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Colunista e comentador

A ‘hora Futre'

5 abr 2022, 11:08
Paulo Futre

PAULO FUTRE e CÉSAR MOURÃO pediram-me recentemente para participar no documentário que passa em revista os principais aspectos da vida (pessoal e profissional) do ex-internacional português. Não podia negar porque, estando muitas vezes nos antípodas dos raciocínios e das posturas, tenho com ele uma relação especial que decorre do facto de ter sido o jornalista a publicar pela primeira vez o nome de FUTRE na imprensa.

Ele era um menino e eu estava mergulhado profundamente na descoberta do nosso futebol mais jovem para tentar perceber a razão pela qual havia uma tão grande diferença entre a capacidade competitiva das nossas seleções e as que dominavam o futebol europeu.

Estávamos no final da década de setenta, começo da década de oitenta, e o peso da Europa de Leste, com União Soviética, RDA, Checoslováquia e Jugoslávia sempre em bom plano — concorrendo com o primado da Europa Ocidental — fazia-se sentir de uma forma que tornava o nosso futebol ainda mais pequeno.

Estive com FUTRE no primeiro ‘Europeu’ da carreira dele (Finlândia-1982, em juniores/sub-18) e por aqui já se vê que a nossa ligação tem esta origem muito forte.

Acresce que quando lancei o debate em Portugal sobre a vídeo arbitragem, ele mostrou-se disponível para colaborar e gravámos um depoimento de suporte da ‘campanha’ que muito apreciei.

Para além disso, quando eu estava em A BOLA, recebeu-me em Madrid para uma entrevista como jogador do Atletico e mantivemos sempre contacto, mesmo quando ele estava na CMTV — e muitas vezes, quando por ali deitava um olho, via-o numa teatralização futeboleira que se encaixa na perfeição no desafio que lhe foi lançado por CRISTINA FERREIRA.

FUTRE foi um grande jogador — em talento um dos melhores de sempre — e transformou-se num actor. Aquela rábula de há mais de 10 anos segundo a qual “vão vir charters de chineses” pode ter sido vista por muitos como uma encenação no momento em que foi protagonizada.

Não: FUTRE pegou numa ideia boa (a China dava sinais de ‘emergência’ no futebol, e não só…) mas como em tudo o que faz, num casamento entre exagero, drama e sentido de humor nem sempre percepcionado, criou a visão surreal e até ridícula de uma quantidade inusitada de aviões a sobrevoar os ceús da Portela.

FUTRE é fundamentalmente um produto da cantera do Sporting, mas jogou no FC Porto e no Benfica e foi nas Antas que começou a ter noção das exigências e do que era o futebol por dentro, na sua componente comercial. Primeiro, e durante muitos anos, foi só a bola. Depois, os contratos, a maior de todas as aventuras (em Madrid) e, nos últimos tempos, essa coisa mal caracterizada de estar em alguns negócios, nunca se percebeu bem se como intermediário disfarçado, se como conselheiro, se em ambas as funções.

PAULO FUTRE é aquele ‘cromo’ que todos gostam de ter nas suas ‘cadernetas’. Ele gosta de toda a gente que nós gostamos e gosta de muita gente que nós não gostamos. O ‘Paulinho’ trata toda a gente por ‘inho’ (eu sou o ‘Ruizinho’), seja um miúdo com 15 anos ou um veterano de 60, e por isso é capaz de gostar de PINTO DA COSTA ou de LUÍS FILIPE VIEIRA mesmo quando eles andavam desavindos e pareciam inimigos que afinal nunca foram.

FUTRE dança, se for preciso, com Deus e com o Diabo, dá beijinhos neles, era capaz de se meter entre o PUTIN e o ZELENSKY e dizer-lhes com as mãos sobre cada um dos ombros, naquela ingenuidade processada, ‘oiçam lá, amiguinhos, vamos lá a acabar com esta merda, porque isto está a dar imensas dores de cabeça ao pessoal e já não se aguenta, a gente quer é bola e ver o BB sossegados”.

Não é bem o SOLNADO da era moderna, mas é uma amálgama de talentos dispersos que foram sendo empilhados desde que deixou o ofício de bate-chapas. E é preciso ter alguma coisa lá dentro quando, em pleno ‘Big Brother’, se confessa que - perante um convite para escrever para a ‘Marca’— a resposta foi “… mas como, se eu não sei escrever?

Como sempre acontece na vida, temos horas muito boas, outras boas, outras más e ainda outras muito más.

Esta é a ‘hora FUTRE’.

Um dia será descartado. Entretanto, enquanto dura, será considerado ‘genial’, ‘imaginativo’, ‘empolgante’, ‘analfabeto’, um ‘boneco’ para captar as atenções e ‘fazer audiências’.

O FUTRE, com todos os seus defeitos e virtudes, será sempre para mim o miúdo franzino que em Alvalade, na ‘Onda Verde’, me despertou a atenção, ao ponto daquela bic-de-ponta-fina me ter obrigado a escrever no topo de uma resma de papel pardo: “Vai ser craque!” E foi. E é. Com ‘uma lata do caraças’!

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