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A imunidade parlamentar de Costa ‒ e as primárias da direita

7 jul 2022, 14:07

Poucas frases resumiram tão bem quarta-feira como as de Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS, acusando a direita de sofrer de “instabilidade política”

Depois do seu governo sofrer a crise política mais escabrosa de que há memória desde a demissão ‒ e conseguinte reintegração ‒ de Paulo Portas no consulado de Passos Coelho, os socialistas não só dobraram o seu “irrevogável” como se deram ao luxo de o celebrar como vitória. O debate da moção de censura que o Chega impôs ao PS não terminou somente como moção de confiança ao governo de António Costa; foi uma autêntica moção de desconfiança à oposição a esse governo.

Ventura, isolado e inconsequente, berrou o que teria berrado em qualquer outro momento; criticando tudo, não resolvendo nada. O PSD, paralisado e em transição, não tem claramente bancada para sobreviver a uma guerra de duas frentes: contra o PS, que está no lugar que o PSD quer; e contra o Chega, que quer o lugar que o PSD tem.

É absolutamente extraordinário que António Costa ‒ depois da crise do acolhimento de refugiados, da crise das urgências de obstetrícia e da crise do novo aeroporto ‒ tenha ido ao parlamento não apenas sobreviver à primeira moção de censura ao seu terceiro governo como vencer o debate dessa moção. A sobrevivência à moção, fruto da posse de uma maioria absoluta, era dado adquirido. A vitória no plenário não. O facto, que aconteceu, diz-nos várias coisas.

A primeira é que a oposição da nova liderança do PSD terá de ser feita fora das portas da Assembleia da República, visto que o grupo parlamentar que Rio deixa a Montenegro não mostra unhas para guitarra de tanta corda. A segunda é que enquanto o Chega estiver mais preocupado em substituir o PSD como principal voz da oposição não se fará oposição nenhuma ao governo de António Costa. Fazer do hemiciclo uma arena das primárias da direita é garantia do seguinte: que o PS continuará no poder. A terceira é que as brechas que as ambições no interior do governo abriram são menores, por agora, do que aquelas que dividem a área política da direita.

“Nós, populistas e extremistas?”, perguntava um deputado do Chega à bancada do PSD. “Mas os senhores não governam connosco nos Açores?” E o caso ficou arrumado. Nenhum português confiará num projeto político que nem em si próprio confia.

Que o partido de André Ventura tenha optado por apresentar uma moção de censura na semana logo a seguir ao congresso de consagração de Luís Montenegro, com uma liderança parlamentar social-democrata de saída e outra por entrar, denuncia algum receio do Chega em relação a um PSD com a energia que Rui Rio nunca teve. Que tenha passado metade do debate a esgrimir protagonismos com o PSD levanta questões sobre quem é, afinal, o adversário de Ventura: uma direita competente, que lhe roube palco, ou a esquerda incompetente, que ele jura combater?

Esse é um dos muitos equilíbrios que vimos resvalar para o equilibrismo. Ali estava André, o trapezista, saltando de alvo em alvo, mãos na barra e olhos na rede, acertando em todos, não derrubando nenhum. Porque de nada serve a Ventura digladiar-se com o PSD se essa luta impedir a alternância ‒ isto é, a substituição do PS ‒ de suceder. E fazer da Assembleia um torneio entre direitas é isso mesmo: oferecer de mão-beijada a António Costa a imunidade parlamentar que um primeiro-ministro com maioria absoluta não deve ter.

Se André Ventura não perceber isso, os eleitores entenderão por ele.

E não costuma haver palmas quando os trapezistas caem.

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