O mistério do canto das baleias foi, finalmente, desvendado

CNN , Amarachi Orie
10 mar, 12:00
Um mergulhador desce entre três baleias-corcundas juvenis, cada uma do tamanho de um autocarro. Karim Iliya

Descobrir como as baleias vocalizam pode ajudar os cientistas a compreender melhor o impacto da poluição sonora causada pelo homem nas águas marinhas

O canto das baleias é um dos sons mais misteriosos que já se ouviram no oceano.

A forma como as baleias-de-barbatanas, entre as quais se incluem as baleias-corcundas, são capazes de cantar debaixo de água tem iludido os cientistas desde que as canções das baleias foram descobertas há mais de 50 anos.

Enquanto as baleias dentadas, que incluem os golfinhos e as orcas, desenvolveram um órgão vocal no nariz para produzir som, pensa-se que as baleias-de-barbatanas [que se caracterizam pela ausência de dentes] utilizam uma laringe - ou caixa de voz - na garganta para o fazer, de acordo com um novo estudo publicado na revista Nature.

A laringe das baleias-de-barbatanas tem uma forma diferente da dos outros mamíferos. Tem cartilagens longas, rígidas e cilíndricas que formam um "U". Esta adaptação estrutural permite ao grande monstro marinho inspirar e expirar grandes quantidades de ar quando vai à superfície, segundo o estudo.

No trato respiratório, os tampões nasais e orais evoluíram e protegem as vias respiratórias da água quando o mamífero marinho respira e come.

De acordo com os investigadores, os sacos de ar também evoluíram de uma forma que pode permitir que uma baleia-de-barbatanas recicle o ar enquanto cria sons vocais.

Descobrir como as baleias vocalizam pode ajudar os cientistas a compreender melhor o impacto da poluição sonora causada pelo homem nas águas marinhas.

Uma baleia-corcunda perto da ilha de Bering, ao largo da península russa de Kamchatka. De acordo com o estudo, as estruturas únicas na garganta das baleias permitem-lhes respirar grandes quantidades de ar quando sobem à superfície. Olga Filatova/Universidade do Sul da Dinamarca

Para além de documentar gravações de animais em estado selvagem, os investigadores conseguiram adquirir uma baleia-sardinheira, uma baleia-corcunda e uma baleia-anã pouco depois de terem morrido, entre 2018 e 2019, e estudá-las em laboratório com grande detalhe. Este nível de análise "nunca foi feito antes", sublinhou o principal autor do estudo, Coen Elemans, professor de bioacústica na Universidade do Sul da Dinamarca, à CNN.

Os cientistas também criaram modelos informáticos das caixas de voz das baleias que simulavam aspetos que não podiam ser medidos em laboratório, como o efeito da contração muscular na produção do som.

Através dessa simulação, os investigadores descobriram que a caixa de voz das baleias "tem um mecanismo completamente novo que não é descrito em nenhum outro animal", observou Elemans.

Entre as estruturas especializadas havia uma almofada de gordura que vibra quando o ar é expulso dos pulmões, permitindo às baleias criar sons de baixa frequência debaixo de água para comunicar a grandes distâncias.

Como o oceano é escuro, o som é o principal meio de que as baleias dispõem para se encontrarem e, portanto, acasalarem, apontou Elemans. O estudo resolve um quebra-cabeças "para todo um grupo de animais realmente icónicos", acrescentou.

"São os maiores animais que alguma vez percorreram este planeta. São super inteligentes, muito vocais, muito sociais. E agora descobrimos como é que estes animais conseguem comunicar uns com os outros na água. E isto evoluiu provavelmente há cerca de 40 milhões de anos e permitiu que as baleias atuais fossem bem sucedidas", continuou.

Uma pintura de baleia-corcunda mostra as cartilagens da laringe, ou caixa de voz. Patricia Jaqueline Matic

Perturbações humanas

No entanto, este mecanismo "fixe" também "limita" as baleias, indicou Elemans.

As baleias-de-barbatanas só conseguiam emitir sons de baixa frequência desde a superfície da água até uma profundidade máxima de 100 metros. Isto deve-se ao facto de as baleias não poderem estar muito longe da superfície do oceano, uma vez que precisam de ar para produzir os seus sons, que têm uma frequência sonora máxima de 300 hertz.

De acordo com o estudo, esta profundidade e frequência coincidem com os ruídos produzidos pela maioria das embarcações humanas, que, atualmente, são frequentemente de 30 a 300 hertz perto da superfície do oceano.

Isto significa que a maioria dos ruídos de embarcações mascaram as chamadas entre as baleias-de-barbatanas, reduzindo a distância a que podem comunicar.

"Temos realmente de mudar o ruído que fazemos, o tipo de ruído que fazemos, quando o fazemos, onde o fazemos. E esperamos que este estudo possa ajudar a ... atenuar o ruído que fazemos", disse Elemans.

Uma almofada de gordura na sua caixa vocal, que vibra quando o ar é expelido dos pulmões, permite à baleia-corcunda criar sons de baixa frequência debaixo de água para comunicar a grandes distâncias, segundo um estudo. Karim Iliya

O biólogo evolucionista James Rule, investigador do Museu Nacional de História de Londres, que não esteve envolvido na investigação, descreveu o estudo como "inovador", dizendo à CNN que propunha "uma nova forma de as baleias produzirem canções subaquáticas complexas".

A descoberta de que as baleias estão limitadas na frequência do som que podem produzir "é importante, uma vez que a poluição sonora causada pelo homem no oceano é um problema cada vez maior que perturba a vida dos mamíferos marinhos", acrescentou.

"Este facto realça o papel vital que o estudo e a digitalização da morfologia animal têm na resposta a algumas das maiores questões relativas à vida dos animais mais esquivos e misteriosos do mundo", continuou.

Ellen Coombs, bolseira de pós-doutoramento de Peter Buck no Museu Nacional de História Natural Smithsonian, que não esteve envolvida no estudo, disse em declarações à CNN: "Muitas populações de baleias estão a começar a aumentar em número graças ao fim da caça comercial à baleia pela maioria dos países - mas parece que estes magníficos animais estão agora a lidar com o próximo desafio criado pelo homem, e é um desafio ruidoso."

O estudo, que "apenas começou a arranhar a superfície", envolveu animais jovens pertencentes a apenas algumas espécies, indicou Elemans, acrescentando que a sua equipa gostaria de estudar animais adultos.

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