“Há doentes que chegam a ir 20 vezes ao serviço de urgência em vez de irem a uma consulta”

Agência Lusa , AM
1 abr 2022, 07:04
Miguel Guimarães

Bastonário da Ordem dos Médicos pede mais coordenação entre a medicina geral e familiar e a medicina interna e o regresso das consultas presenciais

O bastonário dos médicos defende que a gestão dos doentes crónicos deve ser feita em conjunto e proximidade pelos médicos de família e os de medicina interna e que é preciso recuperar a relação médico-doente, desgastada pela pandemia.

Em declarações à agência Lusa na véspera do Congresso Nacional da Ordem dos Médicos, que decorre no fim de semana na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, Miguel Guimarães pediu mais coordenação entre a medicina geral e familiar e a medicina interna.

“A gestão do doente crónico deve ser feita por aquilo que são os gestores de doentes de forma global, que são os médicos de família, e o que são os gestores de doentes nos hospitais, que são os médicos de medicina interna”, afirmou.

O bastonário defendeu que só com “uma integração e uma coordenação muito forte” entre a medicina interna e a medicina geral e familiar se consegue retirar das urgências muitos destes doentes que acabam por ver as suas doenças descompensar ao longo do ano.

“Uma maior proximidade entre o médico hospitalar e o médico de família vai retirar [das urgências] estes doentes, que tem muitos episódios de urgência por ano”, considerou o bastonário, sublinhando: “Há doentes que chegam a ir 20 vezes, ou mais, ao serviço de urgência (…) em vez de irem a uma consulta”.

“Havendo este intercâmbio entre hospitais e cuidados de saúde primários, esta proximidade entre os médicos, que pode ser feita pela própria transformação digital, à distância, vamos retirar muitos episódios da urgência. Este é um ponto crítico”, acrescentou.

“É fundamental recuperar as consultas presenciais"

Questionado pela Lusa sobre se a pandemia modificou a relação médico-doente, Miguel Guimarães reconheceu que houve algumas alterações que “convém corrigir rapidamente”.

“As consultas à distância, ou a comunicação com os doentes à distância, é possível, mas deve ser preferencialmente com imagem. A maior parte do que aconteceu na pandemia foram simples telefonemas e num simples telefonema não há a empatia [de quando] se está a olhar para o doente”, disse, sublinhando que toda a linguagem corporal importa nesta avaliação.

“Não havendo o contacto físico, isto [imagem] ajuda muito”, considerou, lembrando a necessidade de equipar centros saúde e hospitais para que as consultas com imagem possam acontecer sempre.

“É fundamental recuperar as consultas presenciais, sobretudo nas doenças mais graves ou nas primeiras consultas. Aquilo que for (..) à distancia tem de ter as condições adequadas que garantam consultas com qualidade e segurança”, acrescentou.

Médicos reúnem-se em Lisboa

O bastonário da Ordem dos Médicos defende que é preciso fazer alterações nos cursos de medicina e nas especialidades para no futuro ter uma resposta adequada às necessidades da população, uma discussão que decorrerá no Congresso Nacional em Lisboa.

“Se eu quiser estar preparado para daqui a uns anos dar a resposta que os cidadãos precisam, tenho de fazer alterações nos cursos de medicina já, nas especialidades já”, disse Miguel Guimarães, sublinhando que no Congresso Nacional da Ordem dos Médicos, que decorre no fim de semana em Lisboa, vão estar “pessoas que pensam fora da caixa”.

“Vamos ter pessoas que pensam de forma diferente: da área da engenharia, da física, médicos, naturalmente, e também biólogos e pessoas de várias áreas diferentes”, explicou.

“Cenários para 2040 – A medicina no tempo pós-covid-19” é o tema do encontro que até domingo junta na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa especialistas de diversas áreas para discutir o que se aprendeu com a pandemia, as macrotendências até 2040, a necessidade de redesenhar os serviços de saúde para melhorar o acesso e a prestação de cuidados e a transformação digital da saúde.

Os médicos vão homenagear o neurocientista António Damásio e a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, num encontro que decorre quando passam dois anos da pandemia em Portugal e em que se pretende debater as lições que se podem tirar das mudanças a que o Serviço Nacional de Saúde foi forçado.

“Além das coisas que temos de corrigir já, como a questão de haver um médico de família para cada cidadão, temos de pensar mais longe em várias coisas que precisam de ser mudadas”, disse o bastonário, dando o exemplo do serviço de urgência, que “continua a funcionar como há 20 ou 30 anos atrás”.

Defendeu que é preciso repensar a forma como os hospitais funcionam, sobretudo ao nível da urgência: “Não faz sentido que numa urgência, em que vou tratar casos muito graves, tenha 50% de doentes que não são casos graves. Mas também é verdade que muitos doentes não têm alternativa”.

Miguel Guimarães disse também que “é preciso fazer literacia e educar as pessoas para que percebam o que é uma situação aguda urgente e uma situação aguda não urgente” e ter, a montante, resposta ao nível dos cuidados de saúde primários.

“Se não tiverem [esta resposta], onde vão os doentes?”, questionou.

O bastonário da Ordem dos Médicos espera que no congresso surjam propostas nas várias áreas, sublinha que as urgências são o “ponto crucial do Serviço Nacional de Saúde” e adiantou que no final serão feitas recomendações para enviar ao Governo.

“Queremos deixar as propostas escritas, como recomendações para o novo governo. Esperemos que o Ministério da Saúde e tenha uma atitude diferente da que tem tido até agora”, afirmou.

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