Os invasores russos de Belgorod não estão a agir por conta própria - e isto pode causar problemas à Ucrânia

CNN , Análise de Sam Kiley
25 mai 2023, 18:00
Paramilitares anti-Putin negam 70 baixas e ameaçam fazer mais ataques na Rússia

Num alegre desfile de propaganda, combatentes russos dissidentes, regressados de um raide no seu país natal, apareceram na Ucrânia com um troféu - um veículo blindado russo capturado - mas tiveram dificuldade em seguir a explicação oficial de Kiev sobre as suas façanhas.

As autoridades ucranianas dizem que os combatentes estavam a agir por conta própria quando atravessaram a fronteira e dispararam contra cidades russas na região de Belgorod no início da semana, num ataque de dois dias que foi amplamente divulgado nas redes sociais.

Não estavam.

Os membros da Legião da Liberdade para a Rússia e do Corpo de Voluntários Russos - ambos formados por cidadãos russos que estão a lutar na Ucrânia contra a sua pátria - estão todos sob o comando das forças de segurança ucranianas.

"Esta foi uma ação independente, sem coordenação com o Ministério da Defesa ucraniano, ou eles deram-vos instruções?", perguntou a CNN a Dennis Nikitin, líder do Corpo de Voluntários Russos, de extrema-direita, nesta quarta-feira.

"Obviamente, tudo o que fazemos, todas as decisões que tomamos para lá da fronteira [da Rússia]... são decisões nossas", respondeu.

Mas admitiu um certo "encorajamento, ajuda e auxílio".

"O que fazemos, obviamente, podemos pedir aos nossos camaradas, digamos, amigos [ucranianos] que nos ajudem a planear. O que é que pensam sobre isto? Podem dizer-nos se esta é uma missão plausível? Ajudaria a Ucrânia nesta luta ou pioraria as coisas?", especificou Nikitin.

"Eles dirão 'sim', 'não', 'esta é uma boa ideia', 'esta é uma má ideia'. Portanto, é uma espécie de encorajamento, ajuda e auxílio."

Nikitin não encenou um piscar de olho, mas mais valia tê-lo feito.

Sinais semelhantes vieram de "César", a alcunha do porta-voz da Legião da Liberdade para a Rússia, uma formação antiPutin mais moderada de algumas centenas de homens que também se dedica a acabar com a guerra na Ucrânia e a derrubar o presidente russo Vladimir Putin.

Quando questionado sobre se era verdade que os dissidentes russos tinham utilizado alguns blindados MRAP de fabrico americano - talvez até veículos doados pelos Estados Unidos à Ucrânia - "César" disse: "Também usámos Humvee. Compramo-los em lojas internacionais, lojas de guerra. Sim... todos os que têm algum dinheiro podem fazê-lo."

Ele estava a repetir, de forma irónica e consciente, um chavão de propaganda russa que remonta à primeira invasão russa da Ucrânia, em 2014, quando o Kremlin negou que as suas tropas estivessem no terreno e sugeriu que os rebeldes pró-Moscovo tinham comprado veículos russos no mercado livre.

A utilização de veículos americanos na operação causou uma pequena consternação em Washington.

Ataque na região russa de Belgorod. bpzua/Telegram

"O governo dos Estados Unidos não aprovou qualquer transferência de equipamento de terceiros para organizações paramilitares fora das Forças Armadas ucranianas, nem o governo ucraniano solicitou tais transferências", informou o secretário de imprensa do Pentágono, o brigadeiro da Força Aérea Patrick Ryder, na terça-feira, enfatizando que os Estados Unidos "ficariam de olho" na questão.

O Ocidente tem insistido para que a Ucrânia não utilize armas que recebe de membros da NATO dentro da Rússia. Um ataque contra um alvo russo dentro da própria Rússia utilizando o míssil de cruzeiro Storm Shadow, fornecido pelo Reino Unido, por exemplo, poderia arriscar levar a NATO para um conflito direto com Moscovo.

Mas os MRAP são apenas veículos blindados. O que realmente importa são os sistemas de armas.

A Ucrânia não quer ter qualquer crédito pela incursão na Rússia. Por isso, recorreu a russos para fazer o trabalho e afirmou que, desta vez, não estavam sob ordens ucranianas.

No entanto, Kiev ficará muito satisfeita com o resultado. O ataque dos dissidentes teve o efeito desejado - desestabilizar a Rússia.

Yevgeny Prigozhin, o líder da companhia mercenária Wagner, que tem estado a combater na Ucrânia ao lado dos militares russos, já aproveitou o raide como prova da inépcia dos militares russos.

"As forças de sabotagem e de reconhecimento entram calmamente na Rússia e marcham, divulgam vídeos, conduzem os seus tanques, veículos de infantaria. Onde está a garantia de que não entrarão em Moscovo? Tanto quanto sei, ninguém se importa com os habitantes da região de Belgorod", questionou Prigozhin na terça-feira, numa entrevista ao bloguista pró-russo Konstantin Dolgov.

"Eu digo à elite da Federação Russa - seus filhos da mãe, reúnam os vossos filhos. Enviem-nos para a guerra. Quando chegarem a um funeral e começarem a enterrá-los, as pessoas dirão: 'Agora está tudo bem'."

Caso contrário, avisou o líder mercenário que ainda garante apoiar Putin, "todas estas divisões podem acabar numa revolução, tal como em 1917".

É seguro assumir que os descendentes da nomenklatura [hierarquia] moscovita não vão, de repente, entrar pelos gabinetes de recrutamento para as forças armadas ou para os mercenários de Prigozhin.

Mas o caos nas fileiras do inimigo equivale à vitória, segundo a doutrina homónima do general das forças armadas russas Valery Gerazimov.

E "César" está confiante de que Moscovo foi abalada.

"Eles [os russos que defendiam Belgorod] eram demasiado estúpidos e demasiado lentos. Cerca de cinco horas, cerca de cinco horas [para reagir]. Só tentaram perceber o que se tinha passado. Tratava-se de uma companhia mecanizada para forçar o contra-ataque. Ontem, destruímos essa companhia mecanizada. Causamos-lhes pesadas baixas", disse em inglês que aprendeu na sua escola na Rússia.

"É apenas um pequeno começo, apenas para reconhecimento", acrescentou.

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