A denúncia partiu da antiga vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros - também acusada neste processo - que admitiu ter falsificado quilómetros e ter recebido o valor dos mesmos como forma de complemento do ordenado
O Ministério Público (MP) acusou a bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE) dos crimes de peculato e falsificação de documentos no âmbito de um processo-crime no qual foi investigado o pagamento indevido de quilómetros que nunca foram percorridos. No acórdão do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, a que a CNN Portugal teve acesso, além de Ana Rita Cavaco foram ainda acusadas mais 13 dirigentes que alegadamente adulteraram informação "com o intuito de obter um benefício que sabiam ser ilegítimo", nomeadamente através do "forjamento de mapas de deslocação, declarando quilómetros que não percorreram".
"Todos os arguidos agiram, em todas as relatas condutas, de forma livre, deliberada e consciente. Os arguidos sabiam, ainda, que as respetivas condutas eram proibidas por lei", lê-se no documento. De acordo com a acusação, entre 14 de março de 2016 e 19 de outubro do mesmo ano, Ana Rita Cavaco "forjou mapas de deslocação" declarando ter percorrido 58.947km quando, segundo o MP, entre 27 de agosto de 2015 e 20 de outubro de 2016 percorreu 29.416km. Existe entre os quilómetros declarados e os percorridos uma diferença de 29.531km, o que significa que a bastonária dos Enfermeiros "recebeu a quantia de €10.631,16 que não lhe era devida".
Este esquema alegadamente levado a cabo pelas 14 pessoas acusadas ultrapassa os 63 mil euros em pagamentos indevidos. Se todos estes factos ficarem provados em julgamento, esse dinheiro terá de ser devolvido ao Estado.
Na acusação, o MP defendeu que os arguidos se aproveitaram dos cargos de bastonária e vogais do Conselho Geral da OE para "aprovar tetos máximos de ajudas de custo, o que fizeram com vista a, de forma entre todos concertada, apresentarem a pagamento despesas de deslocação sem correspondência com a realidade, que visavam unicamente fundamentar o recebimento de suplemento remuneratório que não lhes era devido".
Ainda segundo o MP, os arguidos agiram conscientes do seu estatuto de "trabalhadores de uma associação de natureza pública", o qual usaram para apropriação indevida de verbas, fazendo-o "de forma a ocultar os benefícios recebidos, designadamente da Autoridade Tributária para que os mesmos não fossem tributados".
Numa reação em comunicado, a Ordem confirma que "todas as deslocações alguma vez apresentadas a pagamento pelos arguidos foram efetivamente feitas e ao serviço da Ordem dos Enfermeiros", referindo, no entanto, que "a responsabilidade direta pelos procedimentos irregulares relacionados com o processamento de quantias pagas a dirigentes e funcionários da Ordem era do seu ex-Diretor Administrativo e Financeiro, que, justamente por esse motivo, foi afastado por estes dirigentes, mas, surpreendentemente, surge apenas neste processo como testemunha".
Através do Facebook, Ana Rita Cavaco atacou o MP e a maçonaria e negou ter desviado dinheiro: "Ao contrário, dei do meu bolso milhares de euros a Enfermeiros".
A Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária (PJ) chegou a realizar buscas na sede da Ordem dos Enfermeiros. Só em março de 2022 é que os suspeitos foram interrogados e constituídos arguidos. Entres eles estão: Ana Rita Cavaco, Graça Machado (vice-presidente que denunciou o caso), Luís Barreira (outro vice), Catarina Figueiredo (secretária do Conselho Diretivo da Ordem) e, entre outros, os responsáveis regionais do Conselho Diretivo. Apenas o dirigente da Madeira, Élvio de Jesus, atual deputado regional, escapou deste processo-crime porque nunca aceitou receber os quilómetros.