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Abstenção tramou o Chega. Efeito Cotrim mais forte que o efeito "netinho bem-falante". Vitória de Temido "não dá confiança" para tombar o Governo

10 jun, 03:09
Pedro Nuno Santos e Marta Temido (LUSA/José Sena Goulão)

Vitória tangencial do PS mostra que “partidos do centro estão condenados a entender-se”

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O Partido Socialista (PS) venceu as eleições, mas perdeu um eurodeputado. A Aliança Democrática (AD) foi derrotada, mas manteve os lugares que tinha no Parlamento Europeu. O Chega conseguiu os seus dois primeiros deputados na Europa, mas perdeu mais de 700 mil votos face às legislativas de março. O Bloco de Esquerda (BE) e a coligação que junta comunistas e Verdes perderam votos e perderam um eurodeputado cada. O Livre esteve perto de eleger um deputado, mas não perto o suficiente. O PAN, esse, ficou fora do Parlamento Europeu. Vitória mesmo tiveram os liberais que não só melhoraram os resultados anteriores, como conquistaram dois lugares no Parlamento Europeu.

O resultado das eleições europeias não são só números e lança várias questões no panorama político nacional. Estamos perante o regresso do bipartidarismo? Há um fracasso da esquerda à esquerda do PS? Houve um efeito Cotrim no sucesso da IL?

Iniciativa Liberal: houve um efeito Cotrim?

Para Carlos Guimarães Pinto, ex-líder da Iniciativa Liberal, não há dúvida: “Claro” que houve efeito Cotrim, diz. “Foi capaz de mobilizar o eleitorado da IL todo e ainda ir buscar votos a outros partidos (provavelmente à AD)”, considera, sublinhando, no entanto, que “a principal força da IL” é um eleitorado convicto que depois de votar nas legislativas voltou a votar nas Europeias”.

Para Sérgio Sousa Pinto, socialista e comentador da CNN Portugal, muitos dos que votaram em Cotrim de Figueiredo terão sido eleitores que queriam ter votado nas legislativas. “Ele foi um bom candidato e foi menos penalizado pela abstenção”, acrescenta.

Os números são inequívocos. Entre as Europeias de 2019 e a as eleições deste domingo, a IL passou de cerca de 30 mil votos para mais de 357 mil votos. Se há cinco anos não conseguiu sequer ficar nos dez partidos mais votados, agora, foi a quarta força política mais votada.

Para os comentadores da CNN Portugal, Rui Calafate e Mafalda Anjos, Cotrim terá tirado votos à AD e ao partido de André Ventura. “O Chega teve um rombo enorme, e sobretudo graças ao voto jovem, que se revê no candidato Cotrim de Figueiredo”, nota a comentadora, acreditando que o cabeça de lista da IL teve mais sucesso entre a camada mais jovem do que o candidato da AD. “Curiosamente, Sebastião Bugalho, apesar da idade, parece-me que falha nessa fatia do eleitorado. É o candidato que agrada aos mais velhos, o netinho bem-falante e arrumadinho que qualquer avó gostava de ter”.

Mafalda Anjos também acredita ter havido um efeito Cotrim. “Foi o grande vencedor da noite. Teve uma vitória expressiva, sobretudo graças ao seu carisma, que é muito superior à força do seu partido e do atual líder”

“A IL foi o único partido que manteve o número de votos, tendo até aumentado um pouco, apesar da abstenção generalizada”, refere Carlos Guimarães Pinto comparando as legislativas de março com as europeias deste domingo. E, de facto, apesar de nas legislativas a IL ter sido a quarta força política, como este domingo, nas legislativas teve pouco mais de 319 mil votos e agora registou quase 360 mil votantes.

A esquerda à esquerda do PS está cada vez mais fraca?

Os quatro partidos à esquerda dos socialistas, só conseguiram eleger dois eurodeputados. BE e PCP-PEV ficaram cada um com um eurodeputado, perdendo o outro que cada um também tinha. O livre não conseguiu eleger e o PAN desapareceu do Parlamento Europeu.

Das quatro forças políticas, apenas o Livre viu o seu número de votos aumentar entre as europeias de 2019 e as atuais, mas não o suficiente. Todos os outros perderam votos e mandatos, um por cada partido. No total, Bloco, PCP-PEV e PAN perderam mais de 350 mil votos.

“O PAN fez jus à sigla e rebentou porque outros partidos, designadamente o Livre e o BE, se apossaram das suas bandeiras”, diz o politólogo José Filipe Pinto, apresentando também explicações para a queda dos partidos liderados por Mariana Mortágua e Paulo Raimundo. “O Bloco está a entrar na fase da maturidade e a perder eleitorado jovem para o Livre e a Iniciativa Liberal. O PCP está a tentar suavizar a realidade de ser o último resistente marxista-leninista”. O analista considera ainda que “o eleitorado está a deixar de se rever na ideologia socialista” e que “o PS, apesar da designação, é um partido social-democrata no contexto europeu”.

Vasco Becker–Weinberg, que é atualmente eurodeputado do CDS-PP, considera que esta fragilidade da esquerda foi uma das situações que ajudou o partido de Pedro Nuno Santos. “O PS tem à esquerda duas forças que sempre tiveram representação no Parlamento Europeu (BE e CDU), e que agora estão em evidente declínio”.

Mas a comentadora da CNN Portugal, Anabela Neves considera que apesar dos fracos resultados, a situação podia ser ainda pior, perante o que se esperava tendo em conta os resultados das últimas europeias e legislativas. “O Bloco e a CDU conseguiram ficar cada um com um deputado”, recorda.

Voltamos ao bipartidarismo?

Para Rui Calafate, os resultados destas europeias mostram que “o bipartidarismo nunca acabou”, lembrando que o que aconteceu nas legislativas, foi “um voto de protesto ao Governo PS”.

Recorde-se que, ao contrário do que aconteceu nas legislativas de março, em que PS e AD não conseguiram atingir a marca dos 30% de votos, agora, ambos ultrapassaram essa fasquia.

Já Mafalda Anjos acredita que esta votação é um sinal do eleitorado. “Os portugueses mostraram que os partidos do centro estão condenados a entender-se”, diz, considerando que tem de haver “responsabilidade e maturidade política para isso”.

Confirmando que “nestas eleições os dois grandes partidos reforçaram-se”, Carlos Guimarães Pinto assegura que agora “resta perceber se isso se transpõe para umas eleições legislativas”. Na opinião de Anabela Neves, a queda do Chega foi um dos fatores que contribuiu para este cenário de bipartidarismo. “Ficaram os dois acima dos 30% e isso significa que muitos dos votos do Chega terão regressaram a estes partidos.” 

O que aconteceu ao Chega?

A noite não foi boa para André Ventura. “O que dificultou a vida ao Chega foi o regresso dos abstencionistas à abstenção”, argumenta Carlos Guimarães Pinto.

Apesar de as europeias deste domingo até terem registado uma forte queda da abstenção, de quase 70% em 2019 para cerca de 62%, a verdade é que olhando para as legislativas, agora, a abstenção foi muito maior. Nas legislativas de março, a taxa de abstenção foi de pouco mais de 40%.

Mafalda Anjos considera mesmo que “André Ventura foi o grande derrotado da noite”, tendo levado “o seu primeiro balde de água fria eleitoral”. Agora, diz, “vai ter de repensar estratégias”. De acordo com José Filipe Pinto, especialista em populismos, André Ventura escolheu mal o candidato a cabeça de lista, considerando que o resultado só não foi pior porque no final da campanha decidiu aparecer, colocando-se sempre à frente de Tânger Corrêa focando-se a campanha no líder.

Anabela Neves lembra que esta eleição foi a pior para o Chega desde as presidenciais em que concorreu André Ventura. “Perdeu 700 mil votos desde as legislativas que são as únicas eleições que podemos comparar”.   

Pedro Nuno Santos teve uma vitória?

Foi uma vitória do PS, mas a diferença para a AD não chegou aos 40 mil votos. Uma vitória que Mafalda Anjos classifica de “vitória à tangente”. E isso, considera a comentadora, “não lhe dá a confiança de que necessitava para sonhar mandar abaixo este governo e ir novamente a eleições”.

No discurso de vitória de Pedro Nuno Santos na noite de domingo, o líder do PS fez, aliás, questão de frisar que “não será pelo PS que haverá instabilidade política em Portugal”.

Apedar disso, Rui Calafate frisa que esta pequena vitória é “importante para Pedro Nuno Santos dar fim a um ciclo de derrotas”. Para Calafate, Marta Temido foi uma das vencedoras da noite: “Quem ganha, ganha. Ponto”.

Foi uma derrota para Montenegro?

Ainda não havia resultados e já havia quem perguntasse a Luís Montenegro se se demitiria caso viesse a ter um mau resultado. “Isso é mesmo para rir, desculpe. Não leve a mal, é para rir", respondeu Montenegro.

A derrota aconteceu mesmo, mas "por poucochinho." Foi assim que o cabeça de lista da AD, Sebastião Bugalho, classificou o resultado no discurso que fez na noite deste domingo. Também o eurodeputado Vasco Becker–Weinerg, defende a mesma ideia. “A vitória do PS não é muito significativa, sobretudo face ao resultado das eleições de 2019 e pelo facto de ser o quarto ato eleitoral da atual liderança do PS”, diz, recordando que “o PS perdeu as três eleições anteriores e ganhou agora por uma margem mínima”. Perdeu as Regionais nos Açores e na Madeira e perdeu as legislativas, recorde-se.

Mas os resultados são a prova, sublinha Mafalda Anjos, da “fragilidade da força política nacional” de Luís Montenegro. “Apesar de ter posto todas as fichas nestas eleições, que deveriam fortalecer a sua posição e dar gás à sua governação, e da propaganda que o Governo fez pela AD, não conseguiu um apoio reforçado dos eleitores”. Para a comentadora, Montenegro “tem de saber ler estes sinais e governar procurando pontes, coisa que manifestamente não tem feito até agora”.

Montenegro, por seu lado, no discurso que fez na noite de domingo admitiu a derrota e prometeu manter o diálogo com o PS. E começou de imediato dando a novidade da noite: iria apoiar António Costa para a presidência do Conselho Europeu. Uma enorme novidade que o líder do Governo disse já ter comunicado aos seus homólogos europeus. Depois da vitória do PS, este anúncio foi mesmo o facto da noite, eventualmente capaz de esconder a derrota da AD.

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