Prisão até oito anos e multas até 180 mil euros. O que pode acontecer a quem violar o confinamento sabendo que está com covid-19

21 mai 2022, 12:00
Estado de emergência em Portugal

Continua a ser punida pela lei a violação do confinamento obrigatório. Em causa estão dois crimes diferentes, com gravidades e penas diferentes. Também continuam em vigor multas para quem se recuse a utilizar máscara onde é obrigatória

Sabia que se sair de casa e estiver infetado com covid-19 pode acabar preso? Sim, é verdade. Violar o confinamento obrigatório, tal como recusar a utilização de máscaras em locais onde ainda são obrigatórias, pode resultar em elevadas multas, ou até mesmo em penas de prisão.

Multas pesadas e penas de prisão

Desde que a covid-19 chegou a Portugal que a doença foi incluída no artigo que prevê criminalizar a propagação de doenças contagiosas. É o que diz o artigo 283 do Código Penal, e que prevê a aplicação de uma pena de prisão que pode ir de um a oito anos de prisão, estando ainda prevista a possibilidade de uma multa que poderá ir até um máximo de 360 dias, num valor máximo de 500 euros, sendo que o mínimo é de 5 euros por dia. Isso significaria uma multa total de 180 mil euros, refere o advogado Tiago Coelho Magalhães, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados, que ajudou a CNN Portugal a fazer as contas.

Ainda assim, o jurista refere que esta multa "dificilmente seria aplicada". Para o cálculo da multa, o tribunal que a aplicar vai ter em consideração as condições económicas da pessoa condenada, definindo depois o número de dias e respetivo valor da multa.

Como explica o advogado Tiago Coelho Magalhães, o crime de propagação de doença contagiosa pode, na prática, aplicar-se a qualquer doença que caiba naquela figura legal (até a gripe).

"O artigo não especifica que doenças são. Em teoria, qualquer doença contagiosa pode configurar uma prática deste crime", nota o especialista em Direito Criminal, que fala num "crime que estava esquecido", desde que "teve muita relevância" na década de 1990, quando surgiu o vírus do VIH.

Este artigo refere-se a “quem propagar doença contagiosa, criando um perigo para a vida ou de lesão grave da saúde ou da integridade física de um número indeterminado de pessoas”.

As molduras penais referidas são aplicadas a quem circule com conhecimento da infeção, mas existem diferentes formas de a propagação acontecer. No mesmo artigo do Código Penal, refere-se que, se a conduta for “a título de negligência”, a pena de prisão poderá ir até três anos, com uma multa até 60 dias.

"Trata-se de casos em que a pessoa não agiu com o cuidado devido. A pessoa sabe que está infetada, não quer infetar os outros, mas comporta-se de forma a poder infetar", refere o criminalista.

A pena mais pesada a aplicar refere-se a casos em que a pessoa infetada atue com dolo, algo que é difícil de provar, diz Tiago Coelho Magalhães: “É um crime muito complexo, muito difícil de conseguir provar, mas é um dos mais relevantes neste contexto".

"O crime tem três cenários possíveis: se do crime resultar perigo para a vida, pode ser de um a oito anos de prisão; se for grave, mas sem dolo, a pena é até cinco anos de prisão; apenas multa em caso de não haver contágio", conclui.

Note-se que, para isto acontecer, tem de haver uma prova em como houve casos resultantes da violação do confinamento.

Então, e se violar o confinamento e não infetar ninguém? Também aí poderá ter problemas. Mesmo não propagando a doença, está em causa um crime de desobediência civil, previsto no artigo 348 do Código Penal, o qual pode ser punido até um ano de prisão e 120 dias de multa. É o tal terceiro cenário descrito por Tiago Coelho Magalhães. A moldura de multa volta a ser entre os 5 e os 500 euros, pelo que a multa máxima pode chegar aos 60 mil euros.

No limite, diz o jurista, os crimes de desobediência civil e de propagação de doença contagiosa podem ser cumulativos: "São dois crimes diferentes. Pratico o crime de desobediência por não obedecer ao dever de confinamento e, se por outro lado, ainda assim, propagar a doença de covid-19, tenho um segundo comportamento, é um segundo crime", sublinha Tiago Coelho Magalhães.

Multa até 500 euros se não usar máscara (onde ainda é obrigatória)

A obrigatoriedade de máscara caiu em muitos locais a 22 de abril, mas ainda continua a ser obrigatória em unidades de saúde, lares de idosos e transportes públicos.

Embora não esteja prevista a aplicação de uma pena de prisão, quem incorra em incumprimento pela não utilização de máscara nestes locais arrisca uma coima, que pode chegar mesmo aos 500 euros.

"Se eu entrar nos transportes públicos sem máscara, por exemplo, isso por si só não é um crime de desobediência. Mas se o revisor do metro me manda colocar a máscara, e eu recuso, aí sim, existe um crime de desobediência", acrescenta.

A utilização da máscara está dispensada, em todos os locais, às crianças menores de 10 anos, podendo ainda ser dispensada em caso de atestado médico que confirme que a pessoa não pode utilizar o equipamento.

Posso processar outra pessoa por ter sido infetado?

Tanto o crime de propagação de doença contagiosa como o de desobediência civil são considerados crimes públicos. Isso significa que não tem de existir uma queixa para que os casos sejam investigados.

Tiago Coelho Magalhães recorda a primeira fase de confinamento, durante a qual as autoridades de saúde e a polícia iam de porta em porta conferir que as pessoas obrigadas a isolamento estavam efetivamente a cumprir a ordem. Aí podia dar-se o caso de serem as próprias autoridades a dar entrada a uma denúncia.

"Mas qualquer pessoa pode apresentar denúncia pela prática destes crimes, são os dois crimes públicos", explica o advogado, vincando que, mesmo não havendo queixa, e desde que saibam do caso, as autoridades devem abrir um processo.

Existe ainda uma figura paralela, a do processo. Neste caso, indica Tiago Coelho Magalhães, uma pessoa pode processar outra se entender que ficou infetada pelo comportamento daquele cidadão, o que pode resultar num pedido de indemnização.

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