opinião
Correspondente nos Estados Unidos da América

Quem são os novos Neville Chamberlain?

17 jan 2022, 08:06

O que se passa na Ucrânia não tem a ver com a Ucrânia mas, sim com ambições nacionalistas mais vastas da Rússia de Vladimir Putin. O seu alvo não é Kiev, mas todo o Ocidente democrático. O pior ainda pode estar para vir.

Numa conversa, na semana finda, com Júlio Magalhães, no Jornal da CNN, abordamos a possibilidade de um confronto militar na Europa, provocado pela Rússia. Esta possibilidade, por leve que seja, é chocante, mas não deve ser ignorada.

Vladimir Putin deixou claro, há vários anos, que tencionava manter-se no poder restaurando o nacionalismo de um país envergonhado pelo colapso da União Soviética, ou URSS.

A União Soviética, foi uma forma de a Rússia agregar em seu redor estados tampão – as repúblicas soviéticas – verdadeiras zonas de interposição com o resto do Mundo, sobretudo o Ocidente, a que juntou países do leste europeu, no Pacto de Varsóvia.

A Rússia não é uma grande potência – é uma potência grande. Mas a veia militarista de Putin é uma ameaça para levar a sério. Recentemente, ameaçou responder com medidas “técnico-militares” a “actos “inamistosos” do Ocidente e na semana passada reiterou essas ameaças. Actos “inamistosos” são uma bitola muito baixa para atacar adversários mas a ameaça está feita.

A maioria das atenções estão concentradas na fronteira da Rússia com a Ucrânia, porque é ali que Putin encontra o pretexto mais óbvio para uma acção ofensiva que vastos sectores da sua opinião pública ultra-nacionalista possa apoiar e com quem, há anos, tenta melhorar relações.

Quando a Alemanha de Hitler anexou a Áustria e invadiu a então Checoslováquia, também recorreu, como Putin hoje na Ucrânia, à existência de minorias alemãs que estavam a ser maltratadas. A anexação, pela Alemanha nazi, da região Sudeta, que parecia o fim da linha, foi o princípio do pesadelo conduzindo a uma invasão total da Checoslováquia no ano seguinte.

Os 100 mil soldados russos estacionados na fronteira com a Ucrânia, onde a Rússia já anexou a Crimeia e lançou uma “república” secessionista, são o que, no imediato, suscita preocupação. Mas as ameaças russas contra, por exemplo, a Suécia (e o Báltico) e a Polónia (cujo governo, num absurdo surreal, se colocou ao lado de Trump, lacaio mental de Putin, seu inimigo), a invasão da Geórgia e o fomento da instabilidade na Arménia e Moldávia, fazem parte de uma intenção mais vasta de reatar a Guerra Fria da segunda metade do século passado.

Quanto mais as aventuras de Putin prosseguem sem resposta mais ele se convence de que pode actuar com impunidade.

O Ocidente tem demonstrado pouco ou nenhum interesse num confronto militar com a Rússia, ameaçando Moscovo com graves sanções económicas e financeiras e medidas defensivas vagas. Se Putin acredita que as atitudes ocidente são um bluff e as sanções uma fraqueza adversária, pode estar a um passo de um trágico erro de cálculo.

O Ocidente pouco fez para conter Putin, de facto. Anos de agressões militares contra estados soberanos que outrora integraram a URSS foram recebidos com declarações ocas e promessas pusilânimes. Assim como Neville Chamberlain, abriu as portas do resto da Europa a Hitler, no Acordo de Munique de 1938, a NATO de hoje poderá estar a fazer o mesmo com Vladimir Putin, se não conseguir persuadi-lo de que está disposta a confrontá-lo com a mesma firmeza com que ele a desafia.

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