Covid-19. "Devemos andar na ordem dos 3.000/4.000 casos por dia"

30 nov 2022, 07:00
Covid-19

Especialistas acreditam que o número real de infetados em Portugal é muito superior ao divulgado pelas autoridade de saúde, em grande parte porque já quase ninguém faz testes

Os números atuais de casos positivos de covid-19 indicados pela Direção-Geral de Saúde (DGS) não são os reais. Na verdade, estão muito longe da realidade. Apenas os testes positivos efetuados em ambiente hospitalar ou centros de saúde são notificados. Um facto que torna mais difícil para os especialistas avaliarem a prevalência da doença no país. Todavia, apesar de difícil, não é impossível. As contas e variáveis são muitas, mas os números de infetados por dia, segundo os especialistas, mostram valores muito superiores aos oficiais: de um mínimo de 2.500 até quatro mil casos diários. 

A 30 de setembro, Portugal deixou de estar em "situação de alerta". Deixaram praticamente de ser feitos testes e o isolamento deixou de ser obrigatório. "Deixou de ser possível vigiar a pandemia pelo número de casos. Agora vigiamos pelo número de casos graves e pelo número de mortes", explica o matemático Carlos Antunes à CNN Portugal. O investigador, que se tem dedicado a esta área, não tem dúvidas em afirmar: "Devemos andar na ordem dos 3.000/4.000 casos por dia."

Atualmente, só são contabilizados como casos positivos os de "pessoas que fazem testes nos hospitais ou centros de saúde". "Ou seja, que dão entrada para alguma cirurgia ou ato médico. E é feito só para despistar", lembra. Por isso, de alguma forma, a redução do número de casos "é uma queda artificial porque só estamos a contabilizar uma parte da população que está infetada", esclarece Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ou seja, "não sabemos qual é a realidade, mas o número de casos será muito superior ao que é revelado".

E a verdade é que o número de casos vai voltar a baixar. Esta segunda-feira, a DGS voltou a mudar as regras da covid-19. Por exemplo, os testes deixam de ser recomendados a quem não tem sintomas e os internados passam a poder receber visitas.

No documento divulgado, a DGS clarifica que “a realização de teste para SARS-CoV-2 deve ser integrada no contexto da avaliação clínica e está indicada em pessoas com sintomas de infeção aguda das vias respiratórias”. Por isso, “a realização de testes em pessoas sem sintomas deixa também de ser recomendada, bem como em pessoas que não tenham sintomas e que necessitem de realizar intervenções como cirurgias ou exames”. Algo que era obrigatório até agora e que, inclusive, representava o número de casos contabilizados e indicados pelas autoridades de saúde.

Para avaliar a situação da pandemia no país, os especialistas olham, agora, para outros dados. "Nós que seguimos e analisamos a pandemia olhamos para outros indicadores que são mais robustos: as camas em cuidados intensivos e o número de mortes." No entanto, para Carlos Antunes, esses mesmos dados também mostram que "em termos de gravidade a pandemia está relativamente controlada".

"Queda completamente anormal do número de casos notificados"

Também o epidemiologista Manuel Carmo Gomes afirma à CNN Portugal que o problema da contabilidade dos casos "existe desde o dia 1 de outubro quando terminou o estado de alerta". "E nós assistimos a uma queda completamente anormal do número de casos notificados." Por isso, defende, "temos de introduzir factores para estimar qual é a incidência real".

"Temo-nos baseado numa coisa chamada letalidade, que é o risco de morrer a partir do momento em que se contrai a covid. A letalidade calcula-se dividindo o numero de óbitos pelo numero de casos", explica o especialista, acrescentando que "os óbitos estão aparentemente a ser acompanhados com o mesmo grau de rigor". E a comparação é feita com os valores "antes de dia 1 de outubro".

Mas não só. "Nós também temos os dados hospitalares e vamos acompanhando o número de pessoas que estão em enfermaria com covid e número de pessoas que estão nos cuidados intensivos." Os dados mais recentes, da semana passada, mostram, segundo Carmo Gomes, uma tendência de subida: "Têm vindo a aumentar devagarinho."

"Neste momento estamos com um média de 537 pessoas em enfermaria e uma média de 40 nos cuidados intensivos. Entre meio de outubro e a primeira semana de novembro, o número de pessoas em enfermaria variava entre 400 e 500. Passaram para cima de 500 a partir da segunda semana de novembro. Nos cuidados intensivos, entre outubro e novembro, andávamos entre os 30/40. E antes de outubro tínhamos menos de 30", indica.

Os números não se comparam, porém, "com o que aconteceu o ano passado e com a chegada da Ómicron, que parecia quase um vírus novo", ressalva. "Neste momento estamos com uma média de oito óbitos por dia, quando em setembro e outubro a média variava entre 6 e 7. Isto só acontece porque o número de casos também aumenta. As pessoas não começam a ser hospitalizadas se o número de casos não aumentar também", esclarece.

Para conseguir chegar a um valor mais próximo da realidade, os especialistas usam os números oficiais. Nos últimos sete dias, "eram 743 casos por dia, em média. Se multiplicarmos pelo nosso numero de amplificação mais recente - que está em 3,4 - isso vai dar 2.530 casos por dia". "É provável que seja superior. Digamos, é um limite mínimo", sublinha.

"Temos uma imunidade híbrida"

Perante uma subida de casos que não se reflete no aumento exponencial da gravidade, o matemático Carlos Antunes considera que os portugueses têm bons aliados: a vacinação e a exposição ao vírus. "Eu estimo que 75% a 80% da população portuguesa já teve contato com o vírus e há faixas etárias, por exemplo dos 10-39 anos, que estão na ordem dos 95% a 98%."

"Temos uma imunidade híbrida que é uma mistura da imunidade com anticorpos induzidos pela infeção e anticorpos induzidos pela vacina. Isso, provavelmente, talvez dê mais robustez e não estamos a ter consequências mais graves", observa.

Todavia, ressalva, "quem tem comorbilidades ou doenças pulmonares" deve "continuar a usar máscaras e a ter todo o cuidado". Um cenário que não se aplica à população em geral. "Mesmo que a pessoa seja infetada, a gravidade já não é o que era. Abaixo dos 65/70 anos, as pessoas que morrem são as que têm doenças graves."

Os especialistas continuam atentos aos exemplos de outros países e Carlos Antunes garante que "se houver uma situação, de uma subvariante que comece a causar gravidade, rapidamente os especialistas" irão dar o alerta. "Nós estamos a vigiar isso", garante.

"As pessoas são infetadas, reinfetadas e reinfetadas"

Apesar da elevada proteção da população portuguesa, os especialistas seguem com muita atenção todas as variantes e subvariantes que vão surgindo. O epidemiologista Carmo Gomes alerta que "estão a surgir várias subvariantes da Ómicron que escapam aos nossos anticorpos", mesmo que "não sejam mais patogénicas".

Para este especialista é certo que "continuamos protegidos de doença mais grave" e vamos continuar. A explicação é simples. "Temos várias linhas de defesa imunitárias e a segunda linha, que é aquilo que nós chamamos de imunidade celular, que são as células de memória, essas mantêm-se bastante protetoras. Mas as pessoas devem fazer a atualização vacinal para também reforçarem a primeira linha, que são os anticorpos. Estas novas subvariantes da Ómicron têm estado a evoluir de forma a evitarem os anticorpos."

"Não há evidências que sejam mais patogénicas do que a primeira Ómicron quando aqui chegou, mas isso são as boas notícias. As más noticias é que elas têm uma capacidade extraordinária de fugir aos nossos anticorpos. Por isso é que as pessoas são infetadas, reinfetadas e reinfetadas", sublinha Carmo Gomes.

Quanto ao cenário mundial, Carmo Gomes considera que "há três que vão dominar": "A BQ.1, uma que é a XBB, que nasceu na Ásia, mas já está a aparecer em todo o lado, e há uma outra, que é um bocadinho mais exótica, e que apareceu há cerca de 15 dias e que está a crescer muito depressa, que é a CH.1.1." No caso de Portugal, "temos maioritariamente a BQ.1 e, esta, já tem várias filhas, várias derivadas".

"Usar a máscara de forma inteligente"

Em jeito de alerta, este epidemiologista lembra que apesar das máscaras terem deixado de ser obrigatórias "as pessoas deviam usá-las de forma inteligente". E dá exemplos: "Quando entram em espaços onde estão muitas pessoas ou espaços mal arejados, ou ainda, por exemplo, nos transportes públicos." Uma boa máscara protege "contra o coronavírus, mas também contra outros vírus respiratórios".

Ou seja, reforça, a máscara serve para nos protegermos a nós e aos outros, alertando para os sintomas de longa duração. "Não é nada boa ideia sermos infetados por este vírus. Há uma percentagem relativamente grande de pessoas que têm sintomas muito prolongados, mesmo depois de passar a fase mais aguda da infeção. E isso nada tem a ver com o estado de saúde da pessoa, porque há atletas que têm este problema."

"Há pessoas que ficam com sequelas durante meses. As percentagens variam muito, consoante os estudos, mas andam entre 5 e 15%", aponta. E estes valores não são pequenos, na sua avaliação. "Atendendo que há milhares e milhares de pessoas que são infetadas, isto tem um peso grande em absentismo, qualidade de vida. Isto tem um peso grande na sociedade."

"Aparente estabilidade"

O também matemático Óscar Felgueiras destaca a "aparente estabilidade" do número de casos. Apesar dos testes serem feitos apenas em contexto hospitalar, considera mesmo que há, nos últimos dias, "uma queda dos internamentos".

Tal como Carlos Antunes, Óscar Felgueiras ressalva à CNN Portugal que os "internamentos" e a gravidade são, de facto, "os dados mais fiáveis". E lembra que, apesar de agora se realizarem menos testes, "na gripe a testagem não é tão ampla" e há ainda menos noção do número de casos e vírus que circulam. 

Podendo haver "uma noção menos precisa em termos de casos de covid-19", o que importa é o "impacto da doença grave como indicador", reafirma. E, esse indicador, apresenta-se "relativamente estável". 

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