Uma garantia, um aviso a Montenegro e a traição de Marcelo. Leia a entrevista de André Ventura

12 mar, 10:00

ENTREVISTA || Foi o grande vencedor da noite eleitoral e esteve na TVI e na CNN Portugal depois de ter quadriplicado os número de deputados no Parlamento. André Ventura quer estabilidade, mas também tem exigências. Uma entrevista conduzida por Sandra Felgueiras e José Alberto Carvalho

Primeira parte da entrevista

Luís Montenegro insiste que não é não. André Ventura respondeu que os portugueses nas urnas foram claros e disseram sim é sim. Em que é que ficamos caso não integre o governo da AD? Mantém o que disse durante a campanha, vai apresentar uma moção de rejeição ou de censura ao governo da AD?

Obrigado pela oportunidade de estar aqui perante os portugueses. Antes de mais, dizer que isso que foi dito agora é mesmo aquilo em que acreditamos. Ontem [domingo dia 10 de março] inaugurou-se uma era em que acabou o domínio de dois partidos em Portugal. E isso parece claro, segundo as sondagens, com três grandes blocos. Isso significa, na nossa opinião, que os portugueses, sabendo o que dizia o PSD, que não queria nenhum entendimento, nenhuma convergência com o Chega, tinham tudo na mesa. À direita, onde há uma grande maioria. Dar uma maioria a um partido ou dar uma distribuição de votos pelos dois com grande proximidade, que é o que acaba por acontecer. Ora, os portugueses optaram pela segunda via, que foi dizer que nós não queremos a maioria nem do Chega nem do PSD, queremos um Governo. Infelizmente, na minha perspetiva, liderado pelo PSD, mas com o Chega como pilar.

Mas isso não responde à minha pergunta...

Não, e isso quer dizer que os portugueses quiseram um governo a dois. Eu nunca disse, ao contrário do que algumas televisões, e justiça seja feita à vossa, não foi o caso, que ia apresentar uma moção de rejeição. Eu disse que não excluía nenhum cenário. Portanto, eu não estou preocupado com isso neste momento. Preocupa-me o Orçamento, preocupa-me como é que vão ser aprovadas medidas fundamentais.

Mas a minha pergunta foi muito clara. Se não integrar o governo, apresentam ou não uma moção de rejeição?

Não, pode não ser apresentada. Depende do programa de Governo.

Então, admite negociar caso a caso, medida à medida?

Imagine olhar para um programa de Governo em que... nós tivemos um governo que caiu por corrupção e coisas parecidas. Imagine um Governo que não se vai comprometer com o combate à corrupção, com o aumento de pensões, com uma questão que para nós é fundamental, a questão dos polícias e dos militares.

O André Ventura conhece o programa da AD muito bem...

Mas eles agora vão ter de apresentá-lo para o Governo, não é só... uma coisa foi o programa eleitoral. Outra é que medidas vão levar ao Parlamento e nós vamos olhar para elas. Se me perguntar assim ao contrário 'Admite não apresentar uma moção de rejeição?' Admito. Admito não apresentar. Se me perguntar assim 'Se alguém apresentar uma moção de rejeição?', depende do programa. Agora vou ser mais claro ainda. 'Admite votar contra o Orçamento?'. Vou deixar já claro. Se não houver nenhuma negociação, isso é humilhar o Chega. E então eu votarei contra o Orçamento.

A maioria dos portugueses, dos eleitores, escolheu a Aliança Democrática, que assumiu que não queria fazer nenhum Governo com o Chega.

Mas não lhe deu maioria. E podia ter dado. Mas deu a capacidade de criar essa maioria. Portanto, agora é com o PSD se aceita criar essa maioria ou não. A nós deram-lhes um mandato claro.

Para si foi clara a resposta de Luís Montenegro ontem à noite naquele discurso?

Eu confesso que não falei ainda com o Luís Montenegro. A única coisa que fiz foi transmitir-lhe a vitória dos resultados eleitorais. E acho que isso, aparente vitória, não sabemos. Foi por mensagem, foi por mensagem. E isso foi o que aconteceu. Agora, a minha interpretação não me parece criativa. Os portugueses sabiam que havia um partido que dizia 'nós não o faremos'. Os portugueses mesmo assim deram mais de um milhão de votos ao Chega. E um milhão e tal ao PSD. Não é uma grande diferença. O que estão a dizer é 'governem os dois e entendam-se'. O PS não consegue formar a maioria da sua esquerda. A direita consegue.

Um Bloco Central poderia ser sempre uma hipótese.

Eu acho que essas leituras são altamente criativas. Mas se o Bloco Central avançar, para Portugal também ficará claro: são os dois partidos contra o Chega.

Se o PSD propuser uma taxa de IRS de 15% para os jovens, o André Ventura vota a favor ou contra? Uma baixa de IRC, vota a favor ou contra? Isenção do IMT e imposto de selo na aquisição da primeira habitação? Reposição do tempo de serviço dos professores?

Voto a favor. Aliás, é uma proposta nossa. Eu quero dizer isto aos portugueses. Houve uma grande diferença entre o Chega e os outros partidos nestes últimos quatro anos. Essas propostas que a Sandra referiu, muitas delas foram propostas feitas por nós e viabilizadas mesmo quando vinham do PCP, do Bloco, do LIVRE, do PS. Nós nunca distinguimos no Parlamento entre o autor, ao contrário de outros partidos que se orgulham de não aprovar nada do Chega... Os portugueses ontem foram dizer isto: "meus senhores, ou acordam ou um dia o sistema acordará com o Chega a vencer as eleições". Porque eu não compreendo um sistema político em que se vota contra não pela proposta, mas porque o autor é o Chega. Então, se eu concordo com a reposição do tempo de serviço dos professores, com a reposição do suplemento para os polícias, eu vou votar contra porque é o PS ou o PSD? Eu não faço política assim. Eu faço política pelas propostas, pelo país.

Qual é a cedência do André Ventura?

É muito simples. Para mim, isto aliás foi dito por todos os analistas, para o Chega o que era fácil era dizer assim, nós estamos fora de tudo. É o mais fácil para crescer. Nós estamos fora de tudo e aproveitamos cada erro, que vão ser muitos, seja de governo for do PS ou do PSD. Eu não tenho ilusões sobre isso. Mas há uma coisa que nós fizemos, fomos responsáveis. E eu disse ontem, apesar de ter mais de um milhão de votos, nós estamos disponíveis para nos sentar, que entendemos que até representa muitas das coisas piores que o sistema tem, para criar um Governo. Não ouvi o PSD dizer o mesmo. Nós cedemos, fomos responsáveis e dissemos, até contrariando provavelmente o que o nosso eleitorado quer, estamos disponíveis para dar um Governo estável a Portugal. Porque ninguém quer andar de seis em seis meses em eleições.

Ontem disse "vou ser Governo nem que seja daqui a seis meses". Usou esta expressão, seis meses. Seis meses, um ano, dois anos. O que quer dizer?

Aparentemente, e eu não tenho a certeza disto, mas aparentemente, a AD prepara-se para evitar a possibilidade de uma maioria e de levar o país para a total irresponsabilidade.

Quando o André Ventura coloca a questão dos seis meses, está a pensar que nós vamos viver uma espécie de pântano político, de ingovernabilidade?

Não. É mais a questão orçamental, que eu acho que é fundamental. Para que isto fique claro, nós estamos numa fase decisiva da economia nacional. Nós temos de executar fundos do PRR, para isso temos de ter um Orçamento.Provavelmente haverá um [Orçamento] retificativo, não tenho a certeza, porque é um Orçamento socialista, não é o nosso.

E o que está a dizer é que o orçamento retificativo pode ser o primeiro teste de válvula?

E o orçamento retificativo pode ser um teste. Ora, eu gostava de perguntar isto cara a cara a quem nos está a ver. Imaginem um partido que diz assim: "estamos disponíveis para negociar, medida a medida, um Orçamento". Chegaram a um acordo e chegaram a um entendimento. E do outro lado dizem-nos nada. "Nós vamos avançar e vocês farão o que entenderem". Isto é espesenhar um milhão de portugueses.

Mas se o PSD os chamar para uma reunião, como normalmente os partidos chamam, para negociar medidas, o André Ventura entra ou não entra?

Claro, nós nunca fugimos a isso. Agora, como é que funcionou o governo à esquerda? Houve um acordo entre os partidos para as medidas essenciais. Por que é que isso não pode acontecer à direita? Qual é o ego, a obsessão? Qual é a soberba para se dizer assim: há um milhão e tal de portugueses, mais de um milhão e cem, faltam os votos de imigração, é preciso dizer isto, onde nós estamos com muito boas expectativas. Há mais de um milhão de pessoas que votam neste partido. Qual é o problema de se chegar a uma convergência, como houve em Itália e noutros países, a dizer assim, vamos dar aos portugueses quatro anos de estabilidade. É isso que nós pedimos. Eu olho os portugueses na cara. Eu estou disponível para sacrificar tudo para que os portugueses tenham estabilidade. Agora, também compreenderão se do outro lado disserem assim, nós não queremos nem olhar para vocês, nem olhar para as vossas propostas, nem sequer falar convosco. Então isso não é pisar-nos, isso é espezinhar um milhão e tal de portugueses. São eles os responsáveis pela ingovernabilidade, não somos nós.

Quem é que tem a iniciativa neste momento? É Luís Montenegro?

Eu já fiz tudo o possível e a história dá-me a razão, tenho a certeza. Eu já fiz tudo o possível e mais não vos posso dizer porque envolvo pessoas e eu respeito à privacidade. Eu já fiz tudo o que é possível para explicar, para explicar não, para dizer ao PSD, ajudem-nos a criar um Governo estável. Mais só se eu me humilhar. O PSD é que pode pedir para ajudarem a criar condições de estabilidade. Mas para isso é preciso negociar. Foi de resto o que pediram Nuno Melo e Luís Montenegro ontem mesmo. Mas para isso é preciso negociar, para isso é preciso chegar à mesa da negociação, para isso é preciso ceder. Por exemplo, o que é que vão fazer contra os polícias? Luís Montenegro diz que não o fará. Para nós é um ponto fundamental. São capazes de ceder nisso ou não? Nas pensões, para nós aumentar pensões é decisivo, para o PSD não parece ser. Temos de chegar aqui a um acordo.

Mas se André Ventura fosse para o Governo, iria insistir em medidas emblemáticas suas, como por exemplo, alterar a Constituição? Propor a prisão perpétua?

Isso não era a minha prioridade. Mas repare, é a prioridade de alguém que foi a votos e foi sufragado e ganhou, e que disse que não queria no Governo alguém que tivesse este tipo de ideologia.

Eu pergunto-lhe, qual é a sua linha vermelha? Se fosse para o Governo, mantinha propostas como estas?

Vou-lhe dar um exemplo que se calhar me fará perder votos, mas eu vou dizê-lo aqui na TVI. Imagine que Luís Montenegro dizia que abandonam a questão da prisão perpétua, nós aumentamos penas noutros crimes sem chegar à prisão perpétua, e em troca damos o suplemento às polícias e aumentamos as pensões. Eu assinava na hora. Isto é um exemplo de cedência e de negociação. Mas eu queria começar a fazer um caminho de subida de pensões até ao valor do IAS em três anos. E há dentro tem uma proposta que até é parecida. Por isso nós tínhamos aqui caminho, para convergir. Sabe porque é que o PSD não quer convergir? O PSD tem medo de que se nos der a mão, nós lhe levemos o braço. Eu não estou preocupado.

E significa que desconfia de si.

Sim. Mas eu quero dizer isto aos portugueses. Nós não estamos aqui para trair ninguém. Nós estamos aqui para dar um Governo estável de quatro anos a Portugal. Estamos dispostos a fazer cedências. Agora, também não humilhem aqueles que votaram em nós. Porque isso é importante também. Mais de um milhão de pessoas votou no Chega.

Há quem considere que estamos na iminência da Terceira Guerra Mundial. E eu gostava de saber qual é que é a sua opinião sobre Vladimir Putin e o que é que é que ele quer?

É muito claro. Ele é um criminoso e um terrorista. E nós devemos fazer tudo o que for possível para apoiar a Ucrânia. Matteo Salvini é meu amigo, eu não nego os meus amigos, mas não concordo com ele. A Itália, de que Salvini é ministro, acolheu mais refugiados da Ucrânia, onde Salvini é ministro, do que muitos dos países amigos da esquerda que não acolheram nenhum. E essa é a diferença da ação e de fazer. Mas eu vou mais longe. Sabe quem foi o partido político em Portugal que na última legislatura propôs que a Rússia fosse considerada um Estado terrorista? Este homem que aqui está, presidente do partido Chega. Nós não temos nenhum problema com isso. Para mim é claro isto. Se a Ucrânia perder a guerra, nós todos perdemos a guerra.

Os imigrantes ucranianos não são um problema, portanto...

Uma situação de guerra e de invasão, para nós, como sempre dissemos, e disse o mesmo das mulheres afegãs, devemos receber todos os que pudermos. Agora... não é recebermos aqueles que vêm para cá, abusar da nossa Segurança Social. Isso é uma coisa diferente.

Qual é a sua posição sobre o envio de tropas para a Ucrânia, como defendia o Emmanuel Macron?

Essa é uma questão mais sensível. Eu acho que devemos apoiar a Ucrânia em tudo o que pudermos. Se eu fosse, ou se vier a ser primeiro-ministro ainda em tempo de guerra, há uma garantia que tenho: eu vou apoiar a Ucrânia em tudo o que puder. Infelizmente, o Governo do PS desinvestiu de tal maneira das Forças Armadas que eu não sei se estaríamos em condições de apoiar militarmente com forças do terreno. Eu tenderia a apoiar em todas as formas que não envolvesse enviar tropas para o terreno. Tenderia. Em caso de extrema necessidade, se isso fosse mesmo preciso. Bom, se fosse a nossa sobrevivência que tivesse em causa, aí, evidentemente.

Segunda parte da entrevista

Os portugueses ouviram dizer que exigia estar num Governo da Aliança Democrática. Mantém essa exigência?

O que eu disse foi que tínhamos de ter um acordo de Governo. E esse acordo para nós é decisivo. Porque não faz sentido um partido que tem mais de um milhão de votos e, portanto, tem um alto nível de representatividade, ficar excluído dessa solução. Aliás, este ponto é importante, por isso é que vou dizer. A campanha foi muito clara, apesar do tabu que Luís Montenegro tentou manter. Ficou claro duas coisas: que o Chega estava disponível, e eu disse-o ao longo da campanha toda, para uma convergência que afastasse o Partido Socialista; segundo, que valeria apenas votar no Chega para um acordo de Governo.

Luís Montenegro também foi claro, disse que não. Os portugueses votaram, não deram maioria a ninguém.

Não deram maioria absoluta. Isso é importante. Ora, numa situação em que o líder do Partido Socialista, tomando por boa a sua palavra, disse "não contem com o PS para viabilizar o Orçamento", só há uma maioria possível no Parlamento. É entre o PSD e o Chega. Portanto, ou há acordo ou não há. É uma questão simples que é preciso que o PSD responda.

O que é que o André Ventura entende por esse acordo com a Aliança Democrática?

É haver uma convergência de decisões quanto à composição do Governo, ao que será esse Governo, às medidas principais desse Governo e aos objetivos que queremos alcançar.

E em relação à composição do governo, o André Ventura exige estar nesse governo?

Eu pessoalmente não. Pessoalmente? Não, não, não exijo.

Alguém do Chega para si tem de estar presente num Governo com esse acordo com a Aliança Democrática?

Repare, eu acho que o que faz sentido numa composição de Governo é serem os dois partidos a decidirem quem o compõe, por isso é que é um acordo de Governo.

Mas tem ou não de ser com alguém do Chega, do seu partido?

Não, tem de haver um acordo sobre esses nomes. Esse é para nós... o nosso ponto nunca foi lugares. É haver um acordo sobre quem é o ministro das Finanças, quem é o ministro da Educação.

Podem ser apenas, por exemplo, nomes do PSD, da Aliança Democrática, do CDS, eventualmente a Iniciativa Liberal, se fizer parte desse acordo?.

Repare, o CDS tem dois deputados. A Iniciativa Liberal tem 5% ou 4% dos votos. O Chega teve quase 20% dos votos. Tem mais de um milhão de votantes. Não estamos disponíveis para convergir. Não estamos disponíveis para ser humilhados, para ser espezinhados.

Seria uma humilhação, por exemplo, André Ventura, que esse novo Governo que o Chega pudesse viabilizar tivesse na sua composição pessoas ligadas ao CDS?

Não, nenhuma. Nós respeitamos muito o CDS, como respeitamos a Iniciativa Liberal. Agora, temos de ver o peso relativo de cada partido.

Então isso quer dizer que se o CDS estiver presente, ou a Iniciativa Liberal estiver presente, então o Chega também terá de estar presente nesse governo?

Não faz sentido nós saltarmos do primeiro para o quarto, ou para o quinto, ou para o sétimo, não é? A seguir ao primeiro vem o segundo. Geralmente é assim que se faz. Quer dizer que o Chega não aceitará nenhuma solução que não respeite a diferença relativa e a distribuição relativa de votos, mas não é o Chega, é a democracia. Por isso é que no Parlamento teremos 48 ou 50 deputados e os outros terão dois. Quer dizer, agora explique lá aos eleitores que saíram de casa para votar, a dizer assim, vocês votaram maciçamente no Chega, mas quem vai ter, quem vai coordenar o Governo? É um partido que teve menos de 900 mil votos. Quer dizer, não faz sentido. Portanto, o que nós dizemos é que tem de haver um acordo para que haja estabilidade. Tem que ver com o acordo sobre os nomes que compõem esse Governo. Não tem que ver com ser o Chega. Olhe, eu até já abri uma hipótese de serem independentes. Muitas vezes temos bons independentes na Saúde, na Educação, na Justiça... nós até estamos abertos a isso para que as pessoas vejam que não são lugares que motivam o Chega. Agora, também repare, nós não podemos aceitar ministros que representam o passado e não o futuro, como eu tenho dito. Eu quero um governo para o futuro, para os jovens, para aqueles que querem um país diferente. Não é quem governou há 40 anos ou há 30.

Mas André Ventura não tem nenhum nome em mente que possa sugerir?

Olhe, para ver que os lugares são a última coisa que nos importa, não tenho nenhum nome em mente. Só tenho uma coisa em mente, é dar um Governo estável a Portugal para os próximos quatro anos.

E se Luís Montenegro, como tem dito, não aceitar qualquer elemento do Chega ou qualquer exigência do Chega em relação à composição do Governo? O que é que o Chega fará?

Estará fora da solução e tomará as suas decisões. Qual será a decisão do Chega nessa altura? Não nos estão a pedir, temos um Orçamento que não foi iscutido connosco. Não, quer dizer, nunca se pediu isto a ninguém, em democracia. Vamos lá ver, uma coisa era nós termos dito "não queremos". Não estamos disponíveis para negociar. Estamos fora". Era aceitável. Era uma posição legítima. Agora, o Chega, contrariamente até ao que muitos dos seus eleitores querem, diz que temos de ter responsabilidade no país. O país precisa de uma solução. Temos um orçamento retificativo que vai ter de ser apresentado já, provavelmente. Estamos a executar o PRR. Temos de ter aqui uma maioria estável que mude a vida das pessoas. E o outro partido diz "mas nós não queremos saber. Não queremos falar convosco. Não queremos saber de vocês." Então repare, se eles dizem que não querem saber de nós, nem falar connosco, vão-nos pedir os votos na altura do voto. Então Luís Montenegro que o que eu lhe apelo é faça um acordo com o PS. Porque o país precisa de estabilidade. E como é que o senhor espera de negociar com um homem, com Luís Montenegro, alguém que tanto criticou durante a sua campanha eleitoral? Eu não vejo os acordos de governo com a necessidade de partidos serem muleta dos outros. O Chega nunca será muleta de nenhum partido. E portanto, quando o Chega tiver de criticar alguém, criticará.

E isso não lhe leva a que não possa haver um acordo de Governo?

Repare, eu não estou aqui para agradar a Luís Montenegro. Nem para agradar ao PSD, nem ao PS. Eu estou aqui para dizer aos portugueses que esta é uma alternativa. E os portugueses votaram. O que um primeiro-ministro tem de fazer é olhar para como os portugueses votam. Não é o que ele gosta. E há também o mimeiro-ministro, mas há também outra figura importante. Mas deixe-me avançar em relação ao Presidente da República. Eu admito que o Luís Montenegro não gosta de mim. Eu admito que o PSD até pode não gostar de mim.

O senhor gosta de Luís Montenegro?

Não tenho nada contra ele.

Mas disse mal dele...

E continuarei a dizer sempre que ele errar. Agora, não é de mim que ele tem de gostar. Os eleitores do Chega saíram de casa, os portugueses saíram de casa e votaram. É isto que ele tem de ouvir, mais nada.

Uma notícia saída no Expresso revelou que Marcelo Rebelo de Sousa iria fazer tudo para evitar o Chega no poder. O que é que Marcelo Rebelo de Sousa já lhe disse a si? Confirmou essa oposição que ele tem?

Disse-me o contrário da notícia do Expresso. Aliás, eu disse isto à saída do Palácio do Belém. Foi a única vez que falei de uma conversa com o Presidente, porque já tive muitas e acho que não as devo revelar. Agora, essa foi pública e eu também disse qual era o assunto publicamente. E Marcelo foi muito claro, que não se oporia a nenhuma presença do Chega no Governo, nem a qualquer tipo de convergência. Se eu não acreditar no meu Presidente da República, porque ele também é meu, eu candidatei-me contra ele, mas ele venceu, legitimamente e democraticamente. Por isso. Porque é que eu não gostei dessa notícia? Não é da notícia em si. Aquilo é ou mau jornalismo, é uma hipótese também, ou então é Marcelo Rebelo de Sousa a tentar, à última hora, influenciar o resultado de umas eleições. E isso numa democracia parlamentar como a nossa não é aceitável. E talvez por isso também os portugueses lhe tenham dado a mensagem. E por isso eu disse na noite final que o Presidente, se não perceber a mensagem de mais de um milhão e cem mil portugueses depois daquela capa do Expresso, então ele não está a perceber bem como é que a democracia portuguesa funciona. Eu não me senti bem com aquela mensagem. Honestamente. Eu acho que nenhum líder gosta de ver o Presidente da República, que sempre disse que seria um árbitro, aliás na vossa peça, Marcelo Rebelo de Sousa diz "agora vou ficar recatado no Palácio de Belém, não é o meu tempo, é o tempo dos partidos".

Mas sentiu essa notícia como uma chantagem?

Não, senti sobretudo como uma traição. Não a mim, que eu a isso já estou habituado. É uma traição aos portugueses.

Fez chantagem direta à Aliança Democrática?

Se fosse uma chantagem, eu não estaria aqui a dizer que quero um Governo de convergência. Diria só que não vamos viabilizar nenhum Governo e vamos mandá-lo abaixo porque temos esse poder agora. Portanto, se eu quisesse chantagear, que não é a minha forma de fazer política, estou aqui para dar estabilidade. Agora, o que disse foi num cenário de instabilidade, foram os próprios comentadores que disseram, podemos ter eleições em seis meses, um ano, dois meses. E a trajetória de crescimento do Chega tem mostrado que a cada eleição que passa, aumenta significativamente. E agora já está muito perto dos outros dois partidos, é uma percentagem pequena. Portanto, o expectável, se tudo correr como normal, seria ao Chega, nas próximas, estar a disputar o primeiro lugar. Foi isso que eu disse. 

E quais são as cedências que está disposto a fazer? O André Ventura tem, neste momento, condições para garantir que não haverá um novo referendo ao aborto, nem votará neste sentido?

Eu sou o presidente do Chega ainda. E portanto, tenho condições para garantir que nós defendemos uma cultura de vida, queremos evitar que as mulheres abortem, porque esse é o sentido verdadeiro de uma política de vida, proteger a família e a natalidade, mas que enquanto eu for presidente, eu já deixei isto claro, eu não levarei a cabo nem proporei nenhum referendo que volte a dar como solução para as mulheres a prisão. Porque não acredito nisso. E por isso, eu não o farei. Isso é uma questão que a AD tem de resolver. Eu não o farei se a AD avançar com isso. É uma questão da AD. Eu não o farei. Nós estamos disponíveis a sentar-nos para encontrar pontos de convergência. Estamos disponíveis a sentar-nos, olhar para o cenário macroeconómico e ver como é que conseguimos retirar da pobreza 400 ou 500 mil idosos em três anos e em vez de chegar já ao salário mínimo chegar, por exemplo, ao valor do indexante de apoios sociais. Teria um custo, mais ou menos, de 1.6 mil milhões de euros. Isto é o que faz um político responsável. É verdade, eu defendo a prisão perpétua para crimes de homicídio, de violações, de abusos sexuais. Eu defendo isso. Vou defender sempre. Agora, neste momento, face ao cenário português, será que um político deve chegar a uma mesa de negociações e dizer  "há isto ou eu não saio daqui?" Não. A gente deve dizer isto é o que eu acredito. Mas neste momento é mais importante aumentar salários, baixar impostos, aumentar pensões. Isto é o tipo de cedência que eu estou disposto a fazer.

Mas tem outro exemplo de medidas polémicas, eu não sei se o senhor sabe quais são.

Estamos dispostos a que haja aqui um período de latência, digamos assim, de progressividade, até que estas medidas sejam implantadas. Porque de resto, em matéria fiscal, há até muitos pontos de convergência com a ADE. Em matéria de IRS, em matéria da isenção pública, em legislação para jovens. Portanto, há aqui capacidade de trabalho. Agora, também não me podem dizer que ninguém quer ligar a um milhão e cem mil eleitores, mas querem o seu voto no dia do Orçamento. Quer dizer, então façam assim, pisem-nos, matem-nos e tirem-nos fora. Porque mais vale. A castração química, por exemplo, também está completamente fora. A castração química para violadores e pedófilos não está afastada. Isso está, aliás, como uma das nossas medidas para a justiça. Mas também não é uma medida essencial. Estou disponível a que ela não seja parte de uma negociação de Governo.

E isso quer dizer que o Chega, na proximidade de um acordo com a AD, está disponível a moderar-se?

Não é moderar-se. O nosso termo é dar estabilidade aos portugueses. Os portugueses precisam de estabilidade. Você precisa de estabilidade e eu também. Nós vivemos num país com o cenário económico que tem, com uma guerra na Rússia, com uma guerra no Médio Oriente, com os perigos que a Europa tem hoje. Eu sou sensato e eu acho que sou uma pessoa sensata. E sobretudo ponho os portugueses à frente. Portanto, é isto que eu estou disposto a fazer. Se me disserem, eles não estão. Então, tem de perguntar à AD, quando alguma coisa acontecer de instabilidade, porque é que não se sentaram à mesa?

De que medidas não abdica?

Olhe, o caso das polícias, por exemplo, para nós é um ponto essencial. A injustiça que foi criada, do suplemento que foi atribuído à Polícia Judiciária, tem de haver equidade. Deve ser alargado à PSP, à GNR, aos guardas prisionais e às outras forças de segurança.

Que exigências vai fazer a Aliança Democrática?

Este tipo de exigências são medidas muito concretas, muito específicas, como a questão das forças de segurança, o aumento de pensões, que é fundamental, e também, porque sei muito, conheço bem a realidade económica do nosso país, e aí até acho que não vai ser uma conversa difícil, se esta conversa vier a acontecer, a descida de impostos. Mas há um ponto que é sempre importante, se me permitem, se tivermos tempo, que é este. Eu tenho ouvido o PS, durante muito tempo, o PS, não o PSD, apesar da tal reforma da Justiça. E por isso confrontei Pedro Nuno Santos sobre isto, o tal controlo que queria impor ao Ministério Público. E o PSD não foi claro nisto. Eu quero que isto fique claro. Se houver alguma tentação no PSD para seguir este tipo de medidas, para controlar o Ministério Público ou a Polícia Judiciária, nós nunca aceitaremos fazer parte de um executivo nestas condições. Porque isso foi acontecer no processo Casa Pia, e eu não quero que volte a acontecer na sequência destes processos, do Influencer, do da Madeira, e portanto, essa será uma linha vermelha para nós, para que fique claro. Portanto, eu queria deixar isto aqui absolutamente evidente.

Já nos disse quais são as suas linhas vermelhas, as exigências que também fará a Aliança Democrática, no entanto, tudo pode, de qualquer das formas, falhar. Nessa circunstância, é para derrubar o Governo da Aliança Democrática?

Repare, eu não sei o que é que é derrubar. É, por exemplo, apresentar uma moção de rejeição? Honestamente. É, por exemplo, chumbar um Orçamento para 2025? Oh, Ana, mas desculpe lá. Imagine o Orçamento. Vamos tirar a questão da moção de rejeição, que eu penso que não estará no Orçamento, penso, não tenho essa certeza, mas penso que não estará no Orçamento de nenhum partido, mas não sei. Não está no meu, não está no meu. E, portanto, a moção de rejeição nunca será apresentada, portanto, o ponto mais crítico desta negociação será por altura do Orçamento. Mas que pode ser já um retificativo, face ao orçamento do PS, não é? Mas já há vozes da AD, há informações da AD de que não irá apresentar um Orçamento retificativo. Então vão governar com o orçamento do PS? Tenho de lhe perguntar, naturalmente, à Aliança Democrática.

Será esse o ponto mais crítico, o Orçamento de 2025?

Deixe-me primeiro dizer uma coisa. O PSD votou contra este Orçamento, porque era o pior, se não me engano, dos últimos anos. Eu não concebo que o Luís Montenegro entre a governar com este Orçamento. Seria uma traição aos seus eleitores e àquilo que votaram há uns meses atrás, não quero acreditar que vá acontecer. Se não há retificativo chegaremos ao outro Orçamento. O Chega está disponível para se sentar. Se a AD não o quiser fazer então terá de se entender com o PS.

Ou estão a pedir votos sem negociar? Isso é humilhar, espezinhar um partido, o Chega pedirá uma negociação e se não for aceite vai votar contra. Não é fazer cair o Governo. A AD não aceitará o apoio do Chega para esse Orçamento. A AD diz que não quer falar e nos é que fazemos cair o Governo? Não. A AD é que se demite de governar.

Não pode ser castigado se fizer cair um Governo da AD?

O líder de um partido com mais de um milhão de votos que diz que está disposto a ceder, negociar e a convergir não pode ser penalizado, pode ser visto pelos eleitores como o único responsável na sala. Arriscaremos novamente. Os portugueses deram uma maioria clara a dois partidos: à AD e ao Chega. Havendo um partido que já se pôs fora há uma única maioria possível. Não me podem pedir mais.

O Chega fará aliança negativa contra a AD com o PS?

Isso é o que Luís Montenegro quer fazer para fugir à sua responsabilidade. Se Luís Montenegro não quiser procurar soluções não se pode queixar de alianças, porque não são alianças, são a representação de um partido que foi arrogante, soberbo e que preferiu olhar de cima e dizer "eu não quero saber de mais ninguém". Quando alguém trata os portugueses como mentecaptos tendem a penalizá-lo.

Está disponível a ligar a Luís Montenegro?

Não preciso, ele sabe quais são. Sabe o que o Chega exige e a que está disposto. Se precisar de ligar ligo eu.

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