Mais inteligentes do que todas as células, ovócitos "fintam" mecanismo biológico e sobrevivem até cinco décadas

30 jul 2022, 22:00
Laboratório (Pexels)

Estudo do Centro de Regulação Genómica de Barcelona explica porque é que os ovócitos, ao contrário das outras células, conseguem sobreviver cerca de 50 anos (e permitir que mulheres sejam capazes de engravidar em idades mais avançadas)

Era um dos enigmas celulares mais antigos e já havia teorias em cima da mesa, mas só agora é que chegou a certeza. Porque é que, ao contrário de todas as outras células, os ovócitos conseguem sobreviver ‘de boa saúde’ durante cinco décadas? Porque ‘fintam’ um mecanismo biológico comum - o complexo 1 de produção de energia através das mitocôndrias.

A questão é complexa e por isso levou anos até que se chegasse a esta conclusão. Todas as células do corpo humano têm dentro de si entre centenas a milhares de mitocôndrias, aquilo a que a ciência chama de central de energia das células, o motor que lhes dá vida - mas também que as mata. A acumulação de mitocôndrias, explica o El País, pode levar a mutações no ADN e à morte precoce das células (nem todas as células têm o mesmo tempo de sobrevivência, algumas podem ‘viver’ anos, outras décadas e outras escassos meses apenas). 

Nas mitocôndrias, a energia dá-se com o movimento de eletrões entre cinco complexos de proteína e é esta sinergia que gera vida dentro do corpo humano, levando as células a nascer, viver e morrer. No entanto, uma equipa de cientistas do Centro de Regulação Genómica do Instituto de Ciência e Tecnologia de Barcelona, em Espanha, descobriu que os ovócitos escapam ao primeiro dos cinco complexos de proteína (complexo 1), que é aquele que pode provocar mais efeitos negativos e danificar as células e, por isso, conseguem sobreviver ao longo de cinquenta anos nos ovários sem que a sua capacidade reprodutiva fique comprometida.

Como os humanos também são os mamíferos terrestres de vida mais longa, os ovócitos devem ser mantidos em perfeitas condições e evitar décadas de desgaste. Mostramos que esse problema é resolvido contornando uma reação metabólica fundamental que também é a principal fonte de danos à célula. Como estratégia de manutenção de longo prazo, é como colocar o motor em ponto morto. Isso representa um novo paradigma nunca antes visto em células animais”, explica a investigadora Aida Rodríguez, citada pelo Eureka Alert.

Publicado na revista Nature, o estudo recorreu a imagens ao vivo, técnicas proteómicas (que estudam as proteínas nas células) e bioquímicas para analisar os ovócitos de humanos e de rãs Xenopus (rã-de-unha-danificada) e concluíram que os ovócitos usaram caminhos alternativos para gerar energia, um desvio do complexo 1 que dá anos de vida.

O que este estudo pode trazer para o futuro?

Segundo os autores, as conclusões não são apenas o desvendar de um enigma, mas sim uma forma de compreender a fertilidade, uma vez que as mulheres com condições mitocondriais ligadas ao complexo 1 não apresentam sinais de fertilidade reduzida, uma vez que os ovócitos permanecem ‘intactos’ por anos.

Além disso, esta descoberta pode ser um trampolim para se encontrar novas formas de preservar as reservas ováricas de mulheres durante os tratamentos oncológicos, além de poder dar azo, por si, a novos tratamentos oncológicos, uma vez que os inibidores do complexo 1 - já recomendados para o tratamento de alguns tumores -, se se mostrarem promissores em estudos futuros, podem potencialmente atingir as células cancerígenas sem afetar os ovócitos.

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