu Donald Trump, que os Estados Unidos cometeram um “erro horrível” por não enviarem altos dignitários a Pequim. E rematou, referindo-se a Xi com estas palavras: “Eu acredito, verdadeiramente, que ele gostava de mim. Eu gostava dele. Ele é um assassino, mas eu tinha uma grande relação com ele”. Pouco mais se pode acrescentar a tão vil profissão de fé.

O Comité Olímpico Internacional (COI) e o seu rastejante presidente, Thomas Bach, não estão muito longe de Trump, por exemplo, no que respeita ao caso trágico da tenista Peng Shuai. Bach predispôs-se a ser um acessório de Pequim no embuste criado em redor da triste história que a envolveu, ao denunciar uma verdade proibida: Peng queixou-se de violação sexual, desapareceu,  foi intimidada pelo regime, regressou para dizer que tudo não passa de um mal entendido, afirmou numa entrevista controlada que nunca disse ter sido violada (disse, sim) que está tudo bem e jantou com Bach que se prestou assim, qual selo de qualidade, a dar cobertura à versão oficial chinesa. A principal organização desportiva mundial dá cobertura ao achincalhamento e humilhação de uma das principais desportistas chinesas. Com amigos destes, ninguém precisa de inimigos.

Não há países perfeitos. Mas há países que fazem questão em exibir, orgulhosamente, a sua crueldade. Emprestar-lhes o manto diáfano do espírito olímpico, como faz o COI, é uma traição desse mesmo espírito.

Essa traição é óbvia na tragédia dos Uigures, de Xianjiang, muçulmanos com ligações étnicas e culturais à Ásia Central que a China tenta, há décadas, subjugar. Encontrando resistência à renovada opressão comunista no seio da comunidade muçulmana de Xianjiang, Pequim apertou-a com mão de ferro. Todos os muçulmanos passaram a ser tratados como potenciais terroristas e a viver sob vigilância constante por sofisticados meios electrónicos. A China diz ter detido 13 mil “terroristas”. Mais de um milhão de pessoas foram enviadas para “campos de reeducação”, onde são sujeitas a sevícias, separação de pais e filhos, e morte em números nunca revelados oficialmente.

O COI de Thomas Bach passou os últimos 12 meses a aquiescer à ideia de que um genocídio não deve atrapalhar os planos de uma organização dedicada  a preservar a dignidade humana e construir um mundo melhor com base na solidariedade e fair play. Foi, certamente, nesse espírito, que uma atleta de etnia uigure foi escolhida como peão deste jogo indecoroso, para acender a chama olímpica, tendo-se o COI oferecido para defender a China, alegando que a etnia da atleta não determinou a sua escolha para aquele gesto carregado de simbolismo.

O regime, de cujo líder Trump se gaba de ser amigo, cria ainda zonas de isolamento, como as antigas gafarias, para regiões com índices elevados de infecção com Covid-19. O regime fecha cidades com milhões de pessoas deixando-as isoladas por causa da sua política de “zero Covid”: os residentes são humilhados, perdem acesso a alimentos, medicamentos e até tratamentos para o cancro. Já antes, quando a epidemia se declarou em Wuhan, a cidade de 11 milhões de pessoas foi isolada do resto do Mundo, sem defesas, sem se saber, ainda, a extensão e gravidade da Covid, e Pequim a dizer que morreram “apenas” 3,800 pessoas em todo o país. Nada disto parece incomodar o COI.

O sucesso comercial das olimpíadas que anima o Comité é importante, mas o dinheiro não é tudo. Os danos que Thomas Bach e o seu COI causam ao movimento olímpico são profundos e possivelmente irreparáveis. A vergonha destes dias será difícil de lavar.

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