Custa 350 mil euros e não é (ainda) para todos os cancros. Como funciona a terapia com células CAR-T usada no pequeno Tomás

11 fev 2023, 12:00
Laboratório (Unsplash)

É uma das grandes promessas da ciência na luta contra o cancro e tem mostrado resultados positivos no tratamento de tumores hematológicos. Foi o tratamento que fez o menino de 12 anos conhecido como Batazu que acabou por não resistir à leucemia

1 - O que são as células CAR-T?

As células CAR-T, “especificamente derivadas de linfócitos T”, são uma “versão manipulada das células naturais” do sistema imunitário “que naturalmente têm a capacidade de atacar outras estruturas, como microrganismos e células”, começa por explicar José Carlos Machado, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e coordenador do Programa de Cancro do i3S. 

Esta manipulação - em que é adicionado um receptor artificial, denominado recetor quimérico de antigénio (CAR, em inglês) - torna-as “específicas e eficazes contra uma determinada proteína-alvo, que é uma proteína naturalmente produzida pelas células que se pretendem matar”, dando-lhes, assim, a “capacidade particular de atacar células tumorais”.

2 - Como são usadas no tratamento do cancro?

Neste tipo de imunoterapia, as células T são recolhidas do organismo do doente, através da colheita de glóbulos brancos, depois, são manipuladas em laboratório, um processo que pode demorar algumas semanas. De seguida, são “novamente administradas no sangue do doente de forma semelhante a uma transfusão”, lê-se no site da Associação Portuguesa Contra a Leucemia.

3 - Para que tipos de cancro se destina o tratamento?

São alguns os cancros do sangue, “como alguns tipos de leucemias e linfomas”, como o mieloma múltiplo, aqueles que mais têm beneficiado deste novo tratamento. “Alguns destes tipos de cancro tendem a exprimir de uma forma única uma determinada proteína, o que permite a produção de células CAR-T que têm um alvo”, continua José Carlos Machado.

A leucemia que o pequeno Tomás, conhecido como "Batazu" tinha, viu nesta terapia uma promessa e chegou mesmo a fazer o tratamento em Israel e estava a repeti-lo na China. Apesar de promissor, este tratamento não foi capaz de travar a doença já em fase avançada na criança.

4 - Porque é que não dá para todos os tipos de cancro?

“Na maior parte dos cancros não tem sido possível encontrar um alvo que tenha sido tão específico nas células tumorais, mas vão aparecendo alguns exemplos de sucesso, em que há um alvo expresso numa percentagem grande, o que tonra possível fazer engenharia de células CAR-T, colocando um recetor”, diz o investigador, dizendo que “saber qual as proteínas a matar” é um dos grandes “desafios” do uso destas células de forma mais ampla na luta contra o cancro.

“Os tumores sólidos têm sido um desafio, não existem bons exemplos de aplicação”, adianta. Num artigo da CNN Portugal sobre os avanços da ciência na luta contra o cancro, também o oncologista Júlio Oliveira, agora presidente do IPO Porto, admitiu que “há uma grande limitação no uso em tumores sólidos”, explicando que “um dos problemas é fazer com que entrem no tumor”.

Segundo o Instituto Nacional do Cancro dos Estados Unidos, um “obstáculo com tumores sólidos é o ambiente circundante”, pois “barreiras físicas, por exemplo, podem impedir que as células CAR-T infundidas atinjam as células tumorais”. Diz o organismo que também outros “componentes do microambiente, como moléculas imunossupressoras produzidas por células tumorais ou outras células imunitárias, podem causar o mau funcionamento das células CAR-T, deixando-as incapazes de realizar as suas funções de matar células”.

Atualmente existem vários estudos que investigam e testam a eventual eficácia das células CAR-T em tumores sólidos, tendo um recentemente mostrado resultados promissores no cancro do ovário, num estudo realizado em ratos de laboratório..

5 - Pode o tratamento com células CAR-T ser usado com outras terapêuticas?

Tudo depende de cada cancro e de cada paciente. “Rm tese”, diz José Carlos Machado, este tipo de imunoterapia “pode ser feito com outros tratamentos, mas todas as decisões relativas às terapias a serem usadas em monoregime ou poliregime dependem sempre da demonstração da sua eficácia em ensaios clínicos”. 

Mas quando os novos tratamentos chegam ao mercado, explica, “surgem tendencialmente em monoterapia e depois a investigação procura verificar se as combinações funcionam melhor ou pior, com o tempo é normal que se diversifiquem as formas de atuação”.

6 - A terapia tem efeitos secundários?

“Estamos muito habituados à lógica da quimioterapia tradicional, onde sabemos que o grau de efeitos secundários é grande”, o que torna a imunoterapia, na qual se inclui a terapêutica com células CAR-T, uma opção mais positiva, embora haja sempre algum nível de toxicidade. “Estas terapias, como as dirigidas e precisão, tem um perfil de toxicidade claramente melhor do que as quimioterapia convencional”, mas apesar de estas terapias serem “desenhadas para atacar células tumorais, não significados que não haja efeitos secundários”, adverte.

De qualquer modo, frisa o professor universitário, “em qualquer tratamento, os efeitos não podem ultrapassar os benéficos”.

7 - Que instituições portuguesas fazem este tratamento?

Para já, são apenas quatro. O IPO do Porto foi pioneiro, em 2019, na inclusão das células CAR-T nas suas terapias, seguindo-se o IPO de Lisboa, o Hospital de Santa Maria, também em Lisboa, e, mais recentemente, o IPO de Coimbra.

Desde 2019, o Instituto Português de Oncologia do Porto já tratou 42 doentes com células CAR-T, “dois com leucemia linfoblástica aguda e os restantes com linfomas”, diz o Público, que adianta que ainda este ano, o IPO do Porto e o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria, “vão avançar em conjunto com a participação num ensaio clínico internacional em doentes com mieloma múltiplo, num processo que foi iniciado há mais de um ano”.

Em 2021, o IPO Lisboa tratou 17 pacientes com células CAR-T.

8 - Quanto custa o tratamento?

O custo é um dos grandes problemas desta terapia: 350 mil euros. Para José Carlos Machado, este custo elevado, que diz que é transversal a todas as novas terapêuticas que vão surgindo, “só pode ser um entrave” para que outras instituições comecem também a usar as células CAR-T. “É muito dinheiro que está envolvido, tudo isto é obviamente um entrave, significa que os governos têm de encontrar uma plataforma de negociação diferente com a indústria farmacêutica ou a medicina passa a ser para os muito ricos”.

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