António Costa vs. Frederiksen / Bettel / Kallas: português beneficia duas vezes do fator Von der Leyen

19 mar, 07:00
Ursula von der Leyen e António Costa com o PRR (Horacio Villalobos/Getty Images)

"Sim, António Costa continua a ser um candidato viável para a presidência do Conselho Europeu enquanto se aguardam os resultados do escândalo de corrupção em Portugal." Macron está a favor do português, Scholz também. Os tempos da justiça portuguesa nem por isso, mas podem nem contar para bloquear Costa na Europa - o caso Von der Leyen mostrou isso mesmo em 2019. E a nacionalidade de Von der Leyen é outro fator a favor de Costa. Mais: Orbán, que é apontado interinamente ao cargo, também aprecia muito o português. Que tem sobretudo três rivais

Foi a primeira vez na história da União Europeia que um presidente do Conselho Europeu em funções decidiu candidatar-se a um assento no Parlamento Europeu. Charles Michel, que em janeiro anunciou que não pretendia continuar a liderar os chefes de Governo do bloco para ser cabeça de lista dos liberais belgas (MR) às eleições europeias de junho, acabaria por desistir da pretensão face às críticas que enfrentou. Não será candidato a eurodeputado, mas também não cumprirá o seu mandato no Conselho Europeu até ao fim.

Os anúncios, com poucos dias de intervalo, chegaram dois meses depois de António Costa se ter demitido da chefia do Governo português, no âmbito das buscas à residência oficial do primeiro-ministro por suspeitas de tráfico de influências. Devido à Operação Influencer, cujo desfecho continua por chegar e sob a qual Costa ainda não foi indiciado de qualquer crime, instalaram-se dúvidas sobre o que, diz a maioria dos especialistas, era um dado adquirido até então: o de que, depois de oito anos a orientar as lides portuguesas e a deixar uma marca na Europa, Costa estava pronto (e tinha os apoios necessários) para tomar as rédeas do órgão de estratégia política da UE.

Quatro meses depois de ter sido conhecido, o caso judicial surge agora como uma nódoa num currículo de outra forma imaculado aos olhos de muitos. Ao longo de quase uma década, Costa foi conquistando reconhecimento generalizado em Bruxelas pela sua capacidade de negociar e alcançar consensos à esquerda e à direita, dentro e fora de portas. Como escrevia o site Politico dias antes das legislativas antecipadas de 10 de março em Portugal, que deram uma curta vitória à Aliança Democrática (AD) de Luís Montenegro: “Muito querido por líderes da UE tão diversos quanto o presidente francês, Emmanuel Macron, e o homem forte da Hungria, Viktor Orbán, Costa foi alardeado como um administrador competente e um negociador hábil – as qualidades perfeitas para ocupar este cargo de topo”.

Mas com a Influencer em curso, e pessoas do seu círculo próximo - como Vítor Escária - também na mira do Ministério Público português, quais as verdadeiras chances de Costa suceder a Michel à frente do Conselho Europeu? “É muito difícil dizer quem apoia e quem se opõe a Costa neste momento, mas [o chanceler alemão] Olaf Scholz e Macron parecem apoiar a sua potencial candidatura”, diz Andreas Bock, do European Council on Foreign Relations (ECFR). “Ainda assim, acredito que a maioria dos líderes europeus provavelmente prefere que Costa e os seus associados sejam inocentados de qualquer suspeita” antes de tomarem uma posição.

Pouco depois do anúncio de Michel, o especialista em Assuntos Comunitários Alberto Alemanno ecoava a mesma ideia, mas adiantava que as chances de Costa não foram completamente anuladas pelas suspeitas que recaem sobre ele. “Apesar do final infeliz do último governo de Costa, ainda tem a possibilidade de ser nomeado não só como presidente interino [do Conselho Europeu], mas também como o novo presidente para os próximos dois anos e meio”, disse o italiano, citado pela Lusa.

Bock não discorda. “Sim, ele continua a ser um candidato viável enquanto se aguardam os resultados do escândalo de corrupção”, diz o analista à CNN. “Ele é creditado com fortes habilidades administrativas e negociais e ainda é endossado por Macron e por Scholz.” O especialista em assuntos europeus do ECFR aponta um exemplo relativamente recente para traçar um paralelismo com a atual situação do líder português. “Tal como aconteceu com von der Leyen, as investigações podem não impedir a sua candidatura”, diz, recordando que “von der Leyen foi escolhida para presidir à Comissão Europeia apesar das investigações que estavam então em curso ao seu [alegado] envolvimento num escândalo de aquisições quando era ministra alemã da Defesa.”

Esse caso apareceu pouco antes de Ursula von der Leyen ter conquistado a nomeação para liderar o executivo comunitário, um cargo ao qual pretende recandidatar-se como ‘spitzenkandidat’ do Partido Popular Europeu (PPE) após as próximas europeias. Em meados de julho de 2019, o Bundestag (parlamento alemão) abriu uma comissão de inquérito às suspeitas de que, enquanto chefe máxima das Forças Armadas, von der Leyen supervisionou a atribuição de lucrativos contratos a consultores externos, recorrendo à sua rede de contactos informais para facilitar esses acordos. Dias depois, num processo que gerou algum mal-estar no Parlamento Europeu, a alemã foi nomeada para suceder a Jean-Claude Juncker à frente da Comissão Europeia – com Macron, um dos líderes que parecem ainda apoiar Costa em detrimento de outros, como grande impulsionador dessa nomeação.

Emmanuel Macron e Olaf Scholz continuam a apoiar Costa no Conselho Europeu Foto Tiago Petinga/Lusa

As alternativas em cima da mesa, o tempo que urge

“Ainda há muitas incertezas, mas a possibilidade de António Costa ser candidato não pode ser excluída”, defendia em janeiro um consultor de Assuntos Europeus citado pela Lusa. Para o justificar, Henrique Burnay invoca três motivos: “É um socialista e os socialistas ainda não ocuparam a posição; é primeiro-ministro, como aqueles que terão de tomar a decisão; e é um dos reitores do Conselho Europeu”.

A par da Operação Influencer, a jogar contra Costa está o timing do anúncio de Charles Michel, que ao sair de cena antes de completar o seu mandato veio imprimir urgência ao processo de substituição, mesmo que, numa primeira fase, interinamente. São vários os que temem que Orbán – o contestado líder húngaro que continua a bloquear avanços numa série de dossiês da UE, como o do apoio à Ucrânia ou a questão da migração – ocupe a liderança interina do Conselho até o processo de nomeação estar concluído, mais perto do final do ano. Isto face ao que Rui Tavares, antigo eurodeputado e líder do Livre, classifica como “um brinde” para o líder húngaro, já que será a Hungria a assumir a presidência rotativa da UE no segundo semestre de 2024.

Quando anunciou que ia abandonar o cargo, Michel sublinhou aos jornalistas em Bruxelas a necessidade de “garantir uma decisão até junho” que permita “antecipar a possibilidade de o sucessor tomar posse” logo após as europeias, em que mais de 400 milhões de cidadãos vão ser chamados a eleger a composição do Parlamento Europeu para os próximos cinco anos. Face ao que classifica como decisão “egocêntrica e irresponsável” do belga, Alemanno defende que é da máxima importância que “um presidente interino seja encontrado entre a partida de Michel [em junho] e o próximo ciclo político da UE em novembro”.

A seguir a Costa, Frederiksen é a mais provável opção dos socialistas europeus para o Conselho. (Liselotte Sabroe/Ritzau Scanpix via AP)

A questão é quem vai acolher a maioria dos apoios para ficar à frente do Conselho - e quando é que esse processo formal vai avançar - se logo após as eleições, se mais tarde. Para os socialistas europeus (S&D), Costa continua a ser o homem certo para o cargo – “respeitadíssimo e muito conceituado no plano europeu”, nas palavras do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes. “É uma personalidade – pela sua intervenção ao longo dos últimos anos no Conselho Europeu, como fazedor de pontes, como tendo iniciativa e procurando soluções – muitíssimo respeitada e muitíssimo reconhecida”, destacou Tiago Antunes num debate parlamentar há dois meses, sobre as prioridades da atual presidência belga da UE. 

Sondada pela CNN, fonte do S&D diz que em Bruxelas continua a haver a expectativa de que a Justiça portuguesa clarifique tudo a tempo para Costa ser candidato. Até porque poucos líderes parecem ter o mesmo nível de popularidade que ele. “Outros possíveis candidatos seriam a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, o ex-primeiro-ministro e atual ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo Xavier Bettel, e a ex-primeira-ministra da Estónia Kaja Kallas”, indica Andreas Bock. “Se Costa se retirar, Frederiksen, uma social-democrata, parece ser a favorita”, adianta o analista.

“Com von der Leyen, uma conservadora alemã, provavelmente a reter a liderança da Comissão Europeia, os sociais-democratas, potencialmente o segundo maior partido [após as europeias], têm melhores hipóteses de apresentar Frederiksen como a sua candidata.” Essa escolha parece, contudo, ser menos consensual, não só porque as duras políticas de imigração da Dinamarca não agradam aos socialistas europeus mas também porque existe o desejo de que, tendo uma nórdica à frente do executivo, seja um europeu do sul a ocupar o outro cargo de topo da UE.

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