O tratamento "fora da caixa" que aproximou a ciência da cura de dois doentes com leucemia

CNN Portugal , BCE
2 fev 2022, 22:18
Ciência

A descoberta surpreendeu os próprios investigadores, que publicaram agora os resultados de um estudo com mais de dez anos

Uma equipa de investigadores da Universidade de Pensilvânia, nos Estados Unidos, desenvolveu um estudo inovador que acabou por superar as expectativas dos próprios cientistas ao curar dois doentes diagnosticados com leucemia linfocítica crónica e que hoje, ao fim de uma década, continuam em remissão, livres do cancro.

Doug Olson tinha 49 anos quando foi diagnosticado, em 1996, com leucemia linfocítica crónica, um tipo de cancro em que a medula óssea produz linfócitos em excesso. “Pensei que ia desta para melhor”, disse Olson, citado pelo The New York Times. Ao longo de seis anos, a doença foi progredindo e resistindo às várias sessões de quimioterapia, atingindo um ponto em que 50% das células da medula óssea eram cancerígenas.

Quando já tinha esgotado todas as esperanças, Olson recebeu uma proposta do oncologista que o acompanhava, David Porter, para participar num ensaio de um tratamento “fora da caixa”, baseado em células imunitárias modificadas (CART-T), e que consiste na remoção das células imunitárias dos próprios doentes, modificando-as geneticamente para provocar uma resposta imunitária contra as células cancerígenas. As células modificadas são depois reintroduzidas na corrente sanguínea.

Tendo em conta que se tratava de um teste sem precedentes, o principal investigador do estudo desenvolvido na Universidade da Pensilvânia disse ter moderado as próprias expectativas, acreditando que as células modificadas não sobreviveriam por muito tempo. “Pensávamos que dentro de um mês ou dois desapareceriam”, admitiu Carl June.

Mas a realidade acabou por superar as expectativas do investigador. Mais de uma década depois deste ensaio, os mesmos investigadores desenvolveram o estudo, publicado na revista Nature, no qual dão conta de que dois dos três pacientes que submeteram ao tratamento ficaram curados da leucemia linfocítica crónica.

Mas uma outra descoberta surpreendeu ainda mais a equipa: é que mesmo depois da cura do cancro, as células imunitárias modificadas mantiveram-se na corrente sanguínea dos doentes.

“Não conseguimos encontrar células cancerígenas [na corrente sanguínea] de Doug”, disse June Carl, razão pela qual as designa como células "guardiãs" das células cancerígenas.

“A leucemia desapareceu, mas elas continuam a fazer o seu trabalho”, explicou.

Para o investigador, conhecidos os resultados deste tratamento, é possível "dizer finalmente a palavra ‘cura’ com as células CART-T”.

Mas nem todos os doentes tiveram a mesma sorte. De acordo com o chefe do departamento de oncologia da Universidade de Washington, John F. DiPersio, muitos dos doentes com leucemia linfocítica crónica acabaram por ter uma recaída na doença, mesmo depois da remissão das células cancerígenas.

“A questão não é apenas porque é que alguns doentes têm uma recaída ou resistem ao tratamento, mas também porque é que alguns ficam curados?”, explicou DiPersio.

David Porter admitiu que os resultados superaram as suas expectativas: “Os oncologistas não utilizam a palavra ‘cura’ em vão. (...) As pessoas que submetemos a este tratamento tinham a doença a um nível já muito avançado.”

“Historicamente, se estes cancros não reaparecerem dentro de dois ou três anos, a probabilidade de recaída é baixa”, notou Hagop Kantarjian, chefe do departamento de leucemia da Universidade do Texas.

Agora, aos 75 anos e livre do cancro, Doug Olson diz ser "um homem de sorte" pela feliz coincidência de conhecer o oncologista David Porter na altura em que este este estudo estava a ser desenvolvido.

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