O que Portugal tem a aprender com o caso da criança que NÃO morreu por causa da vacina covid

2 fev 2022, 00:26

Morte de criança de 6 anos que deu entrada em meados de janeiro no Hospital de Santa Maria não foi provocada pela vacinação contra a covid-19, de acordo com o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Sem adiantar mais detalhes, o instituto acrescentou que a informação já foi transmitida à família da criança. Ordem dos Médicos lamenta que os erros de comunicação cometidos pelas autoridades tenham favorecido aproveitamentos negacionistas (mesmo entre alguns médicos), presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia Pediátrica sublinha que tudo isto "alarma os pais, não gera tranquilidade nem conhecimento e segurança”

A forma como foi comunicada a morte da criança de seis anos no Hospital de Santa Maria, explicitando que o menor tinha sido inoculado com a primeira dose da vacina contra a covid-19, foi “explorada ao máximo por pessoas contra as vacinas” e “causou alarmismo desnecessário à população”. É esta a opinião de Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos, que acrescentou à CNN Portugal que o Santa Maria e a Direção-Geral de Saúde deviam ter explicado que o caso foi notificado ao Infarmed porque “é obrigatória essa comunicação ao abrigo do protocolo de vigilância ativa de novos medicamentos”.

Nesse seguimento, explica o bastonário, qualquer evento na saúde de um utente recentemente vacinado contra a covid-19 tem de ser obrigatoriamente comunicado à Autoridade Nacional do Medicamento, mesmo que à partida uma relação de causa-efeito pareça impossível. “Se uma pessoa tiver sido vacinada há uma semana e morrer devido a um acidente de carro, esse evento tem de ser partilhado com o Infarmed. O reporte é obrigatório”, diz Miguel Guimarães. Após ter essa informação, o Infarmed comunica-a às autoridades europeias.

Afirmando que “a Direção-Geral de Saúde e o Hospital Santa Maria comunicaram mal”, o Bastonário reitera que, ao não explicitar o protocolo com o Infarmed, as entidades de saúde provocaram dúvidas à população sobre a segurança das vacinas nas crianças. Por outro lado, Miguel Guimarães diz que a atuação do Instituto de Medicina Legal “foi boa por divulgar alguns dados da autópisa à criança e por desfazer qualquer ligação com a vacinação contra a covid-19”.

Também Maria João Baptista, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia Pediátrica, acredita que este caso mostra como as autoridades de saúde têm de ter cuidado com a forma de partilhar informações sensíveis. “É tão simples, transparente e límpido quanto isto: é preciso ter cuidado na forma como se faz a comunicação - se formos menos cuidadosos podemos causar alarmismo desnecessário”, afirma à CNN Portugal.

Referindo-se ao facto de a criança ter sido vacinada pouco tempo antes da sua morte, Maria João Baptista explica que a forma como o óbito do menor foi divulgado “pode ser interpretado de várias formas porque se está a fazer à priori uma ligação que não está provada”. Isto, continua, “alarma os pais, não gera tranquilidade nem conhecimento e segurança”.

Fátima Pinto, diretora do Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Marta, lembra que este foi um caso específico, com uma paragem cardiorrespiratória que ocorreu fora de ambiente hospitalar. É por isso mesmo que a médica sublinha que existem "critérios" que definem que os médicos envolvidos devem "preservar qualquer indicação diagnóstica e a dignidade de pais e da criança".

Ouvida pela CNN Portugal, a médica admite que toda a comunicação do caso "causou um alarmismo desnecessário", acrescentando mesmo que os serviços hospitalares foram inundados com telefonemas de pais com dúvidas e questões. É por isso que, segundo Fátima Pinto, a comunicação deve começar por referir uma morte após paragem cardiorrespiratória em casa, sendo a causa da morte desconhecida e estando sob investigação.

Miguel Guimarães reflete ainda sobre “a série de acontecimentos” que surgiram após a notícia ter sido divulgada no dia 17 de janeiro de 2022 e diz que a divulgação pública da morte do menor agiu como “propulsor” da carta aberta assinada por 27 médicos, entre eles Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, a pedir a suspensão da vacinação de crianças saudáveis e a pedir a reavaliação da segurança. 

“No fundo, a carta quase atribuiu à vacinação contra a covid-19 a responsabilidade da morte do menino de seis anos”, afirma Miguel Guimarães, destacando que a carta só faria sentido ter sido escrita se houvesse um elemento grave que justificasse a suspensão da vacinação, sendo que a forma como foi comunicado o óbito “precipitou” a sua divulgação.

Para o bastonário, este foi mais um caso que “suscitou dúvidas aos pais relativamente à segurança da vacina nas crianças” e sustenta que os conflitos e posições diferentes na comunidade médica “obviamente levaram a que o processo de vacinação de menores tenha sido um insucesso total”. “Menos de 50% das crianças estão vacinas num país em que mais de 90% dos adultos estão inoculados. Isto tem que ver com a comunicação e com a forma como o assunto foi debatido internamente”, conclui.

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