opinião
Diretor TVI Norte

No jogo de sombras, as palavras são também armas de guerra

27 mar 2022, 23:03
Joe Biden discursa em Varsóvia (AP Photo/Petr David Josek)

Ontem, na final da viagem de Biden à Polónia, uma senhora não tirava os olhos do nosso trabalho. Seguia cada direto, os movimentos, as conversas, como se estivesse a entender tudo. Não dei importância, para além de um sorriso e um aceno de cabeça, mas percebi que era uma pessoa educada e formada, que estava ali por uma causa e sabia que os jornalistas são a melhor forma de a divulgar.

No frenesim da operação, confesso que lhe perdi o rasto, mas já ao cair do pano ela voltou para me perguntar de onde era e o que estava ali a fazer. Expliquei e ouvi a doce voz daquela mulher agradecer o nosso trabalho e a pegar numa pequena nota que me entregou como recordação daquele dia. Contei-lhe que horas depois estaria em reportagem na Ucrânia. Ela sorriu, como se já soubesse e desejou-me sorte. Agradeci e cada um de nós partiu para o seu destino. Ela, ficou lá em Varsóvia à espera da paz. Eu vim para Lviv esperando dar a notícia que aquela e muitas outras mulheres querem ouvir. Mas o cenário na diplomacia não é simples.

Biden endureceu o discurso pedindo até uma mudança política na Rússia, liderada por um “carniceiro”. Moscovo não gostou. Washington corrigiu e acabou por chegar de Paris o comentário que me parece óbvio. Nesta altura a guerra já é um problema suficientemente grave dispensando qualquer escalada verbal que possa tornar ainda mais complexas as negociações. O encontro de ucranianos e russos será na Turquia, que tem conquistado espaço neste palco da procura de um acordo. O presidente turco fala mesmo numa saída honrosa para Putin que se pode agora tornar num “artesão da paz”. A possibilidade de uma divisão da Ucrânia, a anexação do Donbass, os ataques em Lviv e as mudanças de estratégia nos arredores de Kiev não nos deixam adivinhar o que quer afinal Putin e para onde vai levar esta guerra.

No jogo de sombras, as palavras são também armas de guerra que todos vão utilizar com a mesma violência de um bombardeamento ou de uma terrível vaga de refugiados, com as famílias divididas e destroçadas. É todo um povo que sofre na Ucrânia, mas também na Rússia. Nesta guerra a dor das mães é igualmente violenta dos dois lados. Umas fogem com os filhos na busca da paz, as outras perdem os filhos em nome de uma guerra que nunca mais acaba.

Opinião

Mais Opinião

Patrocinados