Inspeções, recolha de documentação "aleatória" e reuniões à porta fechada. Como os serviços secretos são fiscalizados pelo Parlamento

2 mai 2023, 20:46
Assembleia da República

Documentação do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, um órgão eleito pela Assembleia da República, mostra como é verificado que os espiões portugueses atuam dentro da lei

Visitas “sem agenda pré-determinada ou tema a abordar”, análise de documentação sensível “solicitada de forma aleatória” e inspeções às diferentes estruturas do Serviço de Informações de Segurança (SIS) - tudo com a máxima “discrição”. Estas têm sido as técnicas utilizadas nos últimos anos pelo grupo, eleito pela Assembleia da República, que fiscaliza os serviços secretos portugueses.

As estratégias constam dos vários pareceres do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) e que têm de ser apresentados com uma regularidade mínima semestral à Assembleia da República. No último documento disponível, por exemplo, existiram cinco ações inspetivas realizadas ao Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e oito ao SIS. Nestas visitas, o grupo eleito e liderado pela socialista Constança Urbano de Sousa solicitou vários “processos e relatórios” para verificar que os espiões, no ano de 2022, “agiram no respeito pelo quadro jurídico”.

Entre estes documentos, estão, no caso dos funcionários do SIS,“milhares de avaliações de ameaças por ano” e alvos capazes de “alterar ou destruir o Estado de direito” através de sabotagem, terrorismo e espionagem. 

Já entre os relatórios entregues pelo SIED ao Conselho de Fiscalização, constam, por exemplo transmissões de informações com outros países “necessárias para a salvaguarda dos interesses nacionais” em contexto de guerra na Europa, mas também documentação sobre “acontecimentos políticos, sociais, económicos e de segurança, ocorridos no estrangeiro”, que possam influenciar a tomada de decisões pelas autoridades nacionais, “detetando situações de risco e potenciais ameaças o mais antecipadamente possível”.

Já outra das técnicas de fiscalização tem sido a convocação da Secretária-Geral do SIRP, Graça Mira Gomes, para reuniões com o objetivo de aquele grupo de deputados conseguir mais informações sobre os ficheiros, relatórios e avaliações entregues pelos serviços secretos. Em 2022, Graça Mira Gomes foi chamada a reunir três vezes à porta fechada, também “com o objetivo de aferir como o Sistema, no seu todo, desempenha a sua missão legal”.

É também competência do Conselho de Fiscalização perceber se os funcionários dos diferentes serviços secretos estão em situações de incompatibilidade, inadequação de perfil ou conflito de interesses. Se se aperceberem disto, há a possibilidade de proporem ao Governo procedimentos sancionatórios que dependem da gravidade daquilo que foi praticado.

Paralelamente, este grupo acolhe e investiga queixas de cidadãos sobre os serviços secretos portugueses. Nos últimos relatórios disponíveis, há a indicação de duas queixas remetidas a este órgão. Em ambas, foi colocada em causa a atuação do SIS no âmbito de procedimentos de autorização de residência para atividade de investimento. 

Já depois de o Conselho ter arquivado as queixas por não ter sido verificada “qualquer atuação ilegal”, um dos queixosos voltou a recorrer ao Conselho “no contexto de um recurso de uma decisão judicial de segunda instância”. Mas, novamente, foi apurado que em nenhuma ocasião o SIS teve uma “atuação atentatória de direitos, liberdades e garantias”.

Alertas: problemas com a lei dos metadados, falta de espiões (que ganham menos do que polícias)

Nos contactos que têm mantido com os serviços secretos portugueses, o Conselho de Fiscalização tem-se apercebido, constantemente, das dificuldades impostas pela falta de uma autorização legal para aceder aos dados de comunicações por parte dos serviços de metadados. Aliás, Neiva da Costa, o diretor-geral do SIS, alertou recentemente que Portugal é o único país da Europa nesta condição.

Também os sucessivos pareceres deste órgão, que para além de Constança Urbano de Sousa inclui Joaquim Ponte e Mário Belo Morgado, alertam para esta problemática, principalmente para o combate ao “terrorismo e espionagem”. Este acesso, escreveu o órgão, “é um instrumento fulcral para a deteção atempada de ameaças em determinadas áreas da segurança nacional” e constitui “um elemento importante de aprofundamento da cooperação internacional com serviços congéneres parceiros, permitindo-lhes garantir uma maior reciprocidade”.

Tais meios “que os serviços de informações portugueses não dispõem” permitiriam “aprofundar a cooperação no intercâmbio de informações com os serviços congéneres dos Estados parceiros e no seio dos fora multilaterais (como o Clube de Berna, o Inteligence and Situation Centre - INTCEN ou o Comité Civil de Informações da NATO), que assenta, em grande medida, na lógica da reciprocidade”, assevera o documento relativo a 2022.

Já outro sucessivo ponto de alerta feito à Assembleia da República tem sido a falta de meios nos serviços secretos. Advertência que já tem surgido desde 2016. De acordo com o Conselho, as carreiras "não são revistas há décadas", o que torna as mesmas menos atrativas e compromete a “coesão e dedicação dos seus recursos humanos”. É destacado ainda que as remunerações dos dirigentes e técnicos dos Serviços de Informações são inferiores às auferidas pelos dirigentes e inspetores da Polícia Judiciária, uma carreira especial que, entretanto, já foi revista. “O interesse nacional impõe que estas carreiras se tornem mais atrativas, incluindo no plano remuneratório, sob pena de comprometer, a prazo, a coesão e dedicação dos seus recursos humanos, condições essenciais à continuação do cumprimento eficaz e competente da sua essencial missão”.

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