A história do pai que ouve os relatos da equipa junto à campa do filho

11 nov 2021, 09:08
San Martín

Nahuel Pérez morreu no regresso de um dos jogos mais felizes da história do San Martín. Ele que tinha uma paixão enorme pelo clube, que lhe tinha sido passada pelo pai. Por isso o progenitor continua a celebrar os golos ao lado do filho.

Nahuel Pérez era um fervoroso adepto do San Martín de Tucuman, que na altura disputava a terceira divisão do futebol argentino. A paixão pelo clube tinha-lhe sido passada pelo pai. Miguel Ángel era também fanático e desde criança habituara o filho a ir ao estádio ver os jogos.

Era uma tradição familiar, aliás: sempre que o San Martín jogava em casa, Miguel Ángel, Nahuel, a irmã Yohis e a mãe seguiam em peregrinação para o Estádio La Ciudadela para apoiar a equipa.

Naquele ano de 2016, o San Martín estava na luta pela subida. Ia disputar as meias-finais do campeonato e todos os sonhos eram possíveis. Nahuel Pérez andava entusiasmado e pediu ao pai para ir com três amigos a Santa Fé, ver a primeira mão das meias-finais, frente ao Libertad.

«Papá, quero ir a este jogo, quero ir a Santa Fé!», disse-lhe.

Nahuel Pérez foi mesmo e viu o San Martín vencer fora por 1-0, mas já não voltou a casa. Nesse dia 28 de junho, o carro em que seguia embateu num camião e morreram os quatro jovens. A 300 quilómetros de casa, já depois do meio de uma viagem de mais de 700 quilómetros, Nahuel, Gastón Cajal, Fernando Andrada e Juan Carlos Grollimund perderam a vida na Autoestrada 34.

A alegria da vitória rapidamente se transformou em tristeza e, no jogo da segunda mão, o Estádio La Ciudadela encheu-se para prestar uma homenagem aos quatro jovens. Foram lançados balões, a equipa vestiu uma camisola negra, havia cartazes e bandeiras por todo o lado, o clube uniu-se no aplauso aos adeptos e o San Martín venceu por 2-0, apurando-se para a final.

Mas Miguel Ángel não viu nada disso. Nem sequer viu o triunfo da equipa na final, garantindo a subida à segunda divisão. O pai de Nahuel Pérez entrou num longo período de luto e durante dois anos não quis saber de futebol. Até que descobriu uma forma de estar mais próximo do filho.

«Um dia disse: no domingo sento-me junto à campa e vou ouvir o relato do jogo. E assim foi. Às vezes ganhámos, às vezes perdemos, mas estou sempre lá. Quando é preciso peço-lhe ele possa meter a mãozinha no jogo e ajudar o San Martín», disse Miguel Ángel a uma página de adeptos.

«O meu pai vai sempre com a minha mãe ao cemitério de moto. Vão todos os domingos e durante a semana também», revelou a irmã, Yohis Marianela, ao jornal El Tucumano.

Levam flores para colocar em cima da campa e Miguel Ángel fica a ouvir os jogos do San Martín por um velho rádio, que coloca junto ao ouvido. Mesmo em frente da campa do filho.

Há duas semanas, porém, esta imagem tornou-se viral. Enquanto ouvia o relato da vitória sobre o Deportivo Maipú por 2-0, o pai de Nahuel Pérez foi captado pela filha, que partilhou a foto nas redes sociais. A imagem teve quase duas mil partilhas e chegou aos quatro cantos do mundo.

«É uma cena que acontece sempre, mas ontem resolvi partilhá-la: motivou-me ver o meu pai assim, emocionou-me vê-lo assim, tive orgulho em vê-lo ali, um homem que perdeu tudo, um pai que perdeu o filho e que continua ali, de pé. É um momento que queria guardar para sempre na minha vida, mas a verdade é que não esperava que a foto assumisse esta dimensão», explicou Yohis.

A irmã de Nahuel Pérez conta que depois da fotografia se ter tornado viral, a família recebeu centenas de mensagens e muito pedidos de entrevistas.

«O meu pai ficou muito surpreendido com a viralização da foto. Toda a gente quer falar com ele, mas ele não pode, ele não está pronto para essas coisas», revelou a filha na mesma entrevista. Mais tarde, o pai falou com uma página de adeptos, mas essa é a única reação que se lhe conhece.

«Quando a minha filha me fotografou, nem reparei. Não dei conta. Só mais tarde é que me perguntaram: já viste a fotografia que te tirou a tua filha? Nem sabia o que era. Só depois fui ao Facebook e vi a imagem em que estava com o rádio encostado ao ouvido, a ouvir o relato do jogo, junto à campa do meu filho», explicou Miguel Ángel.

«Cada um vive o jogo como pode. Depois daquela fotografia, recebemos muito carinho de muitas pessoas. Aqui não há cores, é uma imagem que quis partilhar para passar aquela mensagem de amor e paixão, de como o futebol pode unir amigos, pais e filhos», acrescentou Yohis Marianela.

Naquele ano de 2016, quando Nahuel Pérez morreu numa viagem de carro, após celebrar uma vitória, o San Martín de Tucumán foi campeão da terceira divisão e subiu à segunda divisão.

Agora, cinco anos depois, a equipa está muito perto de voltar a subir. Desta vez à Liga Argentina. O San Martín divide o primeiro lugar com o Tigre, equipa que recebe na próxima segunda-feira, dia 15, no Estádio La Ciudadela. Em caso de vitória, a equipa garante um lugar na final de subida, de imediato.

San Miguel de Tucumán divide-se entre adeptos do San Martín e adeptos do Atlético Tucumán, naquela que é uma das grandes rivalidades do futebol argentino. Por estes dias, metade da cidade do norte da Argentina não cabe em si de contente, portanto. O sonho volta a ser real.

«Este clima que vivem os adeptos de San Martín é parecido com aquele da subida e a minha cabeça voltou àquele momento, àquela euforia antes da viagem a Santa Fé. Por isso também quis tirar a foto, por isso quis guardar no coração a imagem do meu pai diante do túmulo do meu irmão, onde tudo é do San Martín: as flores vermelhas e brancas, a foto da lápide com a camisola do clube e o chapéu, claro, o chapéu do San Martín que trocamos há cinco anos quando o sol e a chuva passam. É assim que nos lembramos do meu irmão. É assim que o mantemos vivo em nós», disse a irmã.

«Seria muito bonito se toda a gente se lembrasse dele e dos outros meninos, todos aqueles que estão a apoiar lá em cima no céu.»

Entretanto na segunda-feira o San Martín tem um daqueles que jogos que marcam uma vida e talvez Miguel Ángel volte ao estádio. Não se sabe ainda, é uma possibilidade. Mas mesmo que não vá, uma coisa é certa: vai continuar a gritar os golos ao lado do filho.

Com o rádio encostado ao ouvido.

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