Reino Unido defende medida radical no combate ao doping. Presidente da federação portuguesa abraça discussão apontando outras causas do problema
A federação de atletismo do Reino Unido (UKA) decidiu agitar a discussão sobre o combate ao doping lançando um Manifesto para o Atletismo Limpo em que uma das propostas é colocar todos os recordes do mundo a zeroOs responsáveis portugueses acolhem a discussão de braços abertos, mas reforçam que a pureza dos resultados está sempre dependente do controlo que se consegue fazer. Ou seja, partilham da necessidade de se ser implacável contra o doping, mas reforçando o que mais garanta a lealdade da competição. E abolir os recordes só por si não é garante suficiente. Até porque o problema se coloca sob vários ângulos...
O Manifesto inglês surge sob a forma de uma resposta que se quer mostrar como inequívoca na eliminação do doping depois de um ano de 2015 em que o atletismo foi abalado de forma muito violenta pelo escândalo com a Rússia, cujas acusações da Agência Mundial Antidopagem atingiram as autoridades estatais.
Endurecer as sanções
A UKA propõe uma maior rigidez e abrangência dos testes antidoping, assim como a sua publicidade, bem como a participação dos poderes políticos e dos patrocinadores no incremento deste combate. Um dos 14 pontos do Manifesto aponta também para o endurecimento das sanções, de quatro para oito anos, para incluírem dois ciclos olímpicos, quando não for caso de uma expulsão do desporto para sempre.
A federação inglesa defende também que os recordes do mundo devem ser colocados a zero
Entre aqueles estão os recordes mundiais do lançamento do peso masculino, de Randy Barnes (23,12 metros, em 1990), os dos 100 e 200 metros planos femininos, de Florence Griffiths-Joyner (10,49 e 21,34 segundos, respetivamente, em 1988), ou dos 400 metros planos, de Marita Koch (47,60 segundos).
Troca de apoios
«Nesta altura temos a situação de que o recorde do lançamento do peso masculino de 1990 ainda é detido por alguém que foi expulso para sempre», explicou Ed Warner ao «Irish Examiner». Ao «The Guardian», o presidente da UKA fez questão fazer distinções por falta de certezas: «Quem sou eu para dizer se Florence Griffiths-Joyner estava animada por drogas ou não? (...) Ela nunca falhou um teste... (...) E vejam Marita Kock nos 400 metros. Nunca falhou um teste, mas é um segundo e meio mais rápida do que o tempo de Allyson Felix.»
«Mas há muitos recordes que são simplesmente inatingíveis pelos padrões presentes», explicou Warner ao «Examiner» revelando o apoio do presidente da IAAF: «Ele disse-me que é a favor de retirar esses recordes que estão claramente mal.» «Se ele conseguir fazer isso, maravilhoso, vamos em frente. Acreditamos que todos os recordes mundiais devem ser postos a zero assim que as medidas necessárias tenham sido postas em prática», acrescentou.
Preservar os limpos
Ed Warner quer lançar sobretudo a discussão para ajudar Sebastian Coe na sua «batalha isolada dentro da organização» – como o inglês da UKA disse ao «Guardian». O presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) também concorda que «tudo é bom para a discussão» do problema do doping. Mas Jorge Vieira frisa que «o fundamental ainda passa pelo controlo». «O que nos preocupa é o número de casos como o da Rússia, organizado, estratégico», afirma ao Maisfutebol
«Hoje, pôr os recordes a zero não garante que os recordes sejam todos puros», aponta o presidente da FPA da mesma forma que lembra que, «hoje, ninguém garante que não haja recordes puros». O mesmo raciocínio foi exposto por Paula Radcliffe, a inglesa recordista mundial da maratona (2:15:25 horas): «Sou a favor de apagar os recordes se for provada batota, mas fazer isso a todos iria simplesmente castigar os atletas inocentes e limpos.»
«A ideia é bem intencionada, mas não foi pensada de forma apropriada. Apagar todos os recordes não é algo que possa acontecer», afirmou ao «The Independent» Radcliffe. Pensar no problema como ele existe no presente é o que Jorge Vieria nos propõe. O dirigente português esclarece que, «nos dias de hoje, ninguém consegue controlar ainda a dopagem» referindo-se à que «já não é maciça, mas àquela dopagem mais soft
Efeito perverso
Jorge Vieira frisa que é preciso «ser-se implacável com os infratores», mas que tal «não é só punir os atletas» e isso «é que é o mais difícil», pois «há muitos atletas que não têm culpa» quando acusam substâncias proibidas. Tanto há atletas a quem são ministradas substâncias proibidas sem o seu conhecimento e/ou contra a sua vontade, como também, por exemplo, os que, pelo simples facto de estarem a fazer um tratamento para uma maleita
A questão é complexa. A tal ponto que a rigidez que o desporto impõe a si mesmo potencia casos como aqueles, como até funciona contra si mesmo. «O desporto criou uma forma de controlo que também tem um efeito perverso: dá a entender que o desporto é uma área de batoteiros porque criou esse processo de controlo», aponta Jorge Vieira.
O presidente da FPA tem «pena que os processos contra o doping sejam só contra o desporto», pois há «outros performers
«Como temos casos como os dos bancos, há pessoas que não cumprem as regras. E vai sempre haver batoteiros em tudo. Não podemos imaginar uma sociedade pura ou um desporto puro», analisa o líder da federação nacional.