A velha raposa italiana, último desafio no ano mágico de Simeone

1 mai 2014, 00:18
Carlo Ancelotti e Diego Simeone

Na noite em José Mourinho viu uma equipa sua cair nas meias-finais da Liga dos Campeões pela sexta vez, quarta consecutiva – dois recordes negativos como outra face do máximo de oito presenças nesta fase – Stamford Bridge tornou-se o palco da consagração internacional de Diego Simeone. Consagração provisória, claro: basta conhecer minimamente o percurso do treinador do At. Madrid para perceber que, poucos minutos depois de Nicola Rizzoli apitar para o fim do jogo com o Chelsea, «El Cholo» já estava a pensar na melhor maneira de inclinar a seu favor o próximo dérbi com o Real – a primeira final da Taça/Liga dos Campeões entre equipas da mesma cidade, ao fim de 59 edições.



Faltam três vitórias (duas para a Liga, uma no dérbi de Lisboa) para Simeone fechar com dupla coroa a que seria, indiscutivelmente, a melhor temporada em toda a história do At. Madrid, superando mesmo a dobradinha de 1995/96, na qual desempenhou papel fundamental como jogador. Mas sejam quais forem os desfechos nas duas provas, começa a ser difícil não escolher o seu trabalho à frente de um gigante adormecido como o melhor desempenho de um técnico nesta temporada.

Para já, o argentino tornou-se, com 44 anos recém-cumpridos, o sexto não-europeu a atingir o jogo mais importante do ano, no panorama de clubes. Antes dele, apenas os seus compatriotas Luis Carniglia, Helenio Herrera, Juan Carlos Lorenzo e Hector Cúper, mais o brasileiro Otto Glória (com o Benfica, em 1968) tinham chegado a uma final. Só os dois primeiros a conseguiram vencer: Carniglia por duas vezes com o Real Madrid (1958 e 59), Herrera em outras duas ocasiões, com o Inter (1964 e 65). Cinco décadas depois, Simeone pode ser o terceiro técnico argentino a erguer o troféu,13 anos após a última tentativa falhada, com Cúper no Valencia, em 2000 e 2001.

O jovem lobo e a velha raposa


Chegando a final na sua época de estreia na competição, Simeone pode, caso chegue à vitória, repetir as proezas de Guardiola (em 2009) e Di Matteo (em 2012), últimos estreantes na Champions a erguer o troféu. Uma espécie upgrade ao que lhe sucedeu em 2011/12 quando, na estreia absoluta em provas europeias, levou o At. Madrid à vitória na Liga Europa – novamente com uma equipa de Espanha pela frente, no caso o At. Bilbao, treinado por outro argentino, Marcelo Bielsa. Na época em curso, Simeone orienta também a única equipa sem derrotas na prova, o que lhe deixa em aberto a possibilidade de tornar o seu Atlético no 14º vencedor invicto da Champions - proeza que já não sucede desde 2008, com o Manchester United.

Desta vez, porém, além da carga mitica que envolve a busca do Real pela décima, o técnico argentino vai ter como adversário direto um dos nomes mais experientes neste tipo de decisões. Vencedor em duas ocasiões (2003 e 2007, ambas com o Milan) e finalista vencido em 2005, Ancelotti prepara-se para, em caso de vitória, igualar o registo do mítico Bob Paisley, único treinador a erguer o troféu em três ocasiões (pelo Liverpool).



Este será o quinto frente a frente entre os dois, todos na época em curso. Para já, Ancelotti venceu duas vezes (ambas para a Taça do Rei), e Simeone apenas uma. Mas o argentino leva vantagem no confronto direto para a Liga, com um triunfo no Bernabéu e um empate caseiro, que lhe podem valer o título, caso as equipas terminem a prova com os mesmos pontos. A isto, entretanto, convém juntar que Simeone ganhou algum ascendente psicológico sobre o Real depois de, na época passada, lhe ter conquistado a Taça do Rei em pleno Santiago Bernabéu, ainda com Mourinho no comando dos «merengues».

Dez anos mais velho do que Simeone, mas com uma experiência incomparavelmente superior à do argentino (orientou mais de 150 jogos nas provas europeias, contra 30 de Simeone), o técnico italiano do Real tem, também outros desafios pela frente. Um deles, o de ser campeão por clubes de países diferentes, algo que só Ernst Happel e José Mourinho conseguiram. Se a isto juntarmos o facto de Ancelotti ter ganho mais duas finais da Taça dos Campeões como jogador, percebe-se que o duelo entre Simeone e o técnico italiano é também um embate de gerações: o jovem lobo contra a velha raposa, cenário digno de uma fábula de La Fontaine.

A memória de Aragonés e outras peculiaridades

Sendo o futebol um universo particularmente dado a simbolismos, não passou despercebido o facto de o At. Madrid atingir a sua segunda final da Taça dos Campeões 40 anos depois da primeira passagem – e três meses após o falecimento de Luis Aragonés, uma das maiores figuras da história «colchonera» e autor do único golo nessa decisão perdida com o Bayern (1-1 na final e 0-4 na finalíssima).



Em Londres, os adeptos do At. Madrid não o esqueceram, entoando o nome do antigo craque e treinador a meio da segunda parte, quando já começava a parecer claro que a equipa espanhola estava a caminho de um encontro com a história. As curiosidades acentuam-se se recordarmos que esse Atlético Madrid de 1974 também era treinado por um argentino (Juan Carlos Lorenzo) que, tal como Simeone, tinha representado o clube como jogador, 20 anos antes.

Primeiro dérbi em finais da UEFA – o único antecedente aproximado remonta à velhinha Taça Mitropa, que em 1931 foi decidida entre duas equipas de Viena – o jogo de Lisboa será o 29º embate de equipas do mesmo país na Taça dos Campeões e a quinta final monopolizada, depois das decisões de 2000 (Real Madrid-Valência) 2003 (Milan-Juventus), 2008 (Man. United-Chelsea) e 2013 (Bayern-Dortmund). 

Símbolo perfeito para um ano de ouro do futebol espanhol: nas duas provas, nenhuma das suas equipas perdeu eliminatórias com adversários estrangeiros, o que ajuda a fixar um novo recorde absoluto de pontos conseguidos no ranking em uma só temporada (22.142, por enquanto). A vitória dos «colchoneros» em Londres reforçou essa tendência, falta agora ver como acaba a fábula de La Fontaine. Resposta em Lisboa, no estádio da Luz, a 24 de maio.

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