A moratória do crédito à habitação promete baixar a prestação da casa durante dois anos. Mas a banca também tem "armas" poderosas para não "perder" para a solução do Estado. As famílias agradecem
A solução desenhada pelo Governo para fixar a prestação da casa durante dois anos já está disponível a partir desta quinta-feira, 2 de novembro. Mas para as famílias com sérias dificuldades em pagar atualmente a prestação da casa, a moratória não é, no entanto, a única opção para escaparem a um muito provável incumprimento.
A moratória permite uma redução da prestação de casa no imediato, como resultado da substituição do indexante do empréstimo à habitação por um indexante equivalente a 70% a Euribor a 6 meses, acrescido do spread contratado.
De acordo com cálculos do ECO, num empréstimo de 200 mil euros a 30 anos, indexado à taxa Euribor a 6 meses com um spread de 1%, a adesão da moratória durante este mês de novembro significa passar de uma prestação de 1.088 euros para 941 euros.
Porém, o diferencial entre estas duas prestações terá de ser pago no futuro, acrescido da respetiva capitalização de juros. Segundo contas do ECO, com base neste exemplo, isso deverá traduzir-se num encarecimento de cerca de 3,3%, ou 11.381 euros, do crédito à habitação ao final dos 30 anos, quando comparado com a não adesão à moratória e assumindo o mesmo nível de taxa de juro ao longo do período do contrato. É o preço a pagar para ter uma maior liquidez no presente, recorrendo à moratória. Mas não tem de ser assim.
Fixar a prestação para lá da moratória
A banca nacional já oferece soluções no mercado que também prometem a estabilidade da prestação da casa durante dois ou mais anos, ao mesmo tempo que conferem a necessária liquidez às famílias no curto prazo, como promete a moratória. Essa solução é dada através da oferta de crédito à habitação de taxa mista.
A oferta de taxa mista do crédito à habitação pressupõe a aplicação de uma taxa fixa durante um período inicial e, posteriormente, a aplicação de uma taxa variável durante o resto do contrato. Esta solução tem assim o mesmo pressuposto da moratória.
E segundo os últimos dados do Banco de Portugal sobre a contratualização de novos créditos à habitação, é justamente para a solução de taxa mista que cada vez mais portugueses estão a encaminhar-se, quer seja na contratualização de novos contratos ou por via da renegociação do seu empréstimo. “Em setembro, 55% das novas operações de crédito para habitação própria permanente foram com taxa mista”, referiu o Banco de Portugal num comunicado publicado na quinta-feira.
A ideia da moratória é conferir total liberdade às famílias para, durante os dois primeiros anos, poderem “saltar” entre a taxa oferecida pela moratória (70% da Euribor a 6 meses) e a taxa de juro do seu atual contrato, consoante a que for mais conveniente na carteira.
Entre a oferta comercial dos cinco maiores bancos nacionais não é difícil encontrar soluções de taxa mista mais económicas no presente para a carteira das famílias àquela que promete a moratória. A Caixa Geral de Depósitos, por exemplo, oferece um produto de taxa mista que permite fixar a prestação durante os dois primeiros anos através de uma taxa de 3,75% com spread nulo. Já o Santander Totta tem a decorrer uma campanha até 31 de dezembro de taxa mista que confere uma taxa fixa de 3,65% para os primeiros quatro anos do contrato.
Considerando que, segundo o Banco de Portugal, o spread médio dos contratos de crédito à habitação é de 1,1%, e que a taxa média da Euribor a 6 meses em outubro foi de 4,115%, significa que a taxa de 3,75% oferecida pelo produto de taxa mista do banco público nos dois primeiros anos compara com uma taxa de 3,98% da moratória no mesmo período (70% de 4,115%, acrescido do spread de 1%), para quem aderir este mês à moratória.
No bolso de uma família com um crédito à habitação de 200 mil euros a 30 anos, a opção entre a solução de taxa mista da Caixa Geral de Depósitos e a adesão à moratória este mês significa ficar a pagar 926 euros durante dois anos com a oferta do banco público ou 953 euros no mesmo período com a moratória. No entanto, a decisão entre optar por uma ou outra solução não se deve ficar por esta diferença financeira. É preciso analisar todos os prós e contras das duas soluções.
Descubra as diferenças
Além da comparação entre as taxas de juro propostas pela moratória e pela oferta de taxa mista no período de taxa fixa, as famílias devem também ponderar a sua decisão de escolha tendo em conta outros aspetos.
Por exemplo, ao aderir a uma solução de taxa mista, os mutuários do crédito ficam condicionados a uma prestação fixa durante um determinado período, independentemente se as taxas de juro sobem ou baixam.
No caso da moratória, caso o indexante do contrato do crédito à habitação baixe para um valor inferior ao indexante resultante da aplicação dos 70% da Euribor a 6 meses, a moratória é imediatamente suspensa, permitindo usufruir da queda das taxas de juro.
E da mesma forma que a moratória é suspensa por essa situação, será também retomada de forma automática, sempre que o valor do indexante do contrato de crédito à habitação seja superior ao que resulte da aplicação da fórmula da moratória (70% da Euribor a 6 meses).
A ideia da moratória é conferir total liberdade às famílias para, durante os dois primeiros anos, poderem saltar entre a taxa oferecida pela moratória (70% da Euribor a 6 meses) e a taxa de juro do seu atual contrato, consoante a que for mais conveniente na carteira. Algo que não se coloca nas soluções de taxa mista.
Outra situação a ponderar entre mudar para uma solução de taxa mista ou aderir à moratória é o impacto que essa mudança provocará nas condições do crédito.
No caso da adesão à moratória, as condições do empréstimo (spread, maturidade) permanecem exatamente nos mesmos moldes com que foram inicialmente contratualizadas. A única coisa que é “provocada” pela moratória é o diferimento de parte do capital em dívida, por conta da aplicação da fixação da prestação da casa durante os dois primeiros anos da medida.
Já a mudança para uma solução de taxa mista obriga a uma revisão do contrato que pode, por exemplo, levar à subscrição de novos produtos financeiros para tirar o maior partido de uma taxa fixa mais baixa no período inicial do contrato e de um spread mais económico durante o período de taxa variável. No entanto, a longo prazo, esta situação poderá levar ao encarecimento do crédito e isso deverá pesar na tomada de decisão.
Com a chegada da moratória, as famílias têm até março do próximo ano (período até quando poderá ser requerida a moratória) à sua disposição duas soluções capazes de baixar a prestação da casa no imediato: a oferta dos bancos (taxa mista) ou a solução do Governo (moratória).
Por fim, e não menos relevante na hora de optar entre a moratória ou uma solução de taxa mista, são as diferenças que as separam na fórmula de cálculo da amortização do capital em dívida. Enquanto na moratória o efeito da redução da prestação nos dois primeiros anos pressupõem um reembolso menor da fração do capital em dívida, no caso da solução de taxa mista isso não acontece.
Essa diferença faz com que, se com a adesão à moratória haja lugar à existência de um capital diferido para o futuro, e com isso gerando um aumento do custo do crédito, na solução de taxa mista não.
É importante não esquecer que a medida de fixação da prestação da casa durante dois anos (moratória) foi pensada pelo Governo para apoiar os agregados familiares com maiores dificuldades de liquidez no curto prazo, como resultado da subida significativa do custo de vida nos últimos meses, numa altura em que a oferta de taxa mista e taxa fixa no mercado nacional eram pouco competitivas.
Desde então o mercado mudou, com os bancos a procurarem oferecer soluções de taxa mista cada vez mais “interessantes” para quem quer recorrer ao crédito bancário para comprar casa.
Agora, com a chegada da moratória, as famílias têm até março do próximo ano (período até quando poderá ser requerida a sua adesão) à sua disposição duas soluções capazes de baixar a prestação da casa no imediato: a oferta dos bancos (taxa mista) ou a solução do Governo (moratória).
No entanto, é importante não esquecer que ambas as soluções têm vantagens e desvantagens. Cabe a cada família, a viver atualmente uma situação de aflição financeira, optar pela que melhor se enquadra no seu bolso.
Mas antes de avançar para qualquer uma delas, é aconselhável ponderar todas as opções que têm à disposição para baixar o custo da prestação da casa. Renegociar o spread e os seguros do crédito à habitação são apenas duas dessas soluções.