Assume-se como multitasking? Saiba que não é bem isso que está a ser

CNN , Sanjay Gupta, correspondente médico principal
23 set 2023, 13:00
Imagens do cérebro. Nur Ceren Demir/iStockphoto/Getty Images

A mudança constante de atenção no nosso cérebro está associada ao stress, que resulta num aumento da pressão arterial - e isso, se for constante, não é bom para o nosso corpo

Alguma vez se questionou sobre o que o torna único: a maneira como age, a forma como se sente, como processa a informação do mundo ao seu redor? Uma parte é a natureza (o conjunto único de genes que herdou) e outra parte é a educação (o ambiente em que foi criado, tanto na sua família como, de uma forma mais geral, numa determinada cultura).

Mas, na realidade, há muitos outros mecanismos ocultos em ação, todos provenientes do cérebro, uma parte do corpo a que dediquei a minha vida a compreender. Estas forças variam de pessoa para pessoa e até mudam dentro de um indivíduo, dependendo do tempo e das circunstâncias. Por exemplo, como é possível que alguns de nós consigam manter uma concentração particularmente clara, enquanto outros se distraem com uma grande ideia ou com uma pequena migalha na bancada da cozinha? Ou porque é que alguns de nós sentem uma profunda sensação quando se assustam com um filme de terror ou um livro arrepiante, e qual é o verdadeiro propósito disto?

Por isso, na oitava temporada do podcast "Chasing Life", vou regressar ao local de origem de todos os comportamentos, estados de espírito e impulsos - o cérebro - para tentar desvendar os seus mistérios. Não só vamos espreitar para dentro do cérebro para saber o que se passa, mas também, uma vez que o nosso cérebro está em constante diálogo com o nosso corpo, analisar o impacto no nosso físico e como isso, por sua vez, afeta novamente o cérebro.

Sinto-me fascinado pelo cérebro desde a infância. E ao longo da minha carreira como neurocirurgião, sempre me questionei: 'Como é que podemos construir um cérebro mais forte?', 'Como é que mantemos o nosso cérebro aguçado, mais resistente e menos propenso a desenvolver problemas como a demência?' Honestamente, no início, era apenas uma tentativa de ajudar o meu próprio cérebro; o meu avô tinha demência e isso preocupava-me. Mas agora quero partilhar o que aprendi e, sinceramente, continuar a aprender com todos vós.

No final de cada episódio, receberá conselhos concretos dos especialistas sobre como usar o seu cérebro de forma mais eficaz, como aproveitar o seu imenso poder e fazê-lo funcionar de maneira mais eficiente, em diferentes circunstâncias.

O cérebro distraído

O primeiro episódio da temporada é sobre o Cérebro Atento. Explora de onde vem a atenção, como pode ser desviada e como voltar a colocá-la no caminho certo.

Gloria Mark, professora de informática na Universidade da Califórnia, Irvine, e autora de "Attention Span: A Groundbreaking Way to Restore Balance, Happiness and Productivity", contou-me o quanto a nossa capacidade de atenção diminuiu ao longo de 20 anos: de 2,5 minutos em 2003 para 47 segundos atualmente.

Só o facto de ouvir isto deixou-me muito impressionado - e aposto que a si também. Mas pior do que estes números alarmantes são as consequências, tanto no mundo real como no nosso corpo.

Talvez nada exemplifique melhor a falta de atenção do que o ato de multitasking, que muitos usam como um distintivo de honra, uma fonte de orgulho - eu incluído - porque pensamos que estamos a fazer mais coisas.

Mas Gloria Mark esclareceu-me. "Os humanos não conseguem fazer duas ou mais coisas ao mesmo tempo. Não fomos feitos para isso. O que estamos a fazer é desviar a nossa atenção", disse.

Mark explicou que esse tipo de mudança constante de atenção no nosso cérebro está associada ao stress, que resulta num aumento da pressão arterial - e isso, se for constante, não é bom para o nosso corpo. Disse ainda que também cometemos mais erros quando realizamos várias tarefas simultaneamente e que, ironicamente, demoramos mais tempo a concluir a tarefa porque há um custo mental para alternar entre as tarefas.

"Imagine que tem um quadro branco na sua mente e que, para cada tarefa que faz, tem um modelo mental dessa tarefa. E depois, de repente, muda e faz outra tarefa: tem de apagar esse quadro branco e reescrever novas informações para a nova tarefa. E volta a mudar. Tem de apagar e reescrever. E, tal como num quadro branco real, por vezes não é possível apagá-lo completamente", explicou.

Por isso, fazer várias coisas ao mesmo tempo não nos torna mais felizes, mais rápidos ou mais eficientes; em vez disso, deixa-nos stressados e mais propensos a cometer erros.

Felizmente, Gloria Mark deu-me algumas dicas excelentes para me manter concentrado.

Como podemos melhorar?

DICA #1: Comece com uma nova energia
Sim, a sua mãe tinha razão: ter uma boa noite de sono antes de um projeto importante vai ajudá-lo a ficar e a permanecer concentrado. O descanso ajuda as nossas capacidades de função executiva - os processos mentais que nos permitem planear, concentrar e recordar - a manterem-se apuradas.

"Quando estamos revigorados sentimo-nos com energia. A nossa função executiva pode funcionar muito bem e ajudar-nos a manter o foco. Quando estamos privados de sono ou nos sentimos mentalmente exaustos, a função executiva não funciona tão bem", disse-me Mark. "E, de facto, quanto mais exaustos estamos, porque a função executiva não funciona tão bem, ficamos mais suscetíveis a distrações e mais propensos a responder a coisas externas à tarefa em mãos."

DICA #2: Planeie o seu dia de acordo com o seu ritmo natural
Todas as pessoas têm alturas do dia em que estão mais ou menos atentas. Por exemplo, há pessoas que se autodenominam madrugadoras, outras notívagas; algumas pessoas têm um declínio de energia depois do almoço, enquanto outras recuperam o fôlego ao fim da tarde. É importante ouvir o seu ritmo interno e planear o seu dia em conformidade.

"Há momentos de pico e momentos de menor foco ao longo do dia, que correspondem ao aumento e à diminuição dos nossos recursos de atenção", explicou Mark. "Por isso, para mim, faz todo o sentido que as pessoas tomem consciência do seu próprio ritmo natural, para saberem quando estão mais capazes de aplicar os seus recursos de atenção e também quando é altura de se afastarem para recarregar."

Mark ajudou-me a descobrir os meus próprios ritmos naturais, e vou tirar o máximo partido desse conhecimento para decidir quando respondo a e-mails, porque a minha atenção tende a divagar, e quando me dedico a um projeto cognitivamente desafiante, porque estou concentrado ao máximo.

DICA #3: Não deixe que o seu depósito se esgote - mantenha-se renovado
Isto pode parecer óbvio, mas Mark explicou que os nossos recursos de atenção não são ilimitados; tal como como um depósito de gasolina, se o gastarmos e não reabastecermos, ficará vazio.

"Ou seja, temos um tanque limitado de recursos de atenção. E há coisas que fazemos durante o dia que aumentam os nossos recursos, como fazer uma pausa, e há coisas que fazemos que esgotam os nossos recursos", disse Mark.

As atividades que ajudam incluem fazer pausas suficientes durante qualquer projeto, incluindo sair à rua para rejuvenescer. Além disso, afirmou, "se tiver uma tarefa muito importante para fazer, faça uma boa pausa antes de a começar". "Certifique-se de que está realmente revigorado e pronto para a fazer."

DICA #4: Domine as distrações internas
Chamadas telefónicas, notificações de mensagens, os seus filhos a interromperem-no - estas distrações externas não são as únicas coisas que o afastam da tarefa que tem em mãos.

"Verifica-se que quase metade do tempo somos distraídos por nós próprios. Temos interrupções internas, que podem ser um impulso, uma lembrança de algo que temos para fazer, o desejo de ir espreitar as redes sociais, etc., e por isso distraímo-nos", afirmou Mark.

Ela observou que há muitas coisas que podemos fazer para contrariar as distrações internas. "As coisas óbvias: desligar as notificações, arrumar o seu espaço de trabalho, tirar da secretária coisas que possam distraí-lo, colocar o telemóvel numa gaveta, certificar-se de que a sala está tranquila. Há uma série de coisas que as pessoas podem fazer para melhorar a sua atenção."

Outra grande fonte de distrações: tarefas inacabadas ou interrompidas. Ela recomenda anotá-las numa lista de tarefas pendentes e pensamentos aleatórios.

"A memória externa é um pedaço de papel; escreveu num pedaço de papel, por isso sabe que não se vai esquecer", disse a autora Gloria Mark. Adam Yee/iStockphoto/Getty Images

"Está sempre a pensar nessa tarefa [interrompida]. Não se quer esquecer, certo? Então continua a lembrar-se dela. Se algo estiver concluído, está fora do caminho, está feito. E, de facto, há um estudo muito interessante que mostra que, se as pessoas querem dormir melhor, devem anotar a tarefa interrompida, porque assim descarrega o trabalho de tentar lembrar-se da tarefa para uma memória externa. A memória externa é um pedaço de papel; escreveu a tarefa num pedaço de papel, por isso sabe que não se vai esquecer dela. Quando acorda de manhã tem uma lista de coisas por fazer, por isso não tem de as ensaiar na sua mente", indicou Mark.

Isto fez muito sentido para mim e explica porque é que adoro listas.

DICA #5: Anote o seu objetivo e cole-o à sua frente
Mark explicou que, como a atenção é "dirigida por objetivos", é realmente útil apontar duas coisas quando se inicia um projeto: o que se quer realizar (objetivo da tarefa) e como se quer sentir (objetivo emocional).

"Tomamos atenção aos nossos objetivos. Se o meu objetivo é escrever um artigo, é a isso que presto atenção", disse, acrescentando que ajuda se os objetivos forem claros, facilmente visualizáveis e alcançáveis.

Mas como os objetivos podem facilmente "escorregar" se nos distrairmos, ajuda fazer o exercício de nos perguntarmos como nos queremos sentir no final do dia. Por exemplo, imagino-me a sentir bem e a divertir-me depois de escrever aquele artigo.

"Só o facto de responder a estas duas perguntas ajuda as pessoas a manterem-se no caminho certo", garantiu Mark.

Para mais informações sobre a minha conversa com a autora e professora Gloria Mark e para saber mais sobre os quatro tipos de atenção, clique aqui para ouvir o podcast "Chasing Life". A oitava temporada, sobre os vários estados do cérebro, começa agora!

*Andrea Kane, da CNN, contribuiu para este artigo
 

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