IL é o único partido que defende o fim do dia de reflexão. PCP, Livre e PSD querem mantê-lo. Os demais querem ponderar

8 mar, 11:53
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Pelas 00:00 deste sábado as eleições vão desaparecer da comunicação social - em pleno 2024, pode falar-se de eleições em todo o sítio menos nas rádios, nas televisões, nos jornais e nos sites de informação. No Facebook, no Instagram, no Threads, no WhatsApp, nos cafés, nos quiosques, nas ruas, nas casas, nos campos de futebol, nos eventos de andebol, etc. - aí as eleições continuam a existir. Faz sentido? Outra questão: há uma semana milhares de pessoas votaram sem dia de reflexão - fez sentido?

Arruadas, comícios, comunicados, cartazes, vídeos nas redes sociais, entrevistas, debates, reportagens, investigações, opiniões. Vale tudo numa campanha eleitoral, mas só até às 23h59 de sexta-feira. O sábado é para refletir. Mas faz sentido manter este dia de reflexão numa altura em que o acesso a qualquer informação - nova ou velha - está à distância de um clique, de um scroll ou de uma box que permite passar a emissão para trás? A resposta não é consensual, nem mesmo quando milhares de cidadãos - 90% de 208 mil, mais concretamente - votaram em plena campanha eleitoral e horas depois de António Costa se ter juntado à comitiva de Pedro Nuno Santos.

Da parte dos partidos, o tema não é consensual: apenas a Iniciativa Liberal defende o fim do dia de reflexão, tendo mesmo essa proposta no seu programa eleitoral, o PS, o BE e PAN admitem uma reflexão sobre o tema, já o PCP, Livre e o PSD defendem a sua continuidade. O Chega não respondeu.

Já em 2021, a IL entregou um projeto que acaba com o sábado de reflexão anterior a qualquer ato eleitoral, noticiou o Diário de Notícias. No seu programa eleitoral (página 142), o partido de Rui Rocha diz que “a norma em vigor viola o princípio da igualdade, tornando-se ainda mais obsoleta quando milhares de eleitores optam pelo voto antecipado, seja por correspondência, seja presencial”.

Em 2021, Pedro Delgado Alves, do PS, afirmou que os socialistas não se opõem “a que se repense o dia de reflexão”, como avançou a Lusa. A CNN Portugal sabe que Pedro Nuno Santos partilha da mesma opinião, defendendo que, no atual contexto, pode já não fazer sentido. Também o Bloco de Esquerda defende que “é uma questão que deve ser ponderada”, assim como o PAN: “Não nos opomos a que se debata o fim do dia de reflexão. No voto antecipado também há campanha e as pessoas vão votar na mesma”.

O PCP, por exemplo, é contra o fim deste dia. “Não vemos razões para alteração da lei”, respondeu o partido através do seu gabinete de imprensa. O Livre e o PSD também são favoráveis à sua continuidade, usando os dois o mesmo argumento: “é um ritual da democracia”. 

“Não é claramente um problema, mas é um ritual na nossa democracia. Faz sentido mantê-lo, até para fomentar a participação do que um dia de campanha com toda a dinâmica do debate, que acaba por ter um efeito contrário”, disse Luís Montenegro no debate das rádios. “Sim, concordo com um dia sem campanha antes do dia de eleições. Permite a milhares de pessoas envolvidas em campanhas descansar e a outras milhares preparem-se para o trabalho no dia das eleições (mesas de voto). É um ritual da democracia a manter”, escreveu Rui Tavares à CNN Portugal.

Da parte de Marcelo Rebelo de Sousa, que este ano votou antecipadamente, o dia de reflexão deveria ser pensado e já o disse por duas vezes: em 2022 e este domingo.

Refletir, sim. Como? Eis a questão

“A questão é mais se faz sentido ou se é realista”. Pedro Silveira, politólogo e professor de Ciência Política na Universidade da Beira Interior, é apologista da reflexão e de um dia dedicado a esse fim, “principalmente numa época em que estamos inundados de informação e temos pouco tempo para refletir sobre a informação que consumimos”. Mas esta, diz-nos, é “a teoria”, porque, na prática, mesmo com as caravanas estacionadas e os meios de comunicação mudos sobre o tema, é impossível a pessoa não continuar bombardeada com informação sobre política, partidos e eleições. 

“A razão da origem do dia de reflexão já não se aplica, eu veria utilidade na existência de um dia em que as pessoas não estivessem tão inundadas de propaganda política. A questão é se é realista existir. E aí acho que não. Na prática não”, diz, dando o exemplo do voto antecipado, que foi a escolha de centenas de milhares de pessoas não só nestas eleições como nas de 2022.

Embora reconheça que “hoje em dia é perfeitamente impossível controlar o processo comunicativo”, Vasco Ribeiro, politólogo e doutorado em comunicação política, defende que “o dia de reflexão faz sentido porque separa o ataque político que causa ruído” do momento em que a pessoa se prepara para ir votar. 

Mesmo com um elevado número de portugueses a optar por votar em mobilidade, Vasco Ribeiro defende que a “maioria” continua a ir às urnas no dia das eleições e, por isso, o dia de reflexão nos moldes atuais - sem campanha e notícias - continua, a seu ver, a fazer sentido. “Sou a favor de, no dia antes do dia de maior votação, haver um interregno, os partidos pararem a investida de propaganda, algo que permita o cidadão olhar para a televisão e para telemóveis sem esta política toda”, explica, dizendo mesmo que “quanto mais potenciamos períodos de reflexão e silêncio de mensagens políticas, melhor”.

Uma posição contrária tem a constitucionalista Raquel Brízida, que lembra que o dia de reflexão não está consagrado enquanto tal na legislação - consta na lei eleitoral e a sua violação pode ser um ilícito eleitoral punível. 

“Hoje em dia a pessoa pode controlar o dia, o momento e a hora a que acede a um conteúdo, não tendo o Estado meios de condicionar, não faz sentido que [a violação do dia de reflexão] seja um ilícito eleitoral”, continua, defendendo ainda que há “consequências sancionatórias” e que, na sua criação, o dia de reflexão, “esta proibição de propaganda”, como classifica, “deveria ajudar os portugueses de refletir, mas os portugueses são maiores e vacinados para saber quando e como querem refletir”.

“Faria sentido na altura em que a lei eleitoral foi elaborada, agora confesso que não vejo qualquer utilidade”, vinca a constitucionalista.

Para Pedro Silveira, deixe ou não o dia de reflexão existir, o importante, defende, é que as pessoas criem o hábito de refletir, seja em que dia for, de que forma for. “Deveria-se cultivar uma cultura de reflexão nos últimos dias de campanha, independente de haver essa norma ou não. Devia-se promover uma reflexão mais pausada, mais longe das redes e da televisão, da propaganda, da inundação que tivemos de debate”. Mas isso, reconhece, depende de cada um, mas deveria ser um hábito: “cada pessoa deveria parar um pouco nestes dias agitados para fazer essa reflexão”. Até porque, diz, “o que os dados mostram é que há uma percentagem muito elevada de portugueses que decidem a intenção no próprio dia e na véspera”, podendo essa reflexão, imposta ou não, ser vantajosa.

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