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Co-founder do LAND FUND

Acabar com o fogo?

15 ago 2023, 13:58

Numa altura de grande risco de incêndio, em que permanentemente somos confrontados com notícias de áreas florestais ardidas, de casas e populações em risco, coloca-se sempre a questão se será possível viver sem o fogo.

Recentemente foi publicado, pela editora Zigurate, o livro de Stephen J. Pyne “Piroceno: de como a Humanidade criou uma Idade do Fogo e o que virá a seguir” onde é efetuada uma abordagem histórica e diferenciada da problemática dos incêndios, a nível global, que considero muito útil para a necessária mudança de atitude face às constantes ameaças dos incêndios rurais.

Para além de frases polémicas e enigmáticas como “necessitamos de mais fogo para termos menos incêndios” está uma profunda análise sobre a forma como a humanidade capturou o fogo ao seu meio envolvente e dele fez um instrumento da maior utilidade.

Houve um processo de transição pírica quando começou a utilização (queima) de biomassa fóssil (carvão, petróleo e gás) e que substituiu a lenha e as queimadas para regeneração da paisagem. A combustão passou a ser efetuada dentro dos motores. Deixámos de queimar o que se tinha criado nos anos anteriores para queimarmos produtos de um passado geológico, lançando na atmosfera os seus resíduos. Foi assim que, enquanto humanidade, pensámos que tínhamos controlado o fogo.

Nada mais errado, como hoje permanentemente constatamos.

O fogo da lareira não se manteve lá. A combustão, nos motores, também não. E o fogo regressou, transfigurado, às paisagens de onde tinha provindo, com violência e fortes impactos que poucos imaginavam possível.

A atitude fortemente dominante de criar mais condições de combate e rápida extinção dos incêndios é claramente compreensível e não pode, em caso nenhum ser menosprezada. Prestar auxílio, preservar vidas e bens das populações, é uma função das mais nobres que podemos ter na sociedade. 

Mas uma nova atitude é necessária. O fogo propaga-se alimentando-se da biomassa desordenada das paisagens vivas e, portanto, o que teremos de fazer é alterar a matriz de combustível, para se alterar o fogo.

Temos de implementar boas práticas para viver com o fogo, substituindo o fogo selvagem pelo fogo controlado.  Sim, o recurso a fogos controlados para a limpeza de florestas durante o Inverno é hoje uma prática absolutamente necessária enquanto componente de gestão de paisagens e ecossistemas.

Tal como também é necessário promover uma crescente política de ordenamento rural, que ultrapasse as tão reconhecidas faixas de gestão de combustível, que se tornaram um significativo ónus para os detentores de áreas agrícolas e florestais, bem como para os detentores de infraestruturas.

Não é possível pedir a quem não tem nenhum rendimento da floresta, nem sequer expetativas de o vir a ter, que continue a gastar dinheiro a limpar as suas áreas. Mas elas têm de ser limpas e geridas, com alternância de espécies, com mosaicos agrícolas, com acessos, com pontos água, com vigilância, e com meios de rápida e forte intervenção de combate.

Por isso é urgente concretizar o que há décadas se vem anunciando e assumir que cuidar das áreas rurais é um desígnio social que a todos cabe. São necessários apoios significativos, reais e desburocratizados para as limpezas das áreas florestais, é necessário aumentar e executar as intervenções como as Áreas Integradas de Gestão das Paisagens e promover políticas de apoio ao emparcelamento funcional de forma a permitir uma gestão por entidades profissionais, públicas e privadas, que tenham a capacidade de intervenção em escala.  

Mas pouco será sustentável sem a valorização os produtos da floresta (lenhosos e não lenhosos) e dos serviços de ecossistemas (incluindo a fixação de carbono) que as áreas florestais fornecem. 

Este é o caminho para recentrar o interesse na floresta e impedir de entremos, sem retorno, numa nova era: a Era do Fogo.

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