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Colunista e comentador

Jesus a presidente e Rui Costa a treinador

21 dez 2021, 19:50

Entre tantas novelas, com muito non-sense à mistura, o Benfica tem um problema no seu futebol: o centro do poder (ainda) está invertido

Luís Filipe Vieira apostou no regresso de Jorge Jesus ao Benfica num momento em que — com o treinador português ‘em alta’ no Flamengo — queria garantir a sua reeleição como presidente dos ‘encarnados’.

Vieira passou mais em si próprio do que no Benfica, porque sabia exactamente a relação amor-ódio que liga o treinador aos adeptos do clube da Luz.

É bom lembrar que Vieira segurou Jesus em períodos difíceis, na primeira passagem do técnico pelo Benfica, mas também foi Vieira quem o deixou cair, aparecendo então o Sporting (de Bruno de Carvalho) na jogada.

A ‘máquina de comunicação’ dos ‘encarnados’ pôs a correr a tese da traição e a JJ ficou colado o rótulo de traidor.

As coisas mudam e o sentido de oportunidade também.

Jesus esqueceu-se da ‘minudência’ mas não se esqueceu do essencial: ele tem bem vincado na sua memória que, se não fosse a aposta de Vieira e do Benfica, provavelmente não tinha conseguido afirmar a carreira que afirmou e somar tantos milhões de euros, para seu conforto e da própria Família. São coisas que nunca se esquecem e uma acusação de traição é sempre, nesta dimensão, uma coisa de trazer por casa.

Jesus reentrou na Luz de peito feito. De tal modo de peito feito, carregado em cima do que havia feito no Flamengo, gerando uma onda de apoio difícil de igualar — toneladas de mimo e de endeusamento —, que à chegada, com o apoio de Vieira e de Rui Costa, prometeu jogar o triplo e colocar de novo o Benfica na estrada da Europa.

Na primeira época, as coisas  não correram bem, entre erros de construção de plantel, covid-19, alguma arrogância e afastamento prematuro da Champions; nesta segunda temporada, as derrotas na Luz diante do Portimonense e, fundamentalmente, sobre o Sporting, pelo choque emocional que isso representa, voltaram a colocar muitas interrogações sobre os métodos do treinador e os lenços brancos que já viu, em cima de algumas manifestações de pouco agrado por esses métodos (vide reacção de Otamendi…), traduziram desconfiança, mal-estar e acentuaram divisões internas, agora um pouco mitigadas pela façanha do apuramento para os ‘oitavos’ da Liga dos Campeões.

Rui Costa quer ser Rui Costa e não Rui ‘Vieira’ Costa, mas há uma cola que não sai, mesmo que se use a melhor aguarrás do mercado.

Jorge Jesus vai ser sempre o treinador de Vieira e nunca o treinador de Rui Costa-presidente.

Acontece agora que Jesus parece querer fazer de presidente e só falta dizer a Rui Costa para, pelo menos nos tempos de castigo, ir fazer de treinador. Os adeptos iam gostar de ver o Rui Costa junto ao relvado.

O futebol do Benfica tem, de facto, um problema: a definição do centro de poder. Quem manda, afinal? Jesus, Rui Costa ou…Domingos Soares de Oliveira?!

A declaração-kamikaze segundo qual o núcleo duro do futebol do Benfica — incluindo o presidente — não acreditava na passagem aos ‘oitavos’ da ‘Champions’ foi a verificação, se dúvidas existiam, de que Jesus se considera Deus. Não o João, adjunto. Deus, o único, Salvador. O Todo-Poderoso.

Não há nada a fazer: Jesus considera-se omnipotente e omnipresente, está em todo o lado e tem da sua estrutura uma ideia apostólica. Ora não faz sentido que, antes de orar, Rui Costa seja apóstolo de Jesus, nem o Domingos, nem o Antunes, nem o Braz, nem sequer, até, o Luisão. Algumas destas figuras são para Jesus autênticas tábuas de passar a ferro.

É claro que este assomo de autoridade causa desgaste, desconforto, mas Jesus tem carne e tem osso — e uma idiossincrasia do arco da velha.

Quem o contratou sabia que era assim e Rui Costa só quer que o contrate acabe. Para poder efectivamente presidir e liderar o futebol.

… E, por isso, este lume brando e este jogo do gato e do rato, com Jorge Jesus a forçar uma definição de sim ou não à prorrogação do contrato e Rui Costa a fingir de morto, vão continuar provavelmente nos próximos meses, a menos que o FC Porto pregue duas cabazadas das antigas ao Benfica, o que convenhamos não é nada provável, não porque o FC Porto não tenha equipa para se superiorizar aos ‘encarnados’ (e vice-versa) mas porque a diferença entre as duas formações nunca é, em tese, para justificar dois ’cabazes’… de Natal.

Este ‘raid’ dos dirigentes do Flamengo a Portugal é, essencialmente, uma manobra de diversão. Um isco na ponta do anzol para ver se há quem o morda. Os cafezinhos e as sapateiras fazem parte de um menu de marketing e de amizades de conveniência que, no fundo, representam uma mão cheia de nada, até porque a história real e completa ninguém a vai saber.

Estão a esquecer-se que, quando Vieira viajou para o Brasil, já estava tudo encaminhado e Vieira - reconheça-se-lhe esse mérito — não andou a dar entrevistinhas à imprensa brasileira, a alimentar a  telenovela.

Quando se quer contratar alguém, e muito, sobretudo quando se está sob contrato, avaliam-se os custos e parte-se para a execução da estratégia. Não se badala, não se representa, não se encena — faz-se com recato e pronto, já está.

Andou tudo a explorar um passo em falso e, como esse não foi dado (muito bem Rui Costa!), restou a verificação de um espectáculo amador e medíocre, com pobres actores.

O Flamengo merecia melhor.

Jorge Jesus precisa de investir mais na sua comunicação e de confiar menos nos seus aríetes tradicionais. A coisa é séria, para profissionais e não para curiosos…de solar.

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