Crianças de meios desfavorecidos e institucionalizadas foram maiores alvos de abusos violentos na Igreja

CNN Portugal , HCL
13 fev 2023, 21:53
Escola católica, igreja, religião. Foto: AP Photo/Jessie Wardarski

Relatório da Comissão Independente identifica maior incidência de testemunhos de abusos com penetração entre vítimas com baixa escolaridade e em crianças institucionalizadas ou de famílias monoparentais. Vítimas de meios mais desfavorecidos foram alvo de abusos mais regulares e prolongados no tempo

Foi nos testemunhos das vítimas de abusos na Igreja Católica que estavam institucionalizadas que os membros da Comissão Independente encontraram mais vezes casos que envolveram penetração. Eram crianças, estavam “em ambientes fechados ao exterior”, sob “fortes relações de poder” e com “tempos longos de partilha da convivência entre vítimas e abusadores”. 

Os resultados estão no relatório conhecido esta segunda-feira, que identificou não só 4.815 vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica como também as formas de abuso a que foram sujeitas. Mais de metade das crianças foi manipulada nos órgãos sexuais (53,6%) ou tocada em zonas de estímulo sexual (60,3%). Perto de um terço relatou a exibição dos órgãos genitais (32,4%) e a masturbação (28,1%) e 19,3% das denúncias referem casos que envolvem a prática de sexo oral (19,3%). 

Em 14,1% dos casos houve conversas ou insinuações sexualmente explícitas e “impróprias tendo em conta a idade da vítima e o contexto onde ocorreram”.

Em 10% dos casos houve relatos de sexo anal. 

Como modalidades menos comuns identificadas pelo relatório surgem o ato sexual (6,5% dos casos), o visionamento de pornografia (5,5% dos casos) e a recolha de imagens de cariz sexual (4,1% dos casos).

O relatório identificou, na mesma linha, diferenças “vincadas” nos tipos de abusos praticados em rapazes e raparigas. O exemplo mais saliente é o dos casos em que existiu sexo anal, que foi quase exclusivamente perpetrado sobre os rapazes (16,7% contra 0,9%). Foi também nos rapazes que mais vezes ocorreu a manipulação de órgãos sexuais (65,2% vs. 38,4%), a exibição de zonas genitais (42% vs. 19,4%), a masturbação (35,8% vs. 17,6%) e o sexo oral (26,6% vs. 9,3%). Comparativamente, há uma maior frequência de raparigas vítimas de toques nas zonas de estímulo sexual (69% vs. 53,9%) ou de sugestionamento sexual (17,1% vs. 11,9%).

Por outro lado, o relatório identificou “um padrão de reciprocidade” nos atos praticados sobre rapazes. Isto é evidenciado nos casos de manipulação dos órgãos sexuais em que “é habitual a manipulação recíproca”, mas também nos casos da exibição das zonas genitais, da masturbação e, “com menor evidência”, no sexo oral. Este padrão foi também observado nos casos relacionados com a prática de sexo anal, em que as vítimas são quase exclusivamente rapazes.

No caso das raparigas, os mesmos tipos de abuso são na sua maioria “unilaterais”, elas sendo “um elemento passivo ou recetivo”.

Estas diferenças são explicadas no relatório por causa dos locais distintos em que ocorrem abusos contra rapazes e raparigas. “Por exemplo, na nossa amostra existem casos descritos como toques de zonas de estímulo sexual em confessionários fechados, enquanto práticas como o sexo oral ou anal são maioritariamente reportados a espaços mais específicos, como a sacristia ou a casa do pároco”, indica o documento.

O relatório revela também uma maior quantidade de testemunhos de abusos com penetração entre as pessoas com escolaridade mais baixa, com graus de primeiro ou segundo ciclo. Por outro lado, entre as pessoas com níveis de escolaridade do ensino superior, a maioria das vítimas surge como abusada em “modalidades de não-penetração”. Isto, segundo o relatório, pode indicar que uma maior escolarização constitua um fator que potencie nas vítimas uma maior capacidade para falar sobre o assunto, “não só por estarem atualmente mais informadas sobre o abuso sexual, nas suas várias modalidades, como por disporem de competências intelectuais que as habilitam a reconhecer e descrever, por escrito, as situações por que passaram”.

Neste sentido, os abusos mais violentos ocorreram em crianças cujos pais não viveram sempre juntos, “justamente aquelas que mais frequentemente eram colocadas em orfanatos ou outras instituições tuteladas pela Igreja Católica ou as que viviam em famílias monoparentais, as mais vulneráveis em termos económicos e sociais”. Estes são dados que a Comissão diz revelarem “a importância da presença de bons e afetivos laços de relação familiar para uma mais adequada proteção das crianças em relação aos abusos sexuais”. As crianças de meios mais desfavorecidos foram não só vítimas de abusos mais violentos como também de abusos mais regulares e prolongados no tempo.

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