Covid, gripe e VSR. Uma epidemia tripla que já está a entupir os hospitais

29 nov 2022, 15:12
Máscara (Pexels)

A conjugação dos vírus SARS-CoV-2, Influenza e Sincicial Respiratório pode aumentar a afluência aos serviços hospitalares no inverno. Especialistas pedem que as pessoas mantenham medidas de proteção e que não desvalorizem os sintomas e os testes de deteção da covid-19

Numa altura em que o vírus da covid-19 continua a circular e o vírus da gripe volta a ‘atacar’ após dois anos de baixa circulação, 2022 traz um outro vírus para a equação: o vírus sincicial respiratório, que não é novo, mas chegou este ano mais cedo e de forma mais intensa. O The New York Times refere uma ‘tripledemia’ (junção das palavras em inglês para tripla e epidemia), mas esta também é a realidade em Portugal - e o inverno poderá agravá-la.

“Neste momento, o que vemos em termos de internamento e óbitos não está muito diferente dos anos de antes da pandemia, mas a grande novidade tem sido o aumento do número de pessoas a ir aos serviços de urgência e às unidades complementares de saúde, o que significa que estão a circular vários agentes virais que podem estar na origem deste aumento de casos, nomeadamente estes três vírus. Esta epidemia tripla “pode chegar neste inverno, não só nos Estados Unidos como também em Portugal”, diz à CNN Portugal o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges.

O especialista diz que estes três vírus podem ganhar força e colidir no inverno, mas destaca que a situação poderá voltar à normalidade já em janeiro. “Só podemos comparar com os dados do Hemisfério Sul, e o que parece é que foi um início muito rápido da transmissão dos vírus respiratórios, que levou a um pico muito maior do que nos últimos anos, mas também houve um retomar da normalidade. Cá, a situação pode agravar um pouco, mas voltará à normalidade em janeiro”, destaca.

Miguel Castanho, investigador no Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, olha para a conjugação destes três vírus com cautela. “Temos de ter motivos para estar vigilantes, interrompemos o ciclo natural de convivência com o vírus”, diz. Embora defenda que “não se espera agora algo completamente diferente” do que aconteceu nos últimos anos pré-pandemia ou no inverno passado relativamente à covid-19, “reconhece que podemos passar por alguns apertos relativos à atividade destes vírus”, sobretudo pela quebra de imunidade e indefinição que existe.

Em relação à gripe, o investigador diz que “não tendo havido a imunidade natural que é costume a cada ano que passa”, o ciclo de reforço imunitário que a exposição anual ao vírus traz “foi quebrado, não completamente, mas pode haver algum agravamento” do número de infeções e da gravidade das mesmas.

“Com a covid-19 estamos numa indefinição muito maior, as pessoas agora desvalorizam a covid-19, ou não se testam ou testam-se e não querem saber do resultado e não reportam, não temos uma visão muito realista do que está acontecer, antes tínhamos mesmo a radiografia da situação. A covid pode ainda ter um aumento de casos no natal, mas os parâmetros reais serão os das hospitalizações e cuidados médicos, que surgirão mais tarde”, continua Miguel Castanho, apressando-se a dizer que o VSR “será um caso mais errático, mas surpreendente, porque está com uma atividade maior”, não sendo ainda possível prever o que trará, uma vez que este ano se faz sentir de forma mais intensa e precoce.

“Como estes vírus estão em atividade simultâneo, isso pode trazer mais volume de trabalho” nas unidades hospitalares, adianta Miguel Castanho.

Três vírus respiratórios a circular em simultâneo

O vírus sincicial respiratório (VSR) tem estado em destaque por ter chegado um mês mais cedo do que o habitual, o que tem preocupado os pediatras e causado alguns constrangimentos nos serviços de urgência e pediátricos hospitalares. “No período pré-pandémico era em dezembro e janeiro que apareciam situações desta natureza. Este ano está a acontecer a partir de outubro, estamos a ter um impacto significativo de situações com indicação para internamento. E o que está a acontecer nas urgências pediátricas é um movimento perfeitamente atípico, com um número grande de crianças a ir à urgência. Mas, felizmente, a grande maioria não tem indicação de internamento”, explicou à CNN Portugal Alberto Caldas Afonso, diretor do Centro Materno Infantil do Norte, a propósito do aumento em outubro do número de crianças com menos de dois anos internadas.

O VSR é um vírus de RNA (separa-se da camada externa e reproduz-se dentro da célula hospedeira), classificado como pneumovirus e “pode provocar doença respiratória em pessoas de todas as idades, mas, geralmente, todas as crianças até aos dois anos são infetadas por este vírus, podendo ocorrer reinfeção em qualquer idade. Este vírus é a causa mais comum de doença das vias respiratórias inferiores até aos 5 anos de idade”, sendo a bronquiolite a doença mais comum, segundo o site do Serviço Nacional de Saúde.

De acordo com um estudo divulgado esta terça-feira, o vírus sincicial respiratório (VSR) foi responsável pela hospitalização de mais de 26 mil crianças com infeção respiratória aguda entre 2015 e 2018, representando 6,7% do total dos internamentos até aos 5 anos. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge dão conta de que de 31 de outubro a 6 de novembro houve 19 casos reportados de internamento por VSR. Só desde o início de outubro foram registados 140 internamentos por este vírus, representando 73,3% dos casos de internamento por infeção respiratória aguda.

“Desde a semana 40/2021, foram reportados 389 casos de internamento por RSV. Cerca de 45 % dos casos tinham menos de três meses de idade, 15 % ocorreram em bebés pré-termo e 14 % tinham baixo peso ao nascer. Relativamente a critérios de gravidade, 10 % foram internados em Unidades de Cuidados Intensivos ou necessitaram de ventilação (não invasiva/convencional)”, lê-se no mais recente documento.

Para já, não há nenhum tratamento específico para a doença causada por este vírus, mas a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) deu luz verde à comercialização na União Europeia (UE) do fármaco Beyfortus para a prevenção da doença do trato respiratório inferior causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR).

Quanto à gripe, o INSA revela que, desde o início de outubro, a Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe (Hospitais) notificou 13.500 casos de infeção respiratória e foram identificados 1.473 casos de gripe. Só na semana passada, foram identificados 340 casos positivos para o vírus da gripe, dos quais 338 do tipo A e 2 do tipo B. “Em 44 dos casos foi identificado o subtipo A(H3) e em 3 o subtipo A(H1). Até ao momento, foram detetados 14 casos de co-infeção pelo vírus da gripe e SARS-CoV-2”, diz o organismo.

Relativamente à covid-19, os mais recentes dados do INSA revelam que o índice de transmissibilidade (Rt) do vírus SARS-CoV-2 está no limiar de 1,00 em Portugal e a média de infeções baixou para os 749 casos diários. A nível europeu, o cenário parece idêntico, com uma melhoria dos indicadores e a própria EMA a revelar que a situação está “controlada” na Europa, embora continue a reforçar a importância da vacinação. Na última semana, o número médio de casos diários de covid-19 foi de 749, o que dá uma média de 5.243 por semana, indica o boletim epidemiológico da DGS. Apesar do aumento da incidência e dos internamentos, a covid-19 continua a apresentar um impacto reduzido nos serviços de saúde.

Manter o que se aprendeu com a pandemia

Olhando para a situação atual, Gustavo Tato Borges diz que, para já, “não há um sinal de grande preocupação”, mas apressa-se a dizer que é preciso evitar um eventual agravamento no inverno e que tal é conseguido mantendo as medidas de mitigação praticadas durante os dois primeiros anos de pandemia.

“Infelizmente, esquecemos muito rápido as lições da pandemia”, lamenta Miguel Castanho, que defende que as pessoas devem “valorizar os testes” de diagnóstico da covid-19, mesmo que sejam feitos em casa, e reportar sempre que derem positivo. “As pessoas mais frágeis devem manter um comportamento mais defensivo e o uso de máscara deve manter-se sempre em ambientes fechados e com muita gente. Devemos observar as regras da qualidade de ar interior e da lotação de espaços”, adianta.

O médico Gustavo Tato Borges diz que este é o caminho a seguir no inverno e o escudo protetor contra a infeção por outros vírus, seja o da gripe ou o VSR. Lavar as mãos, higienizar os espaços, ventilar as salas, usar máscara e não ir trabalhar com sintomas são as recomendações dadas pelo especialista. Mas há mais: o médico de saúde pública apela ainda a que as pessoas não ignorem a linha SNS 24, lembrando que se mantém ativa e que pode ajudar a pessoa a perceber se a sua situação requer uma ida às urgências, ao centro de saúde ou se deve ficar em casa sob vigilância. “É preciso reeducar a população para saber usar o serviço de urgência quando necessário”, atira.

Gustavo Tato Borges destaca ainda que “quem é elegível para ser vacinado deve sê-lo”. Quase 80% dos portugueses com 65 anos ou mais e mais de metade dos profissionais de saúde em contacto direto com doentes já terão sido vacinados contra a gripe, segundo os dados da terceira vaga do vacinómetro.

Este mês, a Direção-Geral da Saúde mudou as regras relacionadas com a covid-19: os testes à infeção com o coronavírus SARS-CoV-2 deixaram de ser recomendados a pessoas sem sintomas de infeção e doentes internados com covid-19 passam a poder receber visitas.

Numa análise a estas novas regras, Bernardo Gomes, médico de saúde pública, considera que o tema dos testes “é mais polémico” porque “servem para evitar que os outros se contagiem”. À CNN Portugal, defendeu também que o uso de máscara por pessoas com sintomas de covid-19 e o cuidado com a ventilação deveriam ter sido reforçados nesta norma.

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