opinião

Costa fica, “nem que Cristo desça à terra”

7 abr 2022, 19:15
O primeiro-ministro, António Costa (Lusa)

Sobre a ironia política ainda temos de esperar pelo destino. Mas eis-nos aqui, em plena guerra na Europa, com uma crise económica em velocidade furiosa na nossa direção, no início de uma nova legislatura e a discutir se o primeiro-ministro – a quem os portugueses deram toda a estabilidade política para governar – vai ou não resistir à tentação de trocar o país por voos mais altos

O debate do programa de Governo serviu para Costa afirmar, pela primeira vez, de viva voz, que vai cumprir o mandato até ao fim, quando antes tinha mandado outros fazer o mesmo, sem que ninguém tivesse levado a promessa muito a sério. Costa, que já estava amarrado aos portugueses e ao Presidente da República, fica agora amarrado às suas próprias palavras.

E, nas palavras de Costa, os próximos quatro anos e meio vão mesmo ser incríveis. É agora que Portugal vai crescer que nem uma flecha, que os mais vulneráveis vão sair do limiar da pobreza, que os professores vão finalmente encontrar alguma lógica no processo de colocações, que o problema da natalidade se vai resolver e os pais vão poder ter os filhos que quiserem porque vamos ter creches em cada esquina e vão ser todas gratuitas. É agora que vamos ter salários justos e vencer de vez o combate às desigualdades. É agora que Portugal vai dar passos de gigante para responder à emergência climática e fazer uma transição energética que nos permita ter uma economia mais limpa. É agora, como era há dois anos, como era há seis. É agora ou nunca. 

Eis-nos aqui, em 2022, a ouvir o mesmo primeiro-ministro, com o mesmo caderno de encargos, como se o mundo não tivesse mudado radicalmente. Primeiro com a pandemia e agora com a guerra.

É verdade que António Costa andou a tirar notas na última semana sobre o que se ia dizendo do programa do Governo e dedicou os primeiros minutos de discurso com uma avalanche de medidas de curto prazo para responder à emergência económica provocada pela guerra na Ucrânia. Mas não é menos verdade que, no médio/longo prazo, Costa continua com um discurso de Miss Mundo, sem qualquer rasgo e sem qualquer intenção de aproveitar a maioria absoluta que tem para fazer as reformas de que o país anda à espera há décadas.

Sobre a justiça, um dos sectores que mais contribuem para o nosso atraso, o primeiro-ministro ficou-se por uma curta referência, sintoma de que o tema queima e que o PS não tem propriamente grandes intenções de resolver os problemas que se vêm arrastando. A escolha da ministra para a pasta já era um presságio disso mesmo.

Sobre o Serviço Nacional de Saúde, que vai sobrevivendo à custa dos milhares de profissionais que ainda resistem à tentação de fugir para o privado ou para o estrangeiro, o primeiro-ministro tem pouco ou nada para dizer que não seja a velha solução socialista: atirar dinheiro para cima dos problemas e esperar que eles se resolvam sozinhos.

Sobre os salários medíocres que se pagam em Portugal, seja porque a economia não gera a riqueza suficiente ou porque o Estado continua a querer espremer com impostos quem mais trabalha, nenhuma ideia.

Sobre a geração mais qualificada de sempre, de que António Costa gosta tanto de falar, que não se alimenta de diplomas, bacharelatos e doutoramentos e que encontra no estrangeiro o reconhecimento que não encontra em Portugal, zero. 

Sobre a Segurança Social, que continua a enfrentar o tal inverno demográfico referido pelo primeiro-ministro e que, num contexto de crise económica, pode voltar a passar as tormentas do passado, nem um sinal.

O programa de Governo – deste e de todos os outros – é, normalmente, um processo de intenções, mas é também o primeiro sinal político que se dá ao país. E o sinal que recebemos, para já, é de que nada de muito significativo vai mudar nos próximos quatro anos e meio. Que a política estatizante e de subsidiação, tão característica do PS, é para manter e, quem sabe, reforçar.

Isto, claro, se a palavra dada por Costa, de que não vai fugir a meio do mandato, for mesmo palavra honrada. Afinal, Marcelo também disse um dia que não se candidatava à liderança do PSD “nem que Cristo desça à terra” e foi o que se viu. Como Costa é ateu, Cristo pode nem precisar de vir cá abaixo.

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